DA COR DO ÉBANO Shellah Avellar

arte:shellAHAvellar


Transformar a sociedade parece que já não nos interessa.

Uma poética dos atos extensiva à comunidade humana é apenas metafísica individual.

Somos folhas ao vento, precárias, sujeitas às pressões de fraudes, abusos de poder e injustiças.

Talvez uma foto amarelada de uma resolução política motivada por uma solidariedade às vítimas das injúrias.

É um parto com fórceps, numa ilusão de que a nossa carne dilacerada sofre a dor dos outros.

De repente, entramos num estado letárgico em que nada mais se espera do Homem.

E, então, do silêncio dos nativos do planeta Terra, eis o grito primal da África-Mãe.

O primeiro batuque.

O sorriso branco ― brilhante de bocas carnudas.

Íris cintilantes de sábios encantados.

Divindades míticas de mantras arcaicos.

Pele que reflete um ébano azulado.

Gingado preciso de ancas e quadris afinados.

Pés que parecem levitar num compasso-contágio.

Pisando lamas, polindo pedras e assentando poeiras.

Milhares de pequenas vidas tão sem importância.

Desaparecendo esmagadas por outras vidas.

Exalam ervas viscosas de folhas viçosas, em caldeirões de fogo ardente.

Corações em trevas apodrecem fora das vistas do Mundo Branco.

Em brechas de sóis de sangue, em meio à confusão de formas e sombras.

Que ato humano faz sentido nas savanas?

Formigas que invadem os caules porosos.

Olhos fosforescentes com fixidez de eternidade.

Rápidas rajadas de pássaros.

Pântanos e fungosidades no limiar das matas, que extravasam o sinistro.

Um som nos invade a anima e o animus.

Dos tambores ancestrais da rija negritude ecoam a angústia de uma raça.

Que escreve um livro raro de infância no berço da raça humana.

E, aqui, esta jovem senhora estarrecida, sem uma palavra adequada, agoniza entre o brutal e o vacilante.

De que, entre escrever e agir, se faz necessário “não se esconder”.

Dos confins do horror do Preconceito, afasta o lodo infecto e disfarça a ironia de que sem as pérolas negras jamais haveria sons, cores e alegria.

Ouça também “Ébano”, de Luiz Melodia:

#BlackLivesMATTER #VidasNegrasIMPORTAM #aLutaSIM #aResistênciaSIM #oAmorSIM

EL COLOR DEL ÉBANO. Shellah Avellar

Transformar la sociedad parece que ya no nos interesa.

Una poética de los actos extensiva a la comunidad humana es apenas metafísica individual.

Somos hojas al viento, precarias, sometidas a las presiones de fraudes, abusos de poder e injusticias.

Quizás una foto amarillenta de una resolución política motivada por la solidaridad a las víctimas de las injurias.

Es un parto con fórceps, en la ilusión de que nuestra carne desgarrada sufra el dolor de los demás.

De repente, entramos en un estado letárgico en el que nada más se espera del Hombre.

Y entonces, del silencio de los nativos del planeta Tierra, he ahí el grito primario de África-Madre.

El primer toque de tambor.

La sonrisa blanca y brillante de las bocas carnosas.

Los iris centelleantes de sabios encantados.

Deidades míticas de mantras arcaicos.

Piel que refleja un ébano azulado.

Preciso contoneo de caderas y cinturas afinadas.

Pies que parecen levitar en un compás-contagio.

Pisando lodo, puliendo piedras y asentando polvo.

Miles de pequeñas vidas sin importancia.

Desapareciendo, aplastadas por otras vidas.

Hierbas viscosas rezuman hojas exuberantes, en calderos de fuego ardiente.

Corazones en tinieblas se pudren fuera de la vista del Mundo Blanco.

En las brechas de soles de sangre, en medio de la confusión de formas y sombras.

¿Qué acto humano tiene sentido en las sabanas?

Hormigas invadiendo los tallos porosos.

Ojos fosforescentes fijos en la eternidad.

Rápidas ráfagas de pájaros.

Pantanos y hongos en el umbral de los bosques, que desbordan lo siniestro.

Un sonido invade nuestra anima y animus.

De los tambores ancestrales de dura negrura resuena la angustia de una raza.

Que escribe un raro libro de infancia en la cuna de la raza humana.

Y aquí, esta joven señora horrorizada, sin una palabra adecuada, agoniza entre lo brutal y lo vacilante.

Que entre escribir y actuar, se hace necesario “no esconderse”.

Desde los confines del horror del Prejuicio, remueve el lodo infeccioso y disfraza la ironía de que sin las perlas negras jamás habría sonidos, colores y alegría.

Escuche también “Ébano” de Luiz Melodia

THE COLOUR OF EBONY. Shellah Avellar

Transforming society no longer seems to interest us.

A poetics of acts extended to the human community is hardly individual metaphysics.

We are leaves in the wind, precarious, subject to the pressures of fraud, abuses of power and injustice.

Perhaps a yellowed photo of a political resolution motivated by solidarity with the victims of insults.

It is a birth with forceps, in the illusion that our torn flesh suffers the pain of others.

Suddenly, we enter a lethargic state in which nothing more is expected of Man.

And then, from the silence of the natives of planet Earth, there is the primal cry of Africa-Mother.

The first drumbeat.

The bright white smile of the fleshy mouths.

The sparkling irises of enchanted sages.

Mythical deities of archaic mantras.

Skin reflecting a bluish ebony.

Precise swagger of hips and fine-tuned waists.

Feet that seem to levitate in a compass-contagion.

Treading mud, polishing stones and settling dust.

Thousands of unimportant little lives.

Disappearing, crushed by other lives.

Slimy grasses ooze lush leaves, in cauldrons of burning fire.

Darkened hearts rot out of sight of the White World.

In the gaps of blood suns, amidst the confusion of shapes and shadows.

What human act makes sense in the savannahs?

Ants invading the porous stalks.

Phosphorescent eyes fixed on eternity.

Rapid flurries of birds.

Swamps and mushrooms on the threshold of forests, overflowing with the sinister.

A sound invades our anima and animus.

From the ancestral drums of harsh blackness resounds the anguish of a race.

That writes a rare childhood book in the cradle of the human race.

And here, this horrified young lady, without a proper word, agonises between the brutal and the hesitant.

That between writing and acting, it becomes necessary “not to hide”.

From the confines of the horror of Prejudice, she stirs the infectious mud and disguises the irony that without the black pearls there would never be sounds, colours and joy.

Listen also to Luiz Melodia’s “Ebony”.

PALAVRÃO É UMA PALAVRA GRANDE Shellah Avellar

Steven Arthur Pinker, psicólogo e linguista canadense , acredita que a raiz histórica dos palavrões  talvez tenha  sido a religião, durante a Idade Média, quando evocar o nome de Deus de forma blasfema era o pior dos palavrões. Nesta época surgiram expressões tais como “vá para o diabo”.

Depois, foram sendo criadas novas expressões, ligadas à sexualidade e ao corpo humano e denominadas de baixo calão.

Seria  impossível listar aqui todos os palavrões do idioma português, pois diariamente surgem  mais maneiras de ofender alguém ou de expressar algum descontentamento e sentimento através de gírias  e outros xingamentos.

Talvez seja urgente conhecer palavrões aos quais você não esteja habituado. Você pode se surpreender com a quantidade e as   diversas variações a seu dispor para quando desejar espinafrar alguém.

Ou, quem sabe, você queira decorar algumas dessas palavras para usar em suas redes sociais para impressionar a galera com gírias raras e chocar com as expressões de cunho obsceno?

Talvez queira utilizá-los nas tribunas, nos pódios, nos microfones, nas entrevistas, nas coletivas de imprensa,  nas reuniões familiares, profissionais  ,executivas e  ministeriais,  nos botecos de sua preferência ou nas esquinas da vida.

Assim poderemos vê-lo fungando, careteando e agitando as mãos, enquanto espera que alguém traduza o seu desprezo pelos seres humanos.

Cúmulo da “ ignonímia “, você acha que pode impingir qualquer impropério aos bípedes engessados que lhe prestam atenção e comungam de seus desvarios.

