ONDE É QUE A BANDA TOCA? Shellah Avellar

A Corporação Musical Operária da Lapa é uma comunidade musical amadora nascida no final do século XIX. Mistura-se à história de São Paulo, composta pela  classe operária: mecânicos, metalúrgicos, eletricistas, frentistas, bancários, militares e professores, que, ajudaram a tecer sua trajetória impregnada de simbolismos. Enriquecida com a imigração, principalmente italiana, e com a  construção das linhas e oficinas da São Paulo Railway Company.

É qualificada por seus músicos como sendo “a banda mais antiga de São Paulo”. O grupo possui sede própria tombada pela prefeitura de São Paulo, em terreno doado por Nicola Festa.

O que torna uma comunidade musical legítima, é sua capacidade em servir uma determinada localidade. Portanto, a Corporação Musical Operária da Lapa, se estabeleceu gradativamente em um espaço que oferece possibilidades de comunicação e sociabilidade entre seus integrantes e o público.

Segundo o jornalista William Finnegan, “o sentimento de pertencimento a um mundo distinto e integrado, herdeiro de uma tradição orgulhosa e independente, foi reforçado ainda mais pela continuação da longa tradição de bandas de música que desempenham uma função pública para a comunidade local”.

A primeira fase do grupo, um período dúbio, justamente pela carência de informações e a falta de registros, compreende sua fundação e se estende até a fixação do nome “Corporação Musical Operária da Lapa” em 1914.

Este período foi, para o grupo, uma fase marcada pelas intrincadas tentativas de se estabelecer como banda operária remunerada.

Seus primeiros nomes (Lyra da Lapa, Banda XV de Novembro e Banda dos Empregados da SPR), a grande influência italiana através de seus integrantes e singularmente o fato de estar entre as dezenas de bandas e grupos operários de São Paulo expressa que o conjunto foi um produto de seu tempo.

De acordo com a documentação recente da banda, depoimentos, algumas matérias de jornais, os livros de Hardman (2002, p. 371)17, Moraes (1995, p. 157)18 e Santos (1980, p. 81)19 e também de páginas da web, o aparecimento da CMOL é atribuído ao pianista e professor italiano Luigi Chiaffarelli (1856-1923).   *Dados extraídos da tese de Juliana Soares da Costa UNICAMP

No entanto, essa informação é indefinida.

Franco Cenni, casado com a neta de Luigi, relata que Chiaffarelli e  família vieram para o Brasil em 1880 a convite de um grupo de fazendeiros de Rio Claro, a fim de ministrar aulas de piano às filhas de fazendeiros do café. Contudo, Chiaffarelli permaneceu em Rio Claro por pouco tempo e regressou à capital em 1888.

Para esta questão, é necessário nos remetermos ao antropólogo Paul Connerton e sua noção de memória social:

Como as sociedades recordam?

Como é que a memória dos grupos é transmitida e conservada?

“As lembranças grupais se apoiam umas nas outras formando um sistema que subsiste enquanto puder sobreviver a memória grupal”, ressalta a psicóloga Ecléa Bosi.

Ao longo da observação participativa e do manuseio de documentos e reportagens, vimos a banda se reconhecendo como fundada em 1881. Como mencionado, é uma informação perpetuada pelo conjunto por toda sua existência, e ao redor disso criou-se uma narrativa – ou uma “mitologia” – tornando-se uma marca de orgulho para a banda, ter sido fundada por Luigi Chiaffarelli em 1881.

Neste caso, podemos sugerir que alguma performance de banda no bairro da Lapa, em 1881, formada por operários músicos com algum contato próximo a Chiaffarelli, mais tarde faria parte da Corporação, marcando assim a fundação do grupo.

Nossas experiências do presente dependem em grande medida do conhecimento que temos do passado e as nossas imagens desse passado servem normalmente para legitimar a ordem social presente. E, assim, são transmitidos e conservados.

Portanto, a memória social não necessita comprovação: ela é aquilo que as pessoas lembram e que continua a ter relevância no presente, perpetuando-se.

A memória é um espaço onde as esferas biológicas e socioculturais do ser humano se encontram e, ao serem integradas à vida em sociedade, adquirem significados.

A figura de Chiaffarelli e a data de 1881 indicam para os integrantes a importância da banda e trazem um capital simbólico para o grupo, além do sentimento de compromisso com a continuidade da banda.

Luigi Chiaffarelli

Talentoso Pianista, Maestro e Professor, admirado pelos seus alunos, criou em São Paulo uma escola de interpretação musical que persiste até hoje através de seus discípulos.

Passaram por suas mãos, Guiomar Novais, Antonieta Rudge, Maria Edul, Francisco Mignone e Guilhermina de Freitas, entre outros.

Sua filha, Elisa Hedwig Carolina Mankel Chiaffarelli (Liddy Chiaffarelli) casou-se com Paolo Agostino Cantu, com quem teve dois filhos, Elza e Bida.

Liddy, casada pela segunda vez com o Maestro Francisco Mignone, pertencia à sociedade paulistana e tinha sólida formação musical e revolucionou a prática de iniciação musical. Aliou-se a Mario de Andrade na semana de 22, e com seu marido, fazia apresentações em favelas no Rio, com recepção bastante entusiástica. Uma Escola Pública em Paty do Alferes, RJ, leva seu nome.

Seu bisneto, Roberto Cenni (filho de Elza Cantu Cenni e Francisco Cenni), desconhecia a existência da Banda Operária da Lapa. Mas, me enviou uma carta em homenagem ao bisavô, oriunda da Comunidade de Cercemaggiore, cidade natal de Luigi, datada de 06.08.2022, onde apontam o pai de Luigi, Olympio, como maestro de bandas e orquestras, em sua região, o que comprova seu DNA.

Ele declara sobre o bisavô: Luigi Chiaffarelli veio ao Brasil patrocinado por famílias ricas de Rio Claro e desenvolveu uma importante escola pianística bastante conhecida. Porém este outro lado de promover bandas de operários é bem pouco divulgado. Creio que proporcionar o encontro de “pessoas simples” com a música num país essencialmente capitalista é uma bela atitude e orgulho-me de Luigi ter tido esta iniciativa.

Franco Cenni, Elza Cantu Cenni(neta), Liddy Chiaffarelli (filha), Anna Maria ,Mario Cenni
e Roberto Cenni(bisnetos de Luigi Chiaffarelli) 1958

Acervo Folha SP registro de falecimento do Maestro Luigi Chiaffarelli há 100 ANOS

A formação atual da Banda Operária da Lapa

A Corporação Musical Operária da Lapa ainda se mantém ativa contando com diretoria, regente e estatuto próprios. Foi registrada formalmente como uma associação privada em 1972, e desde então é mantida graças ao caráter voluntário do trabalho de seus membros.
A banda era restrita apenas aos músicos homens, mas, no final dos anos 70, começaram a aceitar mulheres.

Ieda Viera de Figueiredo, trompetista.

É o único elemento feminino da Banda, neste momento.

Professora e agente de saúde. Já tocou na Banