ONDE É QUE A BANDA TOCA? Shellah Avellar

A Corporação Musical Operária da Lapa é uma comunidade musical amadora nascida no final do século XIX. Mistura-se à história de São Paulo, composta pela  classe operária: mecânicos, metalúrgicos, eletricistas, frentistas, bancários, militares e professores, que, ajudaram a tecer sua trajetória impregnada de simbolismos. Enriquecida com a imigração, principalmente italiana, e com a  construção das linhas e oficinas da São Paulo Railway Company.

É qualificada por seus músicos como sendo “a banda mais antiga de São Paulo”. O grupo possui sede própria tombada pela prefeitura de São Paulo, em terreno doado por Nicola Festa.

O que torna uma comunidade musical legítima, é sua capacidade em servir uma determinada localidade. Portanto, a Corporação Musical Operária da Lapa, se estabeleceu gradativamente em um espaço que oferece possibilidades de comunicação e sociabilidade entre seus integrantes e o público.

Segundo o jornalista William Finnegan, “o sentimento de pertencimento a um mundo distinto e integrado, herdeiro de uma tradição orgulhosa e independente, foi reforçado ainda mais pela continuação da longa tradição de bandas de música que desempenham uma função pública para a comunidade local”.

A primeira fase do grupo, um período dúbio, justamente pela carência de informações e a falta de registros, compreende sua fundação e se estende até a fixação do nome “Corporação Musical Operária da Lapa” em 1914.

Este período foi, para o grupo, uma fase marcada pelas intrincadas tentativas de se estabelecer como banda operária remunerada.

Seus primeiros nomes (Lyra da Lapa, Banda XV de Novembro e Banda dos Empregados da SPR), a grande influência italiana através de seus integrantes e singularmente o fato de estar entre as dezenas de bandas e grupos operários de São Paulo expressa que o conjunto foi um produto de seu tempo.

De acordo com a documentação recente da banda, depoimentos, algumas matérias de jornais, os livros de Hardman (2002, p. 371)17, Moraes (1995, p. 157)18 e Santos (1980, p. 81)19 e também de páginas da web, o aparecimento da CMOL é atribuído ao pianista e professor italiano Luigi Chiaffarelli (1856-1923).   *Dados extraídos da tese de Juliana Soares da Costa UNICAMP

No entanto, essa informação é indefinida.

Franco Cenni, casado com a neta de Luigi, relata que Chiaffarelli e  família vieram para o Brasil em 1880 a convite de um grupo de fazendeiros de Rio Claro, a fim de ministrar aulas de piano às filhas de fazendeiros do café. Contudo, Chiaffarelli permaneceu em Rio Claro por pouco tempo e regressou à capital em 1888.

Para esta questão, é necessário nos remetermos ao antropólogo Paul Connerton e sua noção de memória social:

Como as sociedades recordam?

Como é que a memória dos grupos é transmitida e conservada?

“As lembranças grupais se apoiam umas nas outras formando um sistema que subsiste enquanto puder sobreviver a memória grupal”, ressalta a psicóloga Ecléa Bosi.

Ao longo da observação participativa e do manuseio de documentos e reportagens, vimos a banda se reconhecendo como fundada em 1881. Como mencionado, é uma informação perpetuada pelo conjunto por toda sua existência, e ao redor disso criou-se uma narrativa – ou uma “mitologia” – tornando-se uma marca de orgulho para a banda, ter sido fundada por Luigi Chiaffarelli em 1881.

Neste caso, podemos sugerir que alguma performance de banda no bairro da Lapa, em 1881, formada por operários músicos com algum contato próximo a Chiaffarelli, mais tarde faria parte da Corporação, marcando assim a fundação do grupo.

Nossas experiências do presente dependem em grande medida do conhecimento que temos do passado e as nossas imagens desse passado servem normalmente para legitimar a ordem social presente. E, assim, são transmitidos e conservados.

Portanto, a memória social não necessita comprovação: ela é aquilo que as pessoas lembram e que continua a ter relevância no presente, perpetuando-se.

A memória é um espaço onde as esferas biológicas e socioculturais do ser humano se encontram e, ao serem integradas à vida em sociedade, adquirem significados.

A figura de Chiaffarelli e a data de 1881 indicam para os integrantes a importância da banda e trazem um capital simbólico para o grupo, além do sentimento de compromisso com a continuidade da banda.

Luigi Chiaffarelli

Talentoso Pianista, Maestro e Professor, admirado pelos seus alunos, criou em São Paulo uma escola de interpretação musical que persiste até hoje através de seus discípulos.

Passaram por suas mãos, Guiomar Novais, Antonieta Rudge, Maria Edul, Francisco Mignone e Guilhermina de Freitas, entre outros.

Sua filha, Elisa Hedwig Carolina Mankel Chiaffarelli (Liddy Chiaffarelli) casou-se com Paolo Agostino Cantu, com quem teve dois filhos, Elza e Bida.

Liddy, casada pela segunda vez com o Maestro Francisco Mignone, pertencia à sociedade paulistana e tinha sólida formação musical e revolucionou a prática de iniciação musical. Aliou-se a Mario de Andrade na semana de 22, e com seu marido, fazia apresentações em favelas no Rio, com recepção bastante entusiástica. Uma Escola Pública em Paty do Alferes, RJ, leva seu nome.

Seu bisneto, Roberto Cenni (filho de Elza Cantu Cenni e Francisco Cenni), desconhecia a existência da Banda Operária da Lapa. Mas, me enviou uma carta em homenagem ao bisavô, oriunda da Comunidade de Cercemaggiore, cidade natal de Luigi, datada de 06.08.2022, onde apontam o pai de Luigi, Olympio, como maestro de bandas e orquestras, em sua região, o que comprova seu DNA.

Ele declara sobre o bisavô: Luigi Chiaffarelli veio ao Brasil patrocinado por famílias ricas de Rio Claro e desenvolveu uma importante escola pianística bastante conhecida. Porém este outro lado de promover bandas de operários é bem pouco divulgado. Creio que proporcionar o encontro de “pessoas simples” com a música num país essencialmente capitalista é uma bela atitude e orgulho-me de Luigi ter tido esta iniciativa.