Permite-se arengar sobre as Instituições que garantem o livre exercício do processo democrático.

Brinca de Deus, vociferando sua mixórdia de idéias, confinando-as na obscuridade e deixando o auditório perplexo.

Sim, você nos presenteou com uma cena única onde se enfrentam e se enlaçam a baixeza e a perversão.

O mais interessante é que os que o aplaudem e seguem, também são alvo de seu escárnio e de seus despropósitos de afundar a nação e de vendê-la a preços módicos sucateando todas as camadas de força produtiva deste país à exceção de seus comparsas.

A maior parte dos palavrões originaram-se de termos não-escatológicos que, por convenções sociais e metáforas de duplo sentido, acabaram por tornar-se uma forma obscena de representação. Diversos deles vieram de radicais latinos como a expressão “caralho”, que surgiu do latim characulu, “boceta”, que veio do latim buxis. “Foda-se”, que vem do latim futere e “puta”, que veio do latim putta. Alguns palavrões mantém seu sentido original, como “foda”, “cu” – forma estendida do latim culus. Algumas dessas palavras foram  aportuguesadas de línguas como o espanhol, francês e inglês, tais como o termo “merda”: “mierda” no espanhol e “merde” no francês.

E, ao assistir esta performance grotesca, me lembro do caricaturista e ilustrador inglês Georges Cruikshank, que desenha estas pequenas criaturas que nem sempre nasceram viáveis. Ejacula este mundo minúsculo que se revira, se agita e se mescla com uma petulância indizível, sem se inquietar muito se todos os seus membros estão bem em seu lugar natural e com muita frequência, se debatem como podem.

Para horror dos que me conhecem, me permiti aqui discorrer sobre o PALAVRÃO, que na verdade, significa expressão pomposa e empolada, ou, uma palavra GRANDE.

Sabem por que? Porque até ingressar na Faculdade de Arquitetura, só conhecia e falava o palavrão “merda”. Ou porque não ouvia outros em casa e nem no colégio. Ou porque talvez não sentisse necessidade de utilizá-los porque tinha mais o que “ler”.

Minha mãe me contou que aos três anos de idade, ela ficou intrigada ao me ver no quintal de casa tentando subir numa latinha .E, impreterivelmente, perdia o equilíbrio e dizia “meda”…E ela caía na gargalhada, porque sabia que quando algo dava errado, ela exclamava merda.

Ou seja, nunca subestime a atenção subliminar e a observação privilegiada de uma criança ao seguir o exemplo dos pais. Crianças são agentes secretos perigosos. Poderiam ser extremamente úteis se contratadas pela C.I.A ou pelo F.B.I. Vai que a moda pega…

Hoje, meu repertório aumentou bastante, até porque parece ser a tônica dos pronunciamentos do poder vigente e, aliás, “haja poder “. Portanto  não consigo evitar de ouvi-los e algumas vezes repeti-los .

Isto não faz de mim recatada e do lar, nem careta. Às vezes, as palavras suaves e os argumentos firmes podem atingir o alvo mais precisamente que o palavrão, quando este é proferido “sem lenço e sem documento”.

Tenho amigos e amigas que falam muitos palavrões e acho o maior barato, porque não consigo vê-los sem portar seu rol de “palavras grandes “muito bem empregadas e na hora certa, no lugar certo e para as pessoas “incertas”…

Cai muito bem em humoristas e comediantes como Paulo Gustavo e o Coletivo Porta dos Fundos.

Por outro lado, também acho o Pedro Cardoso o máximo quando diz que não fala palavrões e arrebenta na retórica para defender seus pontos de vista.

Não estou aqui para defender a tradicional família brasileira com a hipocrisia de que não falar palavrões é sinônimo de boa educação.

A dor e a repulsa me acometem quando os nossos compatriotas  estão sucumbindo -literalmente a céu aberto – numa tragédia pandêmica, esta sim, despudorada e de proporções sem precedentes na história do Brasil.

Os estrondos da servidão ao ódio, que resulta de um acasalamento de insetos que se agarram no abraço da agonia, esfacelam nossos tímpanos quando você interpreta seu monólogo de destruição.

E, assim, como os artistas, que você persegue tanto, desejam boa sorte a seus pares nas estreias de seus espetáculos, lhe desejo: MERDE!

Estamos aqui, na fila do “gargarejo” aguardando o gran- finale.

E, talvez, este grand-finale, não seja aquele em que A Educação, Os Direitos Humanos, a Saúde ,o Meio-Ambiente e a Economia se utilizem de bizarrices e confidências cifradas e decretos oficiais misturados num saco de lixo esquecido no último vagão do trem dos horrores.

Mas, seja, sim, quem sabe, uma esperança desesperada, que num átimo estertoroso de oblação, transforme água em vinho e o sangue em pão e grite:

LIBERDADE!ABRA AS ASAS SOBRE NÓS!

http://editoralimiar.blogspot.com/2020/07/palavrao-e-uma-palavra-grande.html

HERÓIS IMPUROS Shellah Avellar

Não há nobreza mais antiga do que a dos jardineiros, dos abridores de fossas

 e dos coveiros…

Quem é que constrói mais solidamente do que o pedreiro, o carpinteiro e o
construtor de navios? Quando te fizerem de novo essa pergunta, responde que é o coveiro, porque a casa que ele constrói dura até o dia do Juízo.

                                                                        HAMLET, ATO V, Cena I  William Shakespeare

Uma descoberta de nossa insignificância permeia o noticiário e a nossa mente por conta da pandemia do COVID19. Ou, para os menos sensíveis à dimensão em que o Corona Vírus reafirma sua realidade, no estado de  São Paulo, com mais de 3000  óbitos, e o Brasil como epicentro  com aproximadamente 149 mil  contaminados, como  apenas uma “gripezinha”.

 O estado de coisas do abandono, nos condena a um obscuro naufrágio de nosso personalismo ao nos defrontarmos com o verdadeiro sentido da vida.

Fecham-se as cidades e morrem-se aos montes por aí, mundo afora. A imprensa se limita a túmulos e as pessoas inventam epitáfios que se servem da arte para oferecer a si mesmas a própria tragédia de não poder se despedir condignamente de seus entes queridos.

Os cidadãos do planeta Terra se limitam às janelas de suas casas para poderem observar o mundo e a ele se apresentar numa comunhão mística com sabor de desespero.

O imaginário se relaciona com lendas fúnebres. A melancolia parece esgotar a fonte do fantástico.

Uma virtude humanística se ergue como fraternidade viril de tentar alimentar a fome da massa que sempre a conheceu de perto.

A vontade se promove convertida à declamação política confinada, que é ao mesmo tempo a razão da derrota e a infeliz submissão ao bestiário que assola o país.

Tudo o que se sabe deste tsunami pandêmico no Brasil, é que é brutal e dissimulado. Que anestesia o povo, enchendo as valas comuns e causando um colapso.

E,os invisíveis, são proclamados heróis. Os profissionais da Saúde, da Limpeza e os Coveiros estão sob os holofotes.

Mas, quero me ater aqui, precipuamente, aos coveiros.

Estes seres humanos ,que em várias sociedades do mundo  sofrem grande discriminação   social e são rotulados  como “impuros.

Na Índia, pertencem à casta dos “intocáveis” e no Japão conhecidos como os “burakumin”.E,aqui, no Brasil,seriam então denominados de “Os Severinos”.

Será esta então a Nova Revolução Social ,da qual não nos demos conta porque estamos ocupados demais tentando xingar o desgoverno e fazer memes e chistes “ de” e “sobre “ quem não merece um milímetro de nossa atenção?

Mas,como podemos pensar em revolução se estamos apenas olhando nosso umbigo e reclamando de nossas mazelas enquanto os soldados da linha de frente se arrebentam para tentar curar ou sepultar nossos mortos?

Admitir definitivamente que vivenciamos um luto político em que a Democracia agoniza em praça pública?

E,quem pode se equilibrar entre reflexão e ação?Quando o enigma das formas demoníacas da Babilônia e da Igreja têm a mesma face?