Franco Cenni, Elza Cantu Cenni(neta), Liddy Chiaffarelli (filha), Anna Maria ,Mario Cenni
e Roberto Cenni(bisnetos de Luigi Chiaffarelli) 1958

Acervo Folha SP registro de falecimento do Maestro Luigi Chiaffarelli há 100 ANOS

A formação atual da Banda Operária da Lapa

A Corporação Musical Operária da Lapa ainda se mantém ativa contando com diretoria, regente e estatuto próprios. Foi registrada formalmente como uma associação privada em 1972, e desde então é mantida graças ao caráter voluntário do trabalho de seus membros.
A banda era restrita apenas aos músicos homens, mas, no final dos anos 70, começaram a aceitar mulheres.

Ieda Viera de Figueiredo, trompetista.

É o único elemento feminino da Banda, neste momento.

Professora e agente de saúde. Já tocou na Banda de Osasco. Fez parte do coral da Cultura Inglesa. Já integrou a Banda Operária da Lapa, há alguns anos atrás. Mas, retornou há um ano. Apesar de ser a única musicista mulher da Banda, deixa claro que foi muito bem recebida. Segundo ela, são pessoas maravilhosas. E garante que se sente feliz com a mesma intensidade de quando tinha 20 anos.

Jose Maria Tamburu, sax tenor

Entrou na banda aos 18 anos, e a preside há 15 anos. Diz que todos os momentos têm sido memoráveis, mas, sente a ausência de seu pai, o trompetista João Tambor, que lá tocou por 30 anos. Se ressente da falta de apoio do poder público, para a manutenção das instalações, dos instrumentos, infraestrutura básica e apoio a novos projetos.

Maestro Nestor Avelino Pinheiro

Segundo o maestro a Juventude não tem interesse no estilo de música que as bandas tocam.

“Talvez se houvesse um projeto de Escolinha de Bandas, poderíamos tentar despertar o entusiasmo na molecada.”, sugere Nestor Avelino.

Trompetista, acabou virando maestro, a convite do pessoal da Banda. Nascido em Nazaré Paulista, seguia a banda e gravava as músicas durante as apresentações nas festas locais. Aos 50 anos de idade começou a aprender música.

Acabou entrando na Banda Operária da Lapa e está lá até hoje. Para ele, a banda por si só já é um acontecimento.

“É minha vida “, finaliza emocionado.

BANDA OPERÁRIA DA LAPA

No último dia 09 de julho-Dia da Luta Operária- a Banda não poderia estar ausente. Marcou presença no Sindicato dos Padeiros, sob a regência do orgulho da Luta dos Trabalhadores que constroem o Brasil desde sempre.

Shellah Avellar -Escritora, jornalista e Gestora de Processos Comunicacionais -Cria Desenvolve e Executa Projetos Especiais de Comunicação, Cultura e Responsabilidade Social. Uma eventualidade que permanece aberta. Sobrevivente e Aprendiz.

http://blog.sensorion.com.br             https://sensorion2.webnode.com

SÍNDROME DE UP Shellah Avellar

Para Eugênia e Vinicius

Não tive o privilégio de conviver com o Vinicius.Mas, aprendi ao longo de meu tempo no Planetinha, que conexões são atemporais.

Vez por outra, eu via algumas fotos suas com seus familiares e amigos no Facebook.

E, particularmente com sua “adorada” mãe Eugênia.

Depois, pessoalmente, o vi na Caminhada do Silêncio no Parque Ibirapuera, onde flagrei sua presença “atenta” na plateia.

A sua doçura me chamava atenção e sua beleza ímpar “indoor e outdoor’.

Assisti, por acaso, seu vídeo de aniversário, onde emocionado, falava de quão  sortudo era por ter chegado aos 25 anos.

Vinicius era portador de síndrome de Down.

Aos meus 17 anos, lecionei Artes Cênicas e Criatividade para crianças da APAE , em Barra do Piraí , Rio de Janeiro.

Professores e Monitores tentavam me desencorajar de montar uma peça com eles:” Não crie grandes expectativas.Eles se dispersam.Apenas faça seu trabalho”.

No primeiro mês ,apenas observava cada um deles. Suas peculiaridades e comportamento.

E, aí, fui tecendo um texto para a peça. ”Amo, logo, existo”

Infelizmente , não achei o texto para reproduzi-lo aqui. Mas, me lembro da minha satisfação radiante cada vez que um deles decorava suas falas. Até partir, finalmente, para a interação de uns com os outros.

Me inspirei nas formigas, que se organizam para carregar uma folha até o formigueiro. Num trabalho árduo, coeso e imperceptível a olhos desatentos.

Deixei que o receio e a vontade se digladiassem para “confundir os incrédulos.”

E, assim, 6 meses depois, eles se apresentaram no palco de um clube da cidade.

Conversamos antes.Nos abraçamos e os posicionei.

Eu mesma,fiquei ali no gargarejo, rente ao palco, lado a lado com o sonoplasta e o iluminador.

Atenta a cada detalhe. E,seus olhos , a cada fala, me procuravam pedindo por aprovação.

E, isto provocava em mim, lágrimas convulsas.

E, assim foi, até o final apoteótico.

Não erraram uma sílaba. Nenhuma acentuação.

Quando terminou, me arrastei até o palco. Recebi seu afeto e sua ternura.

Só eu chorei. Eles estavam conscientes de que fizeram o que haviam combinado e, “tudo bem”.

Quanto a mim, jamais fui a mesma. Não houve nenhum mérito em minha obstinação. ELES fizeram o Milagre. Promoveram sua batalha de independência. E me trouxeram uma paz incomensurável.

Depois disto não tive condições de dar continuidade, por dificuldade em conciliar faculdade e trabalho profissional.

25 anos depois, retornei à cidade. Um deles, me reconheceu na rua. Me chamou pelo meu nome, descreveu cada pormenor da peça e disse: ” Obrigado.” Como se o tempo não tivesse passado. O Hoje era o espaço-tempo de um lugar mágico na memória daquela criança-adulto- que me deixou registrada  em sua memória afetiva. Claro, me derramei novamente em lágrimas, e pedi para acompanhá-lo até sua casa, para abraçar seus pais e sem condições de emitir uma palavra sequer.

Estas crianças, e digo, crianças, porque mesmo adultos, carregam em si o frescor da infância. Alguns eram mais velhos do que  eu na época. E, eu não sabia. Me revolucionaram de uma forma absurda.

Fizeram emergir o melhor de mim. A cristalinidade mais pura deste amor singular.

Sei que não deve ser fácil vivenciar o dia a dia deles. Construir o caráter, educar e acompanhar seus passos.

Mas, creio que o Amor, quando exercitado em sua plenitude ,abençoa quem decide levar a cabo este projeto de entrega plena.

27 de março deste ano, o Vinicius Gonzaga Favero  se encantou. Se encantou depois de encantar a todos, mesmo os que não conviviam com ele.

Não frequentava  a família de Eugênia, e, apesar de militar na mesma margem política,  nos aproximamos por conta da Caminhada do Silêncio e do Livro 60 ANOS ANOS DE GOLPE-Gerações em Luta.

Quando a ciência mostra que há um engano, alguém, que tem um cromossomo a mais é definido esplendorosamente, como um ser humano muito, muito “especial”.

A literatura se vê destituída de privilégios, quando faltam palavras para descrever a dor de uma mãe que perde seu filho. E, especificamente, de encarar a realidade e sua substância de horror.

Assim me senti, ao dar um abraço na Eugênia. Uma homenagem rápida. Um silêncio cinzento. Caiu por terra qualquer cerimonial. Não me pertencia aquele momento. Era só dela e do Vinicius e dos que os amam.

E, ali era só o começo de retomar a estrada da vida, resgatando uma força selvagem em se reinventar, para resgatar a alegria e recolher novas sementes que certamente irão brotar desta esperança desesperada.

John Langdor Down, pediatra inglês, em 1886 identificou  a condição genética causada pela presença de 3  cromossomos 21,  que foi batizada de Síndrome de Down. Por conta do significado de Down, em inglês,  ser definido como “para baixo” ou triste”, distante realidade do temperamento destas crianças tão especiais, decreto a partir de agora a SÍNDROME DE UP, porque estas crianças-mel deixam frestas de sol por onde passam .

MULHER NA PALMA DA MÃO SHELLAH AVELLAR

TodosPeloCentro (prefeitura.sp.gov.br)

Programação de Maio – Centros Culturais | Secretaria Municipal de Cultura | Prefeitura da Cidade de São Paulo

Mulher na Palma da Mão
Literatura
24/05
60 minutos
Livre
A autora do livro Mulher na Palma da Mão, Avellar Shellah, cuja temática é focada na sensibilização de mulheres e homens através de crônicas, poemas concretos e histórico de conquistas destas através dos tempos, vai ao CCO falar sobre o tema.

INTERLAGOS NEWS – Edição 1449 – São Paulo, 11 a 17 de maio de 2024 by Grupo Sul News – Issuu

60 ANOS PÓS-GOLPE MILITAR

REFLEXÃO SOBRE OS CAMINHOS DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL

CURADORIA E MEDIAÇÃO:SHELLAH AVELLAR

Um olhar sobre o Brasil sob a perspectiva do Jornalismo e da Comunicação, desde o golpe Militar de 1964.

O advento da internet, as novas narrativas a partir de um algoritmo cultural, a representação de diversas classes de signos e linguagens e as linhas de causa e efeito para fatos aparentemente desconectados.

O papel dos dispositivos móveis para coberturas, as redes sociais, a geo-localização, a tensão entre mobilidade e localização, e a definição de territorialidade.

A explosão da diversidade comunicativa, os novos vínculos e a instantaneidade dos conteúdos.

Como ser fiel ao fato diante do imediatismo do real time.

O espectro interdisciplinar entre comunicação, educação e linguagem.

Os desafios do profissional de ontem e do contemporâneo.

Trazer à baila uma reflexão com as várias especialidades de jornalismo, profissionais de comunicação corporativos e acadêmicos.

Discutir sobretudo as fake News, a Inteligência Artificial e o avanço da extrema direita e seu poder de fogo nas mídias digitais.

Reflexão conjunta sobre a formação de novos profissionais e a adaptação dos mais experientes, dialogando com outras instâncias do saber e da prática a fim de promover uma crítica fértil e perspectivista, atenta aos novos referenciais.

Proposta de diálogo que resulte em ações concretas.

PALESTRANTES CONVIDADOS:
Eugenio Trivinho
Tema: Política de Estado, Monopólio do Consenso e Resistência Democrática no Brasil


Vilma Amaro
Tema: A Mulher-Jornalismo e Militância


Gilberto Nascimento
Tema: Política, Religião e Direitos Humanos


Sergio Gomes
Tema: Esperança versus Presságios


Guto Camargo

O Impacto das Plataformas Digitais na Comunicação


Shellah Avellar
A Falha da Comunicação


60 ANOS PÓS GOLPE MILITAR – Reflexão sobre os caminhos da comunicação no Brasil – Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (sjsp.org.br)

(1) 60 ANOS PÓS GOLPE MILITAR – Reflexão sobre os caminhos da comunicação no Brasil – YouTube

https://contextosocial.com.br/a-importancia-da-comunicacao-no-desenvolvimento

60 ANOS DO GOLPE -GERAÇÕES EM LUTA

Projeto e Coordenação Francisco (Xico) Calmon

Organização:

Denise Carvalho Tatim -Gisele Silva Araújo – Roberto Junquilho- Sandra Mayrinck Veiga

Livro coletivo de 60 autores sobre o golpe de 64 lançado em 1º de abril

Foi lançado em várias cidades do país, no dia 1º de abril, o livro “60 anos do golpe: gerações em luta”, resultado de um ousado projeto concebido e coordenado pelo advogado e militante político Francisco Celso Calmon, que conseguiu reunir em tempo recorde artigos de 60 autores. Esses textos tanto tecem memórias quanto apresentam análises históricas e reflexões sobre a atual conjuntura política, numa tentativa de também apontar caminhos para a consolidação da democracia brasileira.