Quem resistirá à  invasão dos répteis  e a ode ao blefe?

Segundo Karl Marx ,a classe revolucionária ascendente está destinada a suplantar a classe dominante  anterior . E é frequentemente referida como “coveira” da classe anterior. Assim, o papel histórico da   burguesia seria   de “coveira do feudalismo.

Tendo depois criado uma vasta e explorada “classe trabalhadora” , destinada a organizar e a promover uma revolução, teria feito com que a burguesia inevitavelmente criasse sua própria” coveira”.

Isto me faz lembrar um fato interessante sobre meu pai marxista e Samuel.

Ao menos duas vezes por semana, um senhorzinho muito simples,extremamente magro,mas de estrutura pétrea e com músculos definidos.Faces macilentas e sulcadas de rugas profundas .E calos que se apresentavam num aperto de mão vigoroso.Batia lá na porta de casa às 5 horas  da tarde.

Era o Samuel.Quando meu pai não estava a gente se limitava a dar a ele um dinheirinho que meu pai já deixava reservado ao personagem desta história.Quando meu pai estava, convidava o velhinho para entrar, sentar-se à mesa conosco para um lanchinho,para horror de minha mãe e para aguçar  minha curiosidade sobre aquele homenzinho quase sempre com cheiro de suor forte e olhar triste e penetrante.

Um dia perguntei ao meu pai,porque ele o convidava e quem era aquele homem.Ele repondeu com a maior tranquilidade: -Samuel é uma espécie de herói.Ele atende a humanidade no fim da cadeia alimentar.Merece todo o nosso respeito.

Quando meu pai morreu,num “acidente de carro” em fevereiro de 1971,minha mãe ficou com depressão profunda e eu fui impedida de chorar em casa,porque ela começava a gritar.

Então,eu ia ao cemitério,visitar o túmulo de meu pai,para poder chorar“tranquilamente”.

Mas, quando lá chegava,era mais uma vez impedida  de chorar.Porque o “coveiro “ Samuel estava inconsolável e chorava copiosamente a morte de meu pai.E alguém tinha de lhe dar atenção.E,este alguém era eu.

Por conta dos óbitos tenho pensado muito no Samuel e em todos os outros Samuéis que talvez não tenham tido a sorte de encontrar alguém que lhes respeitassem e lhes desse o verdadeiro crédito de heróis.

Aqui vai a minha gratidão aos Samuéis e Severinos que se transformaram em Prometheus permitindo aos nossos ter  ao menos uma cova digna  para poder  perecer serenamente e receber  o nosso adeus, ainda que à distância.

E para Aqueles que exploram a fé dos cegos e desavisados, em atos que se traduzem em cifras e impropérios, ofereço a minha compaixão de que é preciso perdoá-los “porque não sabem o que fazem”.

E, que tomem conhecimento de que “ninguém engana todo o mundo, todo o tempo  e para sempre.”.

Os homens se massacram aos milhares, seja por “propaganda enganosa” ou por odiosa violência.

No momento o que nos aproxima é um inimigo comum invisível.

O que nos separa é a defesa de privilégios e “mais valia” em detrimento da Vida. Talvez seja preciso muito tempo , sangue suor e lágrimas, para que se sonhe com a  libertação.

Mas com a Vida e a Morte, não há negociação. Somos todos reféns de Samuéis e Severinos.

Mais dia, menos dia, teremos um editorial de adeus e seremos apenas um número em alguma lápide esquecida de algum cemitério.

Resta-nos deixar um rastro de poeira de fim de mundo que caracterize nossas escolhas em vida:

Mentiras e baixezas? Ou sonhos de liberdade e igualdade?

Finalizo com o Funeral de um Lavrador do velho Chico Buarque, bom companheiro de balbúrdias sem fim:

Esta cova em que estás por palmos medida

É a conta menor que tiraste em vida.

É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio


Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida

https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45132/

tema Musicado por Chico Buarque para MORTE E VIDA SEVERINA de João Cabral de Melo Neto

charge@laertecoutinho

FILÓSOFOS DA MARGINAL Shellah Avellar

Eram 10 horas da manhã de um sábado ensolarado.

E então, partimos, os quatro cavaleiros apocalípticos em sua jornada mítica em busca de nosso herói de cada dia.

Desafiando a carga da semana que trazíamos nas costas, desfilamos a pé pelas entranhas da Paulicéia. 

Pelas calçadas múltiplas adormeciam embolados sob cobertas improvisadas, panos e mantas rotas-os invisíveis- homens, mulheres e crianças que sonhavam a sono solto em pleno dia, num repasto de reis, posto que recolhiam da vida suas últimas gramas.

Como num trem-fantasma, silenciosos, prosseguíamos em nossa cavalgada a pé, como observadores privilegiados das misérias humanas, num retrato sem retoques. 

Tentamos o Terraço Itália, sem sucesso, num átimo de fugir do rés do chão e ampliar a perspectiva para tornar microscópica aquela dura realidade.   

Nos distraímos com a majestade das velhas construções revitalizadas e evocamos o espaço dos apartamentos e seus pés direitos quase imperiais, comparando às ínfimas caixas de fósforo em que hoje nos amontoamos, imposição da moderna engenharia urbana.

O ir e vir dos cidadãos se atropelando para consumir os preços módicos do comércio do centro, atrasou nossos passos. Enfim, o Teatro Municipal, o Viaduto do chá e tudo parecia simples e corriqueiro.

De repente, o coração sonhava, atraído pelos arranhados toscos de um violino ao longe.Um homem, sentado num caixote, com um chapéu no chão, onde descansavam algumas parcas moedas.

A imagem se precipita na paisagem corriqueira. Paramos. Seu nome? José Rosa, que paradoxo. Num cenário de vida tão nublado a nossos olhos desavisados- lá está ele: José Rosa,80 anos. Abre um sorriso que ilumina qualquer desesperança.

Desata numa prosa simpática, floreada de rompantes filosóficos a invejar qualquer simples mortal.

José Rosa se salienta. Desandou a falar de sua vida: “Enviuvei duas vezes”.

Hoje, mora, de favor, numa Kombi velha estacionada no estacionamento de um de seus dez filhos que botou no mundo para cirandar a vida.

Os olhos brilhantes de um ancião cuja sabedoria foi garimpada nos tempos de “carreto humano” hoje substituído pelos instrumentos musicais por conta do peso dos oitenta anos. Autodidata, aprendeu a tocar violão, acordeão e violino. Marqueteiro por excelência, astuto como ele só, percebeu na excentricidade do instrumento o violino o diferencial nas ruas, para chamar a atenção dos transeuntes, já viciados nos sons dos violeiros da cidade.

A alegria no seu semblante, intriga a todos nós. Ele reforça:” A música é divina- a alegria diária da ausência de revolta, da aceitação da própria condição, traz a paz. O sofrimento é objeto de nossa relação com o conhecimento. A resignação com a própria condição faz o coração se aquietar.”

Envergonhados nos despedimos e continuamos nossa jornada, com um gosto de saudade daqueles olhos feiticeiros do José Rosa, que nos embebedou com o suave licor da cana daquele moinho de energia.

Alcançamos a Praça da Sé e um pregador da Igreja Pentecostal, entre outros oito pregadores, nos fez estancar por ali.

Francisco Alves, de terno cinza e gravata azul marinho. Bíblia na mão, dedo em riste, caminha em círculos, vociferando os versículos e salmos com uma convicção inabalável.

O que parecia mais um daqueles cegos fanáticos, nos surpreende ao discorrer sobre Política, Mídia e os Illuminati.

Chegamos mais perto e Alves nos conta sua vida. Mora na Vila Nova Cachoeirinha e sai para pregar a palavra na Sé aos sábados. Novo, por volta dos 30 anos, trabalha como porteiro em alguns prédios e é separado da mulher e filhos.

Sua verborragia nos intriga. Há uma lucidez em seu discurso “hipnótico”….