A data de 1º de abril marca os 60 anos do golpe militar que instaurou a feroz ditadura de 1964-1985 e deixou como saldo dos 21 anos de violência alguns milhares de mortos e desaparecidos, entre outros perversos e duradouros efeitos sobre a sociedade brasileira. Se são 434 os militantes mortos e desaparecidos oficialmente nomeados nos relatórios da Comissão Nacional da Verdade de 2014, a eles devem se somar pelo menos 8.350 indígenas e 1.654 camponeses assassinados, de acordo com levantamentos das comissões próprias e posteriores estudos acadêmicos.

Os autores dos artigos reunidos no livro de 334 páginas são tanto sobreviventes da ditadura quanto militantes mais jovens de diferentes causas e movimentos em defesa dos direitos humanos. Entre eles encontram-se mulheres e homens, negros, brancos e indígenas, que são professores, pesquisadores acadêmicos, jornalistas, juristas, sindicalistas, sociólogos, economistas, psicólogos, intelectuais, poetas e escritores. Há no grupo ex-coordenadores da Comissão Nacional da Verdade, integrantes do Movimento Geração 68, representantes dos movimentos sociais da periferia, enfim, cidadãos e cidadãs que militam hoje ainda em defesa da democracia.

Trabalharam na organização desse imenso material, para concretizar o livro, Denise Carvalho Tatim, Gisele Silva Araújo, Roberto Junquilho e Sandra Mayrink Veiga. O ponto de partida da obra, que tem o apoio da Rede Brasil, Memória, Verdade e Justiça, do Canal Pororoca e do Movimento Geração 68, foi a proposta para que os candidatos a autores refletissem sobre a pergunta, “Onde estávamos em 1964 e onde estamos em 2024?”

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão escreveu, na contracapa: “Tenho muito orgulho de apresentar essa lista de consagrados autores em suas expertises, garantia de um livro de conteúdo de excelência literária e política. Os artigos que compõem esta obra se unem a um eixo essencial, a permanente luta pela democracia de todas e todos. “60 anos do golpe: gerações em luta” é uma obra para figurar entre os grandes compêndios da história”.

Os lançamentos simultâneos em 1º de abril ocorreram em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Goiânia, Aracaju, Curitiba, foram exitosos, bem como nos municípios de Resende, Barra do Piraí e Volta Redonda, no Estado do Rio, e Joaçaba em Santa Catarina.

Brevemente em Passo Fundo, RS, dia 16, no sindicato dos bancários, também na sede recreativa dos bancários, dia 12, mais um lançamento em Vitória.

Novas ações em torno do livro estão acontecendo em sindicatos, centros culturais, entidades estudantis, entre outros locais propícios ao debate político visando a defesa da democracia. 

Contatos: Francisco Celso Calmon – telefone (27) 988191437 Roberto Junquilho – telefone (27) 988399523 Mariluce Moura – telefone (11) 996381974

LANÇAMENTO EM SÃO PAULO -TEATRO RUTH ESCOBAR SP

5 DOS 13 AUTORES DE SÃO PAULO

AMAURY MONTEIRO – VERA LUCIA VIEIRA- MARILUCE MOURA- SHELLAH AVELLAR- KAUÊ KAUÊ VINICIUS ARAUJO SILVA

60 ANOS PÓS GOLPE MILITAR

REFLEXÃO SOBRE O BRASIL

DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

CURADORIA E MEDIAÇÃO Shellah Avellar

Em repúdio à afronta das recentes declarações  da presidência para com os militantes que engrossam fileiras de resistência, nas ruas, nas redes sociais, congressos, seminários e plenárias, para que se perpetue a reedição do jogo democrático, principalmente “valorizados” em tempos de eleições.

Uma homenagem aos que já partiram e aos que estão partindo, sem sequer ter tido a possibilidade de Justiça e Reparação, por sua luta, em vida.

Aos que restaram, e suas sementes, ainda que claudicantes, diante da promessa que ainda não foi cumprida da reativação da Comissão Especial de mortos e desaparecidos políticos, em nome de um pragmatismo político, que flerta com a procrastinação que se arrasta há quase 60 anos, desrespeitando os militantes, idealistas e jovens universitários, que se imolaram por um Brasil mais justo, deixando um rastro de sangue e dores que respingou em suas famílias, ascendentes e descendentes, com sequelas profundas, algumas irreparáveis.

Em virtude da urgência em se discutir e propor ações concretas diante dos 60 anos de golpe militar, e com a perspectiva de não reativação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, estou fazendo a Curadoria do Encontro 60 ANOS PÓS-GOLPE MILITAR- REFLEXÃO SOBRE O BRASIL, DEMOCRACIA  E DIREITOS HUMANOS, DIA 1 DE ABRIL às 15H no MEMORIAL DA RESISTÊNCIA DE SÃO PAULO-Largo General Osório,66.

O objetivo do Encontro é fazer uma reflexão sobre os caminhos do Brasil e o que conquistamos e o que deixamos de conquistar nestes 60 anos. Trazer à baila a urgência da  Reativação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. E também  repensar a Justiça de Transição e A Reparação Psíquica dos Afetados Pela Ditadura militar de 1964. E, estender esta reflexão ao descuido da população periférica e os abusos que continuam acontecendo.

Convidados:

ERICO LIMA OLIVEIRA

Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e University College London. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Oxford. Mestre em Justiça Transnacional pela United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute. Editor-Chefe da Revista da Defensoria Pública da União. Defensor Regional dos Direitos Humanos

ADRIANO DIOGO

Geólogo formado pela USP. Filiado ao PT desde sua fundação, foi eleito por esse partido Vereador da cidade de São Paulo (1989-2003) e Deputado Estadual (de 2003 a 2015). Foi Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente em São Paulo (2003-2004). Presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” (2012-2015). Coordenou o Setorial de Direitos Humanos do Partido dos Trabalhadores de 2017 a 2021.