É um daqueles oradores que catalisam  seu público. Faz da calçada seu púlpito e da bíblia sua batuta, qual maestro exímio, orquestra os passantes num banho harmonioso de fala e busca por coerência. Olhar vivo e penetrante, apesar da baixa estatura ele se destaca e discorre seguro sua argumentação.

Sob a égide dos parâmetros da Igreja Pentecostal, ele se derrama ao exibir seus conhecimentos de informática, YouTube e outras redes sociais, que embasam o testemunho sobre as verdades que acredita e prega.

Mas, particularmente, a mim, interessa seus eflúvios sobre os Illuminati, sociedade secreta da era do iluminismo, hoje referência de uma suposta Organização Conspiratória. O estabelecimento de uma nova ordem mundial, que controlaria os assuntos universais com o objetivo de unir o mundo em uma única regência que se baseia em um modelo político onde todos são iguais. 

Sou abalroada por pensamentos e sensações desencontradas e vislumbro o Alves, em veste de linho branco, descalço pelos pavimentos da Sé. E o som de sua voz, dá lugar às pítias e outros gregos do Oráculo de Delfos,que desfilam em minha visão onírica- Filósofos da Marginal – Rosa, através do seu violino. Alves através de sua “pretensa” crença.

Ambos portam “muletas” a justificar nossa jornada mítica do herói.

Não foi em vão. Rosa e Alves, nos salvaram da mesmice dos sábados paulistanos e nos transportaram para lugares inimagináveis.

Arrancaram à fórceps, qualquer preconceito ou estereótipo cristalizado em nossas células que explodiriam num tsunami de emoções desenfreadas.

A partir dali nada mais fazia sentido em nossa caminhada.

O nosso periscópio deu um freeze u na imagem “entusiasmada” de nossos sábios urbanos.

Entramos na Catedral da Sé, em busca de algum vestígio ou fagulhas daqueles olhares incandescentes.

Tateamos pelos jardins do Pátio do Colégio em busca de nossa salvação.

Batemos o sino várias vezes para nos lembrar da nossa inocência do passado em que a fé se acendia nas velas das procissões do santíssimo.

A fome bateu e nos valemos de São Jorge e tentamos nos anestesiar na cerveja original, daquela estranha filosofia que nos contaminou. E, seguimos, rumo à estação da Luz, ainda esperançosos de que lá encontraríamos algo que superasse o impacto daqueles encontros inusitados.

Descansamos um pouco no Parque, tentando nos maravilhar com as esculturas bizarras que se esparramaram pelos jardins.

E, desalentados e exaustos, voltamos para casa.

Não éramos mais os mesmos. As partituras de um violino perdido na multidão esvoaçavam em nossas mentes.

O farfalhar seco das folhas amareladas de uma bíblia gasta, estalava em nossos ouvidos como um bate-estacas.

Nascia um rio, em nossos corações, de uma hidrografia incomensurável, regada a sangue, suor e lágrimas, congelando as nossas veias e desencadeando em nós um céu de arco-íris em tons cinzentos, pelas lembranças dos filósofos da marginal e das armaduras que criaram para se proteger da morte e das profecias que anunciavam.

E, que, ao que tudo consta, estão “prestes” a se realizar.

O CONTO FILÓSOFOS DA MARGINAL ,NA CATEGORIA LENDA URBANA, FICOU DENTRE OS 10 SELECIONADOS DE 600 TRABALHOS DO BRASIL E DO EXTERIOR PELO DEPARTAMENTO DE LETRAS ,DO NÚCLEO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS –NEL DA FURB-FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU,SANTA CATARINA.

O TRABALHO CONTOU COM 42 AVALIADORES(38 deles Professores Universitários).

www.furb.br

ORGULHO LIGHT Shellah Avellar

Só queria me lembrar de alguma coisa bem macia…sabe…assim bem soft, tipo  quando você chega de um dia de trabalho super produtivo e se deixa jogar num sofá que é uma nuvem…cor de rosa, igual algodão doce, por que não?

Ou um banho de espuma com direito a fazer bolhas de sabão que inundam o banheiro, a casa toda, invade a vizinhança, toma a cidade e as estrelas.

Ou deitar na grama orvalhada, numa manhã, daquelas brilhantes de inverno, que não queima, mas dá o testemunho da grandeza da vida em sua plenitude.

É isto. Ah! Hum…mas, vem somada a uma espécie de Orgulho. Existe Orgulho do bem?

E, aí, Mano Criador? Segura esta!

Não é orgulho-gay. Não é orgulho-hetero.Não é orgulho- black.Não é orgulho- White.Não é orgulho-rich.Não é orgulho-poor.

E muito menos orgulho male ou orgulho female.

Por que será que tô misturando inglês com português?

Frescurinhas?? Não.

Acho que light é uma palavra realmente light.

Se é que isto pode expressar o sentimento, a sensação, o feeling de ter tido o privilégio de assistir às Aventuras de Abou, ou “Quando eu morrer vou contar tudo a Deus.”

Aquele Abou que num jogo de espelhos prismados pelo sol mais reluzente que a gente poderia se permitir imaginar, nos leva com ele e sua dog- bag pra viajar poraí afora.

Misturada numa platéia de crianças acompanhadas de seus pais e mães, eu assisti de camarote aqueles meninos ,ou melhor “os meus meninos” …ahhhh vai, deixa eu chamar eles  de “meus”.

Sá por que?

Porque vi estas crianças crescerem, não como a mãe natural ou adotiva, mas como uma espécie de “Mita da Quebrada “  de braços dados com a “Madona Negra” e Dioniso e abraçada às mães destes garotos. É eu sou metida mesmo. Eu vi um gueto de diamantes brutos.

Eu tive a bênção de ver extirpadas as durezas destas pedras preciosas prontas pra explodir em mil arco-íris.

Eu vi, minha gente! Cada gota de suor, ansiedades, muitas mágoas, corações acelerados, muita raça, muito cansaço. E, eu vi. Emergir de cada um deles um lótus de amor pela profissão. Sim, eu os vi ressurgir da lama da falta de oportunidades e da falta de reconhecimento

Mas, que profissão é esta, meus senhores?

Estar a serviço da arte, não é para fracotes.

É esculpir a ferro e fogo cada talento em suas múltiplas expressões, dia sim e outro também

Eu vi. Eu estava lá. Como observadora privilegiada da alquimia.

E, domingo, ali, calmamente imantada à massa de crianças, me vi naquela mala, brincando de ficar sem respirar junto com Abou.

Eu vi uma lágrima escorrer de emoção e orgulho dos olhos da Mãe África.

Eu vi o baobá nascer, engrossar suas raízes, que se enroscam nestes meninos de ouro, e os protegem .Estes meninos do Coletivo O Bonde, que merecem estar aqui e agora ,usufruindo desta calmaria e se deixarem levar pelas águas destes mares do planeta terra com direito a ir e vir pra onde quiserem estar.

É uma onda de rutilâncias que vem lavar a alma de todas e todos nós que nos permitimos ser abalroadas(os) por Abou e sua fértil imaginação,  através da sensibilidade e talento de Maria Shu que nos presenteou com a magia da fantasia que desmonta os horrores do preconceito e das guerras  e cava túneis  de luz  em tempos de desprezo.

#o AmorSIM

A imagem pode conter: 6 pessoas, incluindo Renata Éssis, Jhonny Salaberg, Ailton Barros e Filipe Ramos, pessoas sorrindo, pessoas em pé
A imagem pode conter: 7 pessoas, incluindo Filipe Ramos, Ícaro Rodrigues, Renata Éssis e Jhonny Salaberg, pessoas sorrindo, pessoas em pé e área interna
A imagem pode conter: uma ou mais pessoas
A imagem pode conter: 6 pessoas, incluindo Filipe Ramos, pessoas sorrindo, pessoas em pé e área interna
A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e noite



Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus

Drama, Livre.