FLAVIO DE LEÃO BASTOS

Pós-doutorado em Direitos Humanos. Professor de Direito no Mackenzie. Advogado atuante na defesa dos Direitos Humanos. Presidente da Frente Ampla Democrática Pelos Direitos Humanos (FADDH). Foi membro da Comissão da Verdade de Osasco (2003-2004). Conselheiro do Núcleo Memória de SP. Advogado atuante na Ação Civil Pública do antigo DOI-CODI. Membro do Conselho Gestor do Memorial da Luta Pela Justiça. Membro do GT DOI-CODI. Coordenador do Núcleo da Memória da Comissão de D. Humanos da OAB/SP. Professor visitante na Univ. Tecnológica de Nuremberg (Alemanha). Especialista em genocídios pelo Instituto Zoryan e Universidade de Toronto. Autor da obra “Genocídio Indígena no Brasil: desenvolvimentismo entre 1964 e 1985”, sob orientação do Prof. Silvio Almeida.

DIMITRI SALES

Advogado. Mestre e Doutor em Direito (PUC/SP).Professor Titular da Universidade Paulista. Assessor parlamentar da Assembleia Legista do Estado de São Paulo. Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo.  Ex-Coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo.

JOSAFÁ REHEM

Direção Executiva da APEOESP-SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO -Vice-Secretário de Assuntos Relativos à Saúde do Trabalhador em Educação .Professor das redes públicas desde 1989 , tem atuação junto ao movimento social e sindical. Atua também como Supervisor de Educação da PMSP.

ODAIR FURTADO

Professor Associado da PUC-SP. Membro do Instituto Silvia Lane de Compromisso Social ,Coordenador do NUTAS – Núcleo de Pesquisa e Estudos em Trabalho, Atividade e Subjetividade do PPG em Psicologia Social da FACHS/PUC-SP

CURADORIA E MEDIAÇÃO

SHELLAH AVELLAR

Jornalista, Escritora, Arquiteta,  Graduada em Ciências Exatas e Pós- Graduada em Gestão de Processos Comunicacionais –SP. Premiada nacional e internacionalmente, pelos Projetos QUEBRE O SILÊNCIO-OMS -Revista ABOUT. PHILIPS EXPRESSION-Rejuvenescimento de Marca[MarketingBest ,Festival Brasileiro de Promoção e Embalagem, Colunista ,Meio & Mensagem]TREE OF LIFE-IPA INTERNATIONAL ASSOCIATON FOR CHILDREN RIGHTS TO PLAY ONU ECOSOSC. Foi Relações Públicas- Abril Cultural-Projeto Alfa. Supervisora de Radio &TV da House-Organ Grupo Pão De Açúcar.Ex Diretora RTV CULTURA e GAZETA MERCANTIL e Conceito Comunicação. Preside atualmente a SENSORION Special Projects. Integra o Coletivo Filhos & Netos de Ex- Presos Políticos, Mortos e Desaparecidos, a Coalizão Nacional por Memória, Justiça, Verdade e Reparação e Instituto Alípio Freire.

60 anos do golpe militar: Confira a programação no Memorial da Resistência – Memorial da Resistência (memorialdaresistenciasp.org.br)

VOLVER A LOS 64 Shellah Avellar

Volver a los diecisiete después de vivir un siglo

Es como descifrar signos sin ser sabio competente

Volver a ser de repente tan frágil como un segundo

Volver a sentir profundo como un niño frente a Dios

Eso es lo que siento yo en este instante fecundo

Violeta Parra, “Volver a los 17”

@photo Evandro Teixeira- Rio, 31 março de 1964

2014

Subindo o tom doloroso até o sublime, minha fala tem um quê de garota, quando se trata do golpe militar de 1964, que está completando agora 50 anos.

Brusca epifania que me aperta a garganta.

Na época eu tinha nove anos de idade. Não sabia do que se tratava. Somente que, de repente, minha casa virou um pandemônio. Ora militares do Exército, ora da Polícia Militar chegavam sem avisar e sem pedir licença e jogavam tudo pelos ares e nos reviravam pelo avesso.

Numa destas vezes, eu brincava no quintal, sol a pino, e uma sombra por detrás me fez voltar a cabeça. E me deparei com uma metralhadora bem diante do meu nariz. Enquanto isso, outros invadiam minha casa.

A imagem de minha mãe desfalecendo na porta de entrada.

Meu avô trancando as portas e janelas de sua casa, que ficava no mesmo quintal.

Os livros tão amados por meu pai e por mim sendo jogados numa fogueira, sob meus protestos e prantos.

Durante alguns muitos anos, eu ainda desmaiava quando via um carro de polícia ou caminhão verde de manobras do Exército.

Não se falava no assunto. Bullying na escola, quando colegas me importunavam pedindo informações: “Por onde anda o seu pai???”. Naturalmente orientadas pelos pais deles para que eu revelasse o paradeiro do meu e pudessem eles mesmos denunciá-lo à repressão, ou por simples mórbida curiosidade.

Naturalmente não sabia o que era ser esquerda no país.

As incoerências me avassalam hoje, tanto quanto antigamente. Via meu pai ser recriminado e eu também, por tabela, por ser a filha do comunista.

Recebi certa vez uma carta dele, por intermédio de um cadete, em que me explicava que estava preso por pensar diferente dos homens do poder e não porque havia cometido algum crime, do tipo roubar ou matar.

Na verdade, ainda nem sabia que ele estava preso, tamanha era a confusão em que nossas vidas haviam se transformado.

Silêncios. Cochichos. Mistérios. Medo.

E solidão. Muita solidão.

A ARTE IMITA A VIDA?

Em 1997, assisti ao filme O que é isso, companheiro? Dirigido por Bruno Barreto. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira. E dei muita risada. Coisa curiosa ver atores e atrizes, cuja característica principal era o humor (por causa das atuações em divertidas séries televisivas), em papéis de drama extremo. Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, Pedro Cardoso e Cláudia Abreu, atores que respeito muito e admiro, fazendo os revolucionários e sequestradores. Não me comovia. Não me atravessava, naquele momento.

O Que É Isso Companheiro? | Filme Completo (youtube.com)

Entretanto, num dia qualquer de 2003, aqui em São Paulo, fui assistir Kamchatka, sem ler sinopse, tampouco resenhas. Pelo título, achei que deveria ser algum filme com cenário oriental. Totalmente desavisada e com minha filha, que deveria ter uns nove aninhos, me sentei, com pipocas em punho. À medida que o filme foi acontecendo, pela visão de um menino de nove anos, cujos pais eram militantes na ditadura da Argentina (1976-1983), fui me vendo, não na história em si, fui me identificando com o olhar de quem vivenciou aqui no Brasil aquela solidão. A falta de informação e o medo. As cenas se sucediam e uma, em especial, em que o menino corria atrás do carro dos pais, me remeteu a um dia, quando chegava da escola e vi um jipe do Exército levando mais uma vez o meu pai. E eu correndo gritando atrás do jipe na esperança de tentar deter mais uma vez o sumiço dele. O desespero do menino e aquela sensação de perda e de abandono me aterraram e despenquei num choro convulso e catártico dentro do Cine Lumière, no Itaim Bibi. Luzes se acenderam. Havia umas quinze pessoas. Fui até o toalete e lá continuei num pranto convulso que jorrava desapontamento, cicatrizes indeléveis de um tempo ladrão de alegria e sequestrador de ilusões. Era o disparador de tantas mágoas contidas. De tanto desconhecimento. De tanta dor. Ainda assim voltei para ver o filme e continuei soluçando durante a projeção.

Minha filha, em sua ingenuidade, sacou: “Você tá assim porque se lembrou do vovô?”. Isso, sem nem sequer tê-lo conhecido, porque ele morrera num “acidente” de carro em 1971. E ela nasceu em 1993.

Kamchatka, Película Argentina con Ricardo Darín (youtube.com)

O NÃO PERTENCIMENTO

Mas, e daí? Cresci achando que meu pai morreu num acidente trágico. Hoje, cinquenta anos após sua morte, alguns insistem na hipótese de não ter sido acidente. E me vejo às voltas com a Comissão da Verdade, procurando “agulha no palheiro”.

Mais um baque num corpo emocional que acredita ter superado essa questão, que, entretanto, volta sempre a incomodar. Reverencio a revolucionária que em mim habita, defendo-a e encaro a disciplina que ela exige para se realizar. Volto à juventude que clamava por um mundo ainda possível naquele realismo utópico, de “resistência”.

Vejo tantas e tantas reportagens, artigos, pontos de vista sobre estes 50 anos do golpe. Entretanto, tem gente da minha geração que passou por ela e não sabe que ela existiu.

Mais uma vez, este sentido de “não pertencimento” me acomete. Não se ouviam os gritos. Não se presenciavam os horrores. Tudo era minuciosamente camuflado dos sentidos dos homens comuns. Só rufavam os tambores para os “de esquerda”. Para os que se achavam inteirados de tudo e lutavam pela Liberdade. Liberdade, esta, questionável aos olhos da elite conservadora e do sectarismo da Igreja. Não me reconhecia e não me reconheço ainda nestes moldes de hipocrisia.

Hipocrisia, esta chaga que sangra e se arraiga cada vez mais nos modelos do establishment.

BASTA!

Sei lá se escrevo bem. Sei lá se estou sendo fiel aos mártires deste holocausto brasileiro, pelo valor universal que eles merecem por uma luta à altura de sua história.

Fiz protestos. Shows em universidades. Peças de teatro e festivais de música. Muito antes de ser uma universitária. Queria que ouvissem o grito da minha dor. Era uma graça que me concedia para me suprir da minha própria perda.

Continuo hoje tentando ser solidária a meus sentimentos e a minha verdade grita: “Chega!”.

Basta de se esconder debaixo da capa burguesa que corrompe tudo que toca. Destas amostras de barro que nos formatam, endurecem e paralisam em nome de uma vida melhor. Das etiquetas e do status que determinam nosso padrão de vida, como “bem ou malsucedido” pelas posses, pelos cargos, pelos títulos e pelas aparências.

Não me detenho mais em nome de nenhuma doutrina, partido, associação, seita ou facção. Sigo em meu próprio nome. Na verdade, vou (me) esculpindo, dia após dia, ao encarar e transmutar minhas crenças provisórias.

Me interessa “tentar”, ao menos, ser coerente com o que penso e digo. Para não dar distorção e me transformar num ser humano amorfo, cuja legenda está fora de sincronismo. Dou lugar àquela criança impetuosa.

Não sou de direita. E me recuso a ser muro. Pendo, sim, para a esquerda. Porque é na esquerda que reconheço, através dos séculos de história de exploração do homem pelo homem, que vem gritar contra as injustiças sociais, contra os preconceitos, contra as discriminações de qualquer tipo, gênero, raça, fé e poder econômico.

Não me filiei a nenhum partido nem a nenhuma facção política, a fim de continuar livre para ir e vir. As associações e instituições refletem os preconceitos e estereótipos de seus dirigentes. E cada uma, a seu modo, tenta nos incutir seu modus vivendi, estendendo seus tentáculos para nos transformar em seres robóticos, acomodados numa forminha de gelo, a seu bel-prazer.

À LA GAUCHE

Volvendo à esquerda, quando ela cumpre seu papel revolucionário de ir contra a corrente, do abuso de poder e das ideias. Sejam elas quais forem. Principalmente se ela está a favor dos fracos e oprimidos, dando a eles condição de sair de sua triste condição e ensinando-os a lutar pelos seus direitos, qualificá-los pessoal, profissional e socialmente, mas sem desconhecer seus deveres. Assim como há pobres soberbos, há ricos humildes. O homem imprime seu valor com ações e frutos. O subversivo é quem subverte o que oprime. Jesus era subversivo aos olhos do governo de Roma. Não havia outra solução a não ser eliminá-lo, por um motivo qualquer, como continuam fazendo com quem incomoda o poder vigente. Há casos em nossa própria história, como Tiradentes e mesmo o contraditório Calabar, que decidiu trocar de lado, a favor talvez de um proto-povo brasileiro. E tantos outros por aí afora.