 Sinopse: A partir de uma manchete real de 2015, a peça conta a história do menino Abou, refugiado negro de oito anos que é encontrado dentro de uma mala de viagem tentando entrar ilegalmente em Ceuta, cidade autônoma da Espanha que faz fronteira com o norte da África através da fronteira Tarajal. Na sua imaginação, a mala se transforma na cachorra que nunca teve, Ilê, que divide espaço com um rádio quebrado e as histórias de Nyame, o Deus do céu. A imaginação fértil do menino Abou e sua curiosidade dentro de uma mala de 41×66 torna menos penosa sua longa viagem rumo ao planeta Europa e as estratégias de sobrevivência num mundo hostil e totalmente desconhecido.

Local: SESC Belenzinho (Leste)

Elenco/Direção: Texto: Maria Shu. Direção: Ícaro Rodrigues. Elenco: Jhonny Salaberg, Filipe Ramos, Marina Esteves, Ailton Barros (Coletivo O Bonde).

Data: até 14 de Abril; Sábado e Domingo, às 12h.

Preço: R$ 20,00

Gratuito para menores de 12 anos.

TUDO O QUE SEU MESTRE MANDAR Shellah Avellar

Escondidos em meio à vegetação da floresta, observávamos a anta que bebia à beira da lagoa. Suas costas estavam feridas, fundos cortes onde o sangue ainda se via. O guia explicou: “A anta é um animal apetitoso, presa fácil das onças. E sem defesas. Contra a onça ela só dispõe de uma arma, estabelece uma trilha pela floresta, e dela não se afasta. Este caminho passa por baixo de um galho de árvore, rente às suas costas. Quando a onça ataca e crava dentes e garras no seu lombo, ela sai em desabalada corrida por sua trilha. Seu corpo passa por baixo do galho. Mas a onça recebe uma paulada. “E assim, a anta tem uma chance de fugir”

Acho que a educação frequentemente cria antas: pessoas que não se atrevem a sair das trilhas aprendidas, por meio da onça. De suas trilhas sabem tudo, os mínimos detalhes, especialistas. Mas o resto da floresta permanece desconhecido. Pela vida afora vão brincando de Boca De Forno.”  Rubem Alves

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Vivemos um momento inédito de mudanças e o conservadorismo e o retrocesso vêm como uma trombeta que anuncia um editorial do adeus às conquistas de direitos.

Vivemos mesmo estranhos tempos. Fala-se tanto em liberdade e nos amarramos cada vez mais em intrincados modelos tecnológicos que zombam da política de esquerda.

Não há como ter confiança alguma nos homens que a “força política” vigente se nos impõe.

Não há como acreditar nestes homens, quer nos falem de armas, quer de liberdades, uma vez que só conhecem a liberdade de receber proventos. E, com os quais não podemos fazer alianças, porque só nos deixam escolha entre a mentira e a baixeza.

Não há como esperar que se cumpra a Justiça, porque foi corrompido o sentimento da verdade, da equidade e da humanidade colocado acima das paixões humanas.

A Deusa Themis foi violada e sua venda é muito menos para espelhar a isenção e sim para “fazer vista grossa” ao bel prazer de alguns de seus emissários.

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Está liberada a dupla máscara do bufão e do lacaio, da delação e da traição. Carrega em seus ombros as dores cujas marcas são infligidas em seu nome.

Entretanto este ruído que ecoa de vários pontos do Planeta e esta angústia que vem engrossando uma horda de rancores e ódios, podem tornar-se o canto de uma terrível colheita.

Estamos no século XXI, no terceiro milênio, o que poderia ser absolutamente fantástico e é, se considerarmos alguns progressos em várias áreas do conhecimento e tantas vitórias nos campos tecnológico, virtual, eletrônico e nuclear.

Os cientistas estão absolutamente fascinados com as inúmeras possibilidades de proporcionar melhores condições de sobrevivência ao ser humano.

E o ser humano está cada vez mais interessado em consumir e se alienar dos “problemas nossos de cada dia”, nos entorpecentes de várias cores e sabores, cada vez mais sofisticados para nos deixar cada vez mais dependentes químicos dos prazeres das vitrines da vida.

E nós, brasileiros, nos deixamos ser ninados na zona de conforto das redes do “gigante adormecido”.

Poluímos nossos rios, lagos e mares e abusamos de nossos recursos hídricos como se fossem inacabáveis.

Devastamos florestas e depredamos plantações e dizimamos nossos indígenas como se fosse lógico.

Matamos nossos negros e negras todos os dias nas favelas, subúrbios e periferias.

Assediamos e violentamos nossas meninas e mulheres como se fosse natural.

Brigamos e exterminamos por conta da falta de respeito à diversidade de times de futebol, de ideologias de gênero, de discriminação de raça, de partidos políticos, de credos religiosos e de classes sociais, como se fosse óbvio.

Mas, como trazer para o aqui e agora essa nova realidade avassaladora?

Por que nos deixamos ligados no “automático” e que “seja o que Deus quiser”?

Se pararmos um momento para uma breve reflexão e olharmos para nossos desgostos viscerais e nossas escolhas radicais, veremos que não somos tão diferentes assim, no “entre si” de nós mesmos.”

Se observarmos o conjunto sistêmico de nossa família, poderemos concluir que ali naquele pequeno universo já se delineiam as diferenças e algumas irreconciliáveis.

Carregamos estes preconceitos e estereótipos para o nosso trabalho, nossas relações emocionais e nosso grupo social.

E, por conta destes recortes vai se estabelecendo a guerra ou a paz, segundo nossa capacidade de absorção da realidade, de nossa autoestima e de nossa habilidade em negociar, aceitar ou refutar os diferentes pontos de vista.

Se temos consciência disto, o fardo fica mais leve. Se não, podemos arrastar uma vida inteira de desavenças, amarguras e silêncios inquietantes que resultam em doenças e traumas.

E, ao não tomarmos posse da boa administração destas diferenças, alguém mais esperto e atento, fá-lo-á por nós.

E, assim, desde que o mundo é mundo, pelo que entendemos e estudamos ao longo das civilizações se estabelece o poder. E assim se estabelece quem manda e quem obedece.

Porque fomos educados para competir e não para compartilhar. A afirmação de sucesso é exibir cada conquista como se fosse única e ímpar.

Desde os primórdios do Egito cuja civilização manteve a hegemonia por quatrocentos anos no poder, uma vez que os casamentos aconteciam na própria família e esse sistema   inexpugnável se estendia às outras civilizações paralelas.

Mas, afinal qual o motivo de trazer aqui estes fatos que certamente já são familiares aos experts de história e ciência política?

Porque estamos vivenciando um momento sui generis na história da humanidade. Mas, como a Terra é redonda e gira no espaço ao redor do Sol, embora haja controvérsias absurdas ultimamente. As coisas voltam e, por vezes a vida imita a morte.

Desde o genocídio de judeus por Adolf Hitler, líder do Partido Nazista, Ditador do Reich e Führer da Alemanha de 1934 até 1945 e principal instigador da Segunda Guerra Mundial na Europa, não se percebia com tanta clareza, um movimento de possível horror com alguns elementos de similaridade.

Hitler era um ídolo fabricado por Paul Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda, que rapidamente conseguiu o controle absoluto da imprensa, arte e informação na Alemanha. Se utilizou do rádio e da produção de filmes para propagar a devoção por Hitler e o antissemitismo, bem como ataques ao bolchevismo e a tentativa de moldar a moral até instigar a segunda guerra mundial.

Ora, ora, todos nós sabemos que a publicidade e a propaganda elegeram Goebbels como gênio da manipulação das massas.

Mal sabia Marconi, que sua invenção para facilitar a comunicação entre embarcações se tornaria uma ferramenta poderosa para Goebbels e Mussolini em 1925.

Getúio Vargas também se utilizou do mesmo em 1930, institucionalizando a Hora Do Brasil. E Franklin Roosevelt em 1933.

Embora desde sempre se tenha trabalhado o poder da oratória e o carisma dos presidenciáveis e outros políticos, isto passou a não ser suficiente nos novos tempos.

E, como tem se desenhado o cenário das eleições desde 1952, quando o general Eisenhower contratou a agência BBDO para cuidar de sua imagem durante a campanha eleitoral.