Protesto contra a ditadura, 1968, Rio de Janeiro

DESANIVERSÁRIO

Nos 50 anos de (des)aniversário do golpe de 64, só me lembro de que perdi meu pai tantas e tantas vezes. Ora pelo desconhecimento de onde ele estava. Ora pela própria militância. Ora pela Polícia Militar. Ora pelo Exército. E, finalmente, pela própria morte, em 1971.

E me desculpem os que se consideram “de direita”. Os que se consideram os certos e bem direcionados na vida. Os formadores de opinião. E mesmo alguns acadêmicos e intelectualizados da elite da esquerda. Muitos destes nem sequer sabem o que é militância.

Só me lembro do seu olhar, na hora de irmos embora, quando íamos visitá-lo, quando finalmente soubemos onde ele estava.

E do dia em que finalmente voltou para casa e seus amigos lhe perguntaram qual o sabor da Liberdade. Ele respondeu que ainda era cedo para descrever. Com seus braços amarelos de nicotina até o cotovelo, olheiras fundas, manchas roxas e afundamentos por todo o corpo esquelético. E uma tristeza milenar, que identifico nos olhos de Che Guevara, de Mandela, de Gandhi. Tais como os olhos de Jesus em suas tantas representações pictóricas. Imagens que vêm, vez por outra, atormentar meus eternos questionamentos.

Idealismo? Endeusamento? Sei lá…

Meu pai era um pobre militante anônimo para as estrelas da luta armada em todo o país. Como centenas de outros hoje desaparecidos, sem paradeiro, sem história. Apenas um fantasma que nos assombra. Em nome de um passado sem glórias.

Mas, para mim, era, e é, um herói que me ensinou, pelo exemplo, que todos os homens são iguais, e também a não se curvar diante da ilusão de poder, seja ele qual for.

Imperfeito. Assumia suas incoerências. E ouvia com atenção minhas admoestações de menina e moça. Me dando ares de importância. Apoiava minha forma de realizar e me deixava livre para errar e acertar por minha própria conta. Parece que sabia que iria logo embora e procurou passar, desde cedo, livros e ensinamentos, em que me calco até hoje.

Simples. Direto. Uma oralidade ímpar. Carismático e amado por todos, ou quase. Naturalmente não pelos que se consideravam os baluartes da história dos supostos não pensantes. Ele, para estes, era a ovelha negra, a ser extirpada da sociedade. Mas o seu amor incondicional pelo ser humano me encantava e me comove até hoje. Guardo de 64, e dos anos de ditadura, marcas que dificilmente o tempo apagará. Assim como alfinetes esquecidos por algum alfaiate distraído. Mas não faço a apologia da necrofagia. Entretanto, apesar das infâmias praticadas em nome da lei e da ordem, nenhuma especulação escapará da trágica realidade da história.

Mas o amor que aprendi com este amigo, irmão, companheiro e só por acaso meu pai me acompanha, e me faz não desistir cada vez que encontro muralhas de incompreensão. E, resistindo à hipocrisia, me rendo à Liberdade.

Oh! Liberdade! Liberdade! Que ela abra suas asas sobre nós.

E volvo a los nueve, doce, diecisiete, dieciocho, tantas vezes quantas forem necessárias, para louvar o presente de ter tido Almair Mendes Avellar como meu pai, meu país, nesta “encadernação”.

Nota da autora

Escrevi esta matéria em 2014. No (Des)aniversário de 50 anos do Golpe Militar de 1964. Este texto, despertou a atenção de vários jornalistas, e também da Comissão da Verdade. Fui entrevistada pelo Jornalista Pedro Robles para o site MEMÓRIAS DA DITADURA. ( Memórias da ditadura – Instituto Vladimir Herzog ) que percebeu minha agitação e me recomendou para a Clínica do Testemunho do Instituto de Projetos Terapêuticos -projeto de um grupo de Psicanalistas e Psicólogos que acolhiam em rodas de conversa e desabafos os ex-presos políticos, exilados e seus filhos e netos. Este projeto durou 2 anos e lá fui recebida com calor humano por todas e todos e pude falar com tranquilidade sobre o assunto depois de quase 45 anos de silenciamento. Fui orientada por meus companheiros das Clínicas do Testemunho a solicitar ao Arquivo Nacional, informações sobre meu pai. Descobri, em arquivos do jornal Última Hora, e outros periódicos, tais como, a Luta Democrática, Correio da Manhã, O Fluminense, Novos Rumos e Tribuna da Imprensa, que ele tinha sido o criador e presidia por dois mandatos a União dos Trabalhadores de Barra do Piraí, RJ .Liderou a Criação do Pacto Intersindical do Vale do Paraíba, em apoio ao Marechal Lott, enquanto ministro da Guerra, e posterior candidato ao governo federal e era cicerone de  Luiz Carlos Prestes pelo estado, dentre outras atividades. Todos os candidatos à presidência o procuravam, para articular apoio no estado do Rio de Janeiro.

Vale lembrar, que na época, Barra do Piraí era o “maior entroncamento ferroviário da AméricaLatina”, dando acessoao Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, portanto, local estratégico, no mapa do emaranhado político.

Almair Mendes de Avellar, foi vítima de um acidente automobilístico, na estrada de Valença-Barra do Piraí, RJ em 03 de fevereiro de 1971, depois de participar de uma reunião com outros militantes, onde, conforme consta no arquivo nacional,  havia um “infiltrado”. Resta a dúvida e o questionamento. E a possível impunidade. Dentre tantas outras pelo Brasil afora.

Quanto a mim, pós Clínica do Testemunho, participei do projeto Margens Clínicas e Cursos de Justiça Restaurativa, e segui, e sigo, participando de Rodas de Conversa e debates com outros afetados pela Ditadura Militar de 1964.