Isto tudo aliado a pesquisas quantitativas e qualitativas de Institutos de pesquisa de opinião pública e estatística têm regido as campanhas que se digladiam a cada período eleitoral, bem como as guerras de marcas por pescar cada vez mais “consumidores” para seus produtos.

Mas, ainda assim, uma vez terminadas as eleições, se o exercício é democrático, todos os lados se arrefecem e dão uma trégua e cada um exerce o lugar de posição ou oposição com uma certa harmonia.

Entretanto, enfrentamos um diferencial nesta corrida eleitoral.

Estamos diante de um espetáculo de alianças muito bem articuladas para um Golpe de Mestre.

Há uma inteligência extremamente consciente e especializada no observatório por detrás do cenário.

Temos um “produto” totalmente destrambelhado mas muito bem “embalado”.

O Brasil sendo estudado há alguns anos. Nossa terra. Nossas riquezas. A docilidade e a hospitalidade do povo do samba, do suor, da cerveja, do futebol e das crenças religiosas.

Chamou a atenção da mídia internacional, um líder, intelectual orgânico, com grande poder de persuasão junto aos pobres e oprimidos. Com o apoio dos intelectuais, dos artistas, da Esquerda e da Igreja.

E agora, alguém que sabe o que faz e faz bem está no comando. Vamos fatiar os tipos que consomem o estranho líder.

Qual sua classe social, suas preferências, seus partidos, seus times, suas cores, seus ideais e suas mágoas.

Vamos desconstruir o líder e fabricar um outro, “fácil de ser manipulado”. Vamos dar a alguém de baixa autoestima um ilusório poder de comando. Enquanto isto nós nos articulamos com poderes internacionais nos quatro cantos do planeta.

Já identificamos as fragilidades da esquerda e principalmente suas potencialidades.

Copiamos e invertemos o jogo.

Compramos informações das várias fontes de várias “fábricas de perfis” tais como Facebook ,Instagram e Google.

Compramos o marketing digital dos whatsapp, hangout e twitter,já devidamente programados segundo os perfis de nosso eleitorado. Sabemos de suas preferências e aversões.

Vamos preparar um discurso para cada grupo fazendo emergir neles seus preconceitos escondidos. Através de um discurso vago. Pela empatia, vamos alimentá-los com o próprio engano e o propagando. Fazendo-os acreditar que existe remédio para a falta de sentido.

Vamos estimular o córtex pré-frontal ventromedial, situado no lobo frontal, que é “centro crítico” na representação de sistemas de crenças, fabricando informações falsas e obtendo adeptos com técnicas utilizadas nas Igrejas Neopentecostais e outras religiões fundamentalistas e no treinamento de kamikazes.

Vamos “quebrar as pernas dos artistas” que sempre se estabeleceram contra nós, cortando os patrocínios, editais e ministérios de Cultura, bem como os espaços de exibição do Sistema S(SESC, SENAI, SESI e SENAC)para que fiquem sem trabalho e sem voz.

E tudo em nome de uma nova ordem mundial e articulações com os Estados Unidos e a Rússia, promovendo guerras consentidas na América Latina colocando irmão contra irmão.

Vamos entregar de bandeja nossas riquezas e deixar “o circo pegar fogo”, estimulando os nossos adeptos a fazer por nós “o serviço sujo”.

Enquanto os “peixinhos caem na rede”, vamos endurecendo leis, anulando a educação, aviltando a saúde e encurtando privilégios até que sejam todos “infelizes para sempre”.

E, nós, diante do jovem insolente, com revólver no bolso evocamos a não-violência de Gandhi, para poder deixar falar o silêncio.

Mas a nossa indignação, a nossa criatividade e a nossa alegria vão encontrar alternativas para desmascarar o blefe.

Permanecerão vivas as artes e a literatura contra o deserto das páginas brancas.

Há de se erguer um domínio do espírito e da sensibilidade completamente em movimento, em novas relações e novos renascimentos.

Exorcizaremos os demônios da ignorância e da tragédia anunciada com a Arte, e com as guerrilhas da solidariedade e com ela desvendaremos o enigma da manipulação e nos inscreveremos na história traçando um novo arco do triunfo da verdade.

E, ao invés de fazermos tudo o que “Seu Mestre Mandar”, nos transformaremos em  nossos próprios mestres.

Mulher: A rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa Shellah Avellar

“Rose is a rose is a rose is a rose” Gertrude Stein

Preâmbulos femininos

Não somos livres para escolher o próprio assunto. Este se impõe. Se apodera de tudo.

A preparação psicológica pitoresca ou grotesca se dilui na intenção da narrativa.

Ideias se esvaem. Mergulho no escuro. Não enxergo senão a complexidade do tema: mulher e seu dia internacional em 8 de março.

Só isso já vai descompassar o ritmo da minha existência por alguns instantes. É preciso revirar cada palavra, num desatino de ator na troca de vestimentas e personagens em cena.

Será que diluindo o drama de se meter na obra “mulher”, redescobrindo a mim, compreenda cada nuança e não me julgue?

Pobre mulherzinha! Este montículo de segredos. Esta metáfora devorada pela eterna comparação entre seus pares e seus ímpares. Estes seios ofegantes. Coração aos pulos.

Cabelo de xale esvoaçante, que silenciosamente descobre sorrisos e desvenda lágrimas em trabalho de parto.

Melancolia da paixão. Lábios de romã. À espera de um longo e cálido olhar que a faça se sentir interessante.

Arte inventada na arena. E desconstruída por mágoas, traições e ansiedade.

Fada que transpõe o cotidiano para o maravilhoso. Poesia geométrica. Geometria desalinhada em rendas, sedas e veludos.

A mulher tem uma métrica mágica. Pormenores privilegiados. Cada uma tem sua poética. E é preciso encontrá-la. Feliz de quem a decifra. E finge não fazê-lo. Para preservar a obra-prima. A matriz da vida.

A triste realidade

As diversas formas de violência contra a mulher ainda estão presentes, assim como mecanismos de controle e de reprodução das desigualdades, constituindo-se em método para intimidar e subordinar a mulher, mantendo o desequilíbrio de poder nas relações e marcando a dominação masculina. Para conviver com essa realidade, ela “finge” não entender a “cantada” do chefe, ou do colega de trabalho, para garantir o emprego e ainda cala no peito o grito de suas mazelas, para não prejudicar ou assustar os filhos, quando maltratada pelo marido ou companheiro.

Até recentemente, no Brasil, antes de o novo Código Civil ter sido sancionado e publicado, o homem ainda era considerado o chefe da sociedade conjugal.

Esse pensamento estava respaldado pela ciência e medicina social, que atribuía à mulher certas qualidades, como fragilidade, recato, predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a vocação maternal.

Ao homem era atribuída a força física, natureza autoritária, empreendedora, racional, sexualidade sem freios. Tal conceito justificava que se esperassem das representantes do sexo feminino atitudes de submissão e um comportamento que não maculasse sua honra.

Dessa forma, existia uma forte repressão àquelas cujo comportamento fugisse às normas próprias da “natureza feminina”, ou seja, que não seguisse as regras estabelecidas e, na maior parte das vezes, a violência estava presente.

No princípio, era a parceria

“Na aurora da humanidade não podemos falar na existência de desigualdades entre o homem e a mulher. Naquele tempo, não existiam povos, nem Estados separados; os seres humanos viviam em pequenos grupos (hordas) e, depois, em famílias e tribos. Os seres humanos precisavam se manter agregados, solidários entre si, para sobreviver e se defender dos animais ferozes e das intempéries. Quem se marginalizava perecia. Logo, não havia uma superioridade cultural entre homens e mulheres”, pontua Zuleika Alambert, escritora e política brasileira, feminista histórica, no livro “História das mulheres no Brasil” (Editora Contexto, 2004). Ambos eram nômades e caçadores.

O primeiro passo na evolução da sociedade humana aconteceu a partir da formação das genes comunitárias, que se constituíam de grandes uniões de grupos humanos vinculados por parentesco, que se dividiram em clãs.

Nesse tipo de organização pré-histórica, explica Zuleika Alambert no livro citado, “a mulher trabalhava a terra, domesticava animais, cuidava das crianças, velhos e doentes, além de criar vasilhames, utilizar o fogo, preparar unguentos, poções, enquanto o homem ia à caça de alimentos”.

Embora fosse detentora de mais poder que os homens, vivia em regime de parceria com o sexo oposto. Nesse período, época em que a agricultura era a principal atividade da humanidade, acreditava-se que a mulher tinha poder mágico, o dom da vida, sua fecundidade fazia a fertilidade dos campos. Ela reinava, sim, como deusa. E hoje?

Os chefes da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da Organização Internacional do Direito para o Desenvolvimento (IDLO) — esta última não vinculada ao Sistema ONU — destacaram a ligação entre a violência baseada no gênero e o desenvolvimento, em particular como isso afeta a segurança alimentar dos países em desenvolvimento, onde as mulheres constituem mais de quarenta por cento da força de trabalho agrícola.

A luta

Nas últimas décadas, a mulher, por meio do movimento organizado, tem conseguido muitos avanços, provocando transformações em todo o mundo, alterando suas condições de vida, o imaginário social e o comportamento em sociedade. Buscando condições mais dignas, igualitárias e justas, desbrava territórios antes exclusivamente masculinos, conquistando definitivamente espaços no mercado de trabalho e de participação política.

Expõe sua opinião e enfrenta desafios; denuncia injustiças em nome da coletividade ou ainda supera seus próprios dramas de vida, a miséria, a fome, a doença, as perdas emocionais e pessoais.

Hoje, como ontem, há exemplos de mulheres que transformam seu cotidiano, que vão à luta em busca de melhores condições de vida para si e sua família, enfrentando a violência concreta das ruas, para chegar a seus locais de trabalho. Um desses exemplos vem de muito longe.

Presente dos gregos

Hipátia de Alexandria (nascida aproximadamente em 350 d.C.), neoplatonista grega e filósofa do Egito romano, foi a primeira mulher documentada como matemática. Chefe da Escola Platônica em Alexandria, também lecionou Filosofia e Astronomia.

Algumas pesquisas apontam que o homicídio de Hipátia, em 8 de março de 415, resultou do conflito de duas facções cristãs: uma mais moderada, comandada por Orestes, e outra mais ortodoxa, seguidora de Cirilo, responsável pelo ataque.

Criada em um ambiente de ideias e filosofia, tinha forte ligação com o pai, que lhe transmitiu, além de conhecimentos, a forte paixão pela busca de respostas para o desconhecido. Conta-se que Hipátia também seguia rigorosa disciplina física, para atingir o ideal helênico de ter a “mente sã em um corpo são”.

Reconhecida pela capacidade de solucionar problemas, era procurada por matemáticos confusos que precisavam de uma solução. E ela raramente os desapontava, obcecada que era pelo processo de demonstração lógica.

Jamais se casou. Questionada sobre isso, afirmava que já era casada com a “verdade”.

Nenhuma obra, reconhecida pelos estudiosos como de autoria de Hipátia, sobreviveu. Muitas delas foram atribuídas a seu pai, Téon de Alexandria.

Esta modalidade de incerteza autoral é típica dos filósofos do sexo feminino na Antiguidade.

Portanto, faz-se necessário remover a mulher da posição de obscuridade em que ela se tem mantido por séculos nos livros e compêndios tradicionais de história. Afinal, sem ela, a história, como tem sido escrita, fica incompleta e, inevitavelmente, incorreta.

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“Defende o direito de pensar. Porque pensar de maneira errônea 
é melhor do que não pensar.”
Hipátia de Alexandria

Breve histórico

A ideia da existência do Dia Internacional da Mulher surge na virada do século XX, no contexto da Segunda Revolução Industrial e da Primeira Guerra Mundial, quando ocorre a incorporação da mão de obra feminina em massa, sobretudo na indústria têxtil, em tecelagens. As condições de trabalho, insalubres e perigosas, eram motivo de frequentes protestos por parte dos trabalhadores. Muitas manifestações ocorreram nos anos seguintes, em várias partes do mundo, destacando-se Nova York, Berlim, Viena e São Petersburgo.

O primeiro Dia Nacional da Mulher foi celebrado em maio de 1908 nos Estados Unidos, como parte de uma manifestação por igualdade. No ano seguinte, a data instituída, pelo Partido Socialista norte-americano, foi 28 de fevereiro.

Em 1910, durante conferência internacional de mulheres socialistas, em Copenhague (Dinamarca), foi aprovada proposta da alemã Clara Zetkin de instituição de um dia internacional da mulher, embora nenhuma data tivesse sido especificada.

No ano seguinte, o Dia Internacional da Mulher foi celebrado a 19 de março, por mais de um milhão de pessoas, na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça.

Poucos dias depois, a 25 de março de 1911, sábado, um incêndio no edifício da indústria têxtil Triangle Shirtwaist, em Manhattan, Nova York, mataria 146 trabalhadores – a maioria costureiras e imigrantes. O número elevado de mortes se deveu às más condições de segurança da edificação. Este foi considerado o pior incêndio da história de Nova York, até 11 de setembro de 2001.

Aventuras na História · Inferno na torre: A tragédia das mulheres de Triangle Waist (uol.com.br)

Para Eva Blay, socióloga e professora brasileira, é provável que a morte das trabalhadoras da Triangle se tenha incorporado ao imaginário coletivo, de modo que esse episódio é, com frequência, erroneamente considerado como a origem do Dia Internacional da Mulher. Hoje, o local onde se deu o incêndio abriga instalações da Universidade de Nova York.

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O trágico incêndio na Triangle Shirtwaist deu início a mudanças na legislação trabalhista nos Estados Unidos, mas segue como exemplo contundente da desalmada natureza do capitalismo; movimento reivindicatório teve participação feminina importante, como na foto acima, de 1909.

O dia 8 de março, como Dia Internacional da Mulher, tem relação com o movimento de reivindicação e de revolução na Rússia, em 1917, segundo o livro “As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres”, de Ana Isabel Álvarez Gonzalez (Editora SOF/Expressão Popular, 2008). Naquele dia 8 de março (dia 23 de fevereiro, pelo calendário Juliano, adotado então na Rússia), 90 mil operárias se manifestaram contra o Czar.

Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) começou a celebrar oficialmente o Dia Internacional da Mulher a 8 de março, mas sugeriu, a partir de 1977, que cada país-membro escolhesse seu dia, segundo a cultura e a política local, para defender e reafirmar os direitos da mulher.

Ouça aqui “One Woman”, canção que lembra a luta feminina em todo o mundo:

Justiça seja feita

Quando se pretende realizar pequenos ou grandes feitos, é necessário começar por algum lugar.

O caso 12.051/OEA, de Maria da Penha Maia Fernandes, se transformou no caso-homenagem, gerador da Lei 11.340 no Brasil, a chamada Lei Maria da Penha. Ela foi vítima de violência doméstica durante seis anos de casamento. Por duas vezes,o marido tentou assassiná-la. Primeiro, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Após essa tentativa de homicídio, ela se armou de coragem e o denunciou. O marido de Maria da Penha só foi punido 19 anos depois e ficou apenas dois anos em regime fechado.

Baseado nisso, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê da América Latina e Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão internacional responsável pelo acolhimento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais.

Essa lei foi criada com o objetivo de impedir o assassinato e agressão e de proteger os direitos da mulher. A Lei Maria da Penha veio para ser cumprida. Portanto, mulheres, estejam atentas!

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Da esq. para a dir.: Maria da Penha; Ellen Gracie, à época ministra do Supremo Tribunal Federal; e o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cerimônia de sanção da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006

Redenção

É preciso se habituar a perceber algo nas mulheres que nos cercam, como nos livros a ser devorados.

Estudá-las. Compará-las. Cabe a nós tirar, destes divinos instrumentos, os sons que nos arrebatam ou nos apavoram. Compreender cada uma e não julgar nenhuma. A sua verdade está em tudo, nos mínimos detalhes. Ela nos diverte com suas agonias. E nos entristece com seus gozos. Muitas delas, neste momento, sofrem horrores atrozes, em muralhas de lares aparentemente felizes ou em aldeias miseráveis.