Posto aqui o registro da Oficina Retalhos de Memória da designer Camila Sipahi, que fazia parte de nosso grupo, onde bordamos sobre fotos nossas e de nossos queridos e queridas, redefinindo as memórias e reconstruindo os cacos da devastação que a Ditadura Militar deixou em nossos corpos, corações e mentes. Retalhos da Memória (youtube.com)

“Nas Clínicas do Testemunho, através dos Projetos Terapêuticos e memórias de dores revividas como resquícios da Ditadura Militar, alinhavamo-nos uns aos outros. Aprofundamos a busca por relações mais profundas, entremeadas por emoções recortadas e bordadas no processo. ”

Este Estandarte está exposto no MEMORIAL DOS DIREITOS HUMANOS em Belo Horizonte, MG

2016

Aos berros de uma evocação à família e à igreja, destituíram a primeira mulher eleita presidenta do Brasil.

O impeachment de Dilma Roussef foi um processo de afastamento da presidente da República Federativa do Brasil, iniciado em 2015 pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo CunhaDilma foi acusada de crime de responsabilidade fiscal, por contratar operações de crédito com instituição financeira controlada pela União e editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso NacionalO impeachment foi concluído em 31 de agosto de 2016, com a condenação de Dilma pelo Senado Federal, por 61 votos a 20.

Finalmente, por unanimidade, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, sediado em Brasília, manteve 21 agosto de 2023, a decisão que arquivou uma ação de improbidade contra a ex-presidente Dilma Rousseff sobre o caso das “pedaladas fiscais”.

Dilma Rousseff foi oficializada no comando do Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como BRICS, em Shanghai, China.

2020

A pandemia do Covid 19, e suas mutações, disparou como um raio sob o descontrole de um governo eleito pelo povo, em 2018 (pasmem) pós-novo golpe em 2016.

2021

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do ministro Edson Fachin que, ao declarar a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), anulou as ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não se enquadrarem no contexto da operação Lava Jato.

2022

Com mais de 702 mil brasileiros mortos pelo Covid, e outros tantos milhares internados em estado grave, e muitos, à espera de insumos, medicamentos, tratamentos, leitos e vacinas, o (des)governante tentou desesperadamente se manter no poder, desestabilizando as instituições , a economia, a educação ,as ciências e as artes.

Uma arrogância cega que deixou um rastro de dor e miséria, e, ainda assim, hoje, encontra ressonância em seus vassalos, com os quais, articula constantemente perfídias contra o povo brasileiro.

2023

Após uma apertada disputa, Luiz Inácio Lula da Silva retorna à presidência, e, obstina-se em colecionar obras em prol do restauro da democracia, para manter sua promessa em grande estilo.

Governo Lula 2023: saiba as principais medidas até agora (correiosabia.com.br)

08 de janeiro de 2023

O Congresso Nacional, O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto são invadidos, em Brasília, com depredação do patrimônio público, tingindo de cinza, ainda que momentaneamente, a vitória de Novos Tempos para os brasileiros.

HOJE, 08 de janeiro de 2024

A Presidência convoca a nação, para que se manifeste a favor da DEMOCRACIA, em desagravo aos atos terroristas de 2023.

Embora eu considere legítimo o Ato e seus objetivos, e espero, sinceramente, que cumpra a intenção do Governo de marcar a resistência à barbárie, quero registar aqui, meu descontentamento em relação à promessa, em janeiro e reforçada em março deste ano, de Reativação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Ditadura Militar de 1964.

Promessa esta, que ainda não foi cumprida, em nome de um pragmatismo político, que flerta com a procrastinação milenar que se arrasta há quase 60 anos, desrespeitando os militantes, idealistas e jovens universitários, que se imolaram por um Brasil mais justo, deixando um rastro de sangue e dores que respingou em suas famílias, ascendentes e descendentes, com sequelas profundas, algumas irreparáveis.

Hoje, integro o coletivo Filhos & Netos de Ex-Presos Políticos, Mortos, Exilados e Desaparecidos, Coalizão Nacional MVJRD, Comissão de Justiça e Paz de SP, Instituto Alípio Freire, (entre outros), e testemunho as cicatrizes, e chagas ainda abertas, de meus pares e compartilho a sensação de impotência, em fazer ouvir nossa voz.

Apoio qualquer manifestação a favor da Democracia, porém, expresso aqui meu repúdio à afronta do descaso para com estes militantes que engrossam fileiras de resistência, nas ruas, nas redes sociais, congressos, seminários e plenárias, para que se perpetue a reedição do jogo democrático, principalmente “valorizados” em tempos de eleições.

Muitos estão partindo, sem sequer ter tido a possibilidade de Justiça e Reparação, por seus méritos, em vida.

Os que restaram, e suas sementes, ainda que claudicantes, rechearam o Ato em Defesa da Democracia, esvaziado pelas férias ou, talvez mesmo por cansaço, em função dos arranjos que vêm sendo feitos, para manter “os mesmos” no poder, desde sempre. Abrigam em seu cerne os traidores e mantêm “eclipsados” os verdadeiros aliados, e, usam a massa ainda cega, a seu favor, para empanar o possível “desastre” de não serem fiéis e éticos a si mesmos e aos seus propósitos antes deflagrados como bandeiras de reeleições.

Torço e anseio, para que a “etiqueta política” não deixe passar mais uma vez a oportunidade de se redimir com estes personagens estoicos, dos anos nefastos da história do país, onde o horror grita até hoje por Verdade e Memória.

Deixo claro, que o fato de apoiarmos as manifestações de 08 de janeiro de 2024, não arrefecerá a nossa luta. E, esta afirmação inquieta, se fará presente e, intermitentemente, teceremos a malha que autenticará nossa oposição veemente ao esquecimento que está dando lugar ao “cerimonial”.

Shellah Avellar,  Uma eventualidade que permanece aberta. Sobrevivente e aprendiz. Escritora, Jornalista, Arquiteta. Graduada em Ciências Exatas e Pós-Graduada em Gestão de Processos Comunicacionais. Premiada nacional e internacionalmente, cria e executa Projetos Especiais de Comunicação, Cultura e Responsabilidade Social. O que a revela muito pouco.