Num trabalho atroz, ou numa gaiola dourada. Quantas mentiras isto supõe? Quantas manobras não inspirassem temor ao próprio diabo?

Nos entusiasmam. Irritam. Ou ferem. Heroínas ou vilãs. Alquimistas de caçarolas. Alarido de máscaras e estilistas. Suspiros contidos. Farfalhar de saias e bater de asas.

Burguesas ou libertinas. Revolucionárias ou passivas. Borrasca ou calmaria. Chuva fria e sol escaldante. Ferida e bálsamo. Dia após dia. Primavera após inverno. Verão depois outono. Vai-se indo embora. Escorrendo pelos cremes. Ou se esvaindo em sangue. Lutando como feras para defender suas crias. Ou se enlanguescendo, num átimo de amor perdido no tempo.

De saltos altos. Sandálias rasteiras. Ou pés descalços. Sabor de mel ou de arsênico na boca e na alma. Malícia e inocência. Elas resistem. Mantêm pulsante a sociedade.

Apesar do bullying. Apesar da violência. Do marketing avassalador. Da politicamente incorreta e nefasta deturpação de seu sentido maior, que é celebrar o útero da Criação onde se molda o caráter de um novo homem. Mais dócil. Mais terno. Mais ser humano.

Neste seu dia, que são todos os dias e todas as horas de um calendário eterno em que se escreve e se perpetua a história da humanidade,a gente sussurra: obrigada.

Imagens:

1. Hipátia de Alexandrina: Desenho de Jules Maurice Gaspard

2. Incêndio na Triangle Shirtwaist: Jornal de época

3. Mulheres costureiras em greve: Coleção Everett

4. Sanção da Lei Maria da Penha: Ricardo Stuckert/Presidência da República

5.Ilustração de Capa: Leon Henrico Geraldi para o Single AproChega da Cantriz e ARTvista  AYIOSHA

O PLANO É NÃO TER PLANOS shellAHAvellar

Olhar límpido ,sonhador, fala mansa ,quase “soft”,mas absolutamente segura ,marchando em busca do invisível,Roberta Forattini Altino Machado -como ela faz questão de frizar -para mim ,apenas Roberta, uma ariana ,”em sua mais completa tradução”.

Roberta vai se esparramando no desmanchar da argila que formatou a estrutura da filha mais velha de Tradicional Família Mineira, que desde cedo trouxe pra si a responsabilidade de gerir sua própria identidade ,reinventando a si mesma e quebrando os paradigmas da aristocracia sedimentada em seu entorno.

Redescobrindo os heróis internos ,moldou uma família imaginária

em suas vísceras para temperar no caldeirão das entranhas uma receita que lhe permitisse sobreviver à pressão da sociedade hermética de seu tempo.

Cumpriu sua missão de mãe extremosa, esposa dedicada,misturando nas conversas ao pé dos fogões à lenha,os ingredientes que iriam esculpir a Roberta de hoje:Livre ,Total e Irrestrita!

A Roberta quixotesca, que hoje rompe as muralhas de seu pragmatismo interior, quebra as porcelanas das aparências auto-impostas, se despe dos botões sempre fechados,dos scarpins e dos tailleurs ,repetindo Isadora Duncan, cria uma nova dança em sua vida,com pés descalços e vestes diáfanas como a sua transparência.

Paga pra ver o preço da verdadeira liberdade:explorar seus talentos ,acreditar neles e deles extrair seu sustento.

Recomeça devagar,quase parando,imperceptivelmente,sem chamar muito atenção,com seu jeito mineiro de ser e estar,exercitando o ócio criativo de reescrever sua história.

História essa,na qual  entrevejo o Happy-End, e o privilégio de verter o saboroso licor da Arte em sua legítima manifestação.

O requinte da simplicidade garimpado no dia a dia de quem sabe pra onde vai,como vai e porque vai.

Cinco  anos depois,aguardando na fila da Livraria mais renomada da Metrópole,observo de longe ,na agilidade em elaborar os autógrafos,o mesmo brilho dos olhos de outrora, ofuscando as luzes fitícias da cidade,lá está ela:Roberta Forattini Altino Machado-replanejou a sim mesma, sem planejamento algum.

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ROSÁRIO DE MEMÓRIAS shellAHAvellar

A desolação do grupo de amigos era evidente. Diferente da animação da partida rumo à Cordilheira dos Andes,numa expedição que prometia ser o acontecimento extraordinário de  suas vidas.E deu-se o trágico –o helicóptero caiu,ferindo alguns e afetando a ânima da equipe.

Fazia muito frio.O vento gélido fazia todos se encurvarem ,vestidos nos capotes e se encostando uns nos outros para produzir calor humano.

A grama da montanha em que fizeram o pouso forçado estava toda coberta de uma fina camada de gelo.

Contrariando o sombrio desapontamento de todos,a manhã ensolarada exibia um céu profundamente azul.

Sem comunicação com a civilização.Desalentados.

O piloto ,bastante ferido,propôs que cada um falasse sobre suas lembranças afetivas ,para povoar suas mentes de positividade.

Alexandre ,lembrou de sua cadelinha Merengue,que aquecia seus pés ,nas noites frias ,dormindo no sofá,assistindo a um bom filme na TV.

Guilherme,relembrou  os saraus de Literatura em Campos do Jordão,sob as mantas de lã e do bouquet do vinho tinto da adega de seu avô.

Catarina evocou as chuvas de Seattle ,quando se abrigava na casa de amigos,curtindo o grunge.

Camilla suspirava lembrando do sítio em Lourenço da Serra, e das idas com sua família para o strogonoff de sua avó.

Lucas ,engoliu em seco,com saudades do chopp preto quente e as cantorias dos alemães das Tabernas de Frankfurt.

Lívia se lembrava do fogões à lenha fumegantes da fazenda de seus avós ,com seus  tios e primos  em Barueri.

Shellah ,cantarolava melancólica uma bossa-nova, recordando o  sol de Ipanema e as caipirinhas de Grumari no entardecer ,ao som de Chico e Tom.

Roberta,tentava sentir o cheiro dos pãezinhos de queijo crocantes,que animavam o café das suas  tardes mineiras.

E,assim,um a um,foram desfiando suas lembranças,compondo um cordão de contas luminosas ,que iluminaram os céus dos Andes  e seus rostos ruborizados pelo vento frio e seco.

E ,no brilho dos olhos marejados pela emoção,ressurgia a esperança ,no ruído das hélices do socorro que se aproximava.

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PARAÍSO ?!? shellAHAvellar

Rua Vergueiro – Paraíso , zona sul de São Paulo. Nome sugestivo. Embora o cenário desta típica rua paulistana numa sexta-feira ,às 17 :30 h  esteja muito longe disso. Afinal, este corre-corre , o” lufa-lufa” paulistano tem seus encantos. Mas, Paraíso? Não! Não hoje , nem aqui neste instante.

O apelo do marketing vai colorindo os out-doors e os muros ,poluindo visualmente a rua. A paisagem dos prédios ,sem um ritmo certo ,silhuetam mãos,pernas e cabeças que resultam numa enigmática obra de arte.

Uma pomba aterrissa quase em meu ombro e logo toma o céu de novo, e me faz olhá-lo demoradamente. Paro.Me viro na direção do sol branco e macio das tardes de outono.Respiro profundamente .Me deixo invadir pelos raios e me  sinto aquecida de novo.

Penso..Cada indivíduo é um universo em si.Quantas alegrias ,quantas tristezas…Quantas histórias passam por mim neste ir e vir de tempestades humanas. Gentes observam gentes. Ou não?A rotina nos deixa indiferente aos detalhes.A pressa desumaniza?Ou desencanta??   São Paulo não pode parar!

Um flash me chama a atenção :” Espelhos anti-bala!” …Reflexo da violência..Por um segundo acuso o contraste.O sol me cega. Me faz esquecer.. Mas,olho para os lados,seguro mais firme a bolsa e vou-me embora…”com meus terrores até que os ensine a cantar”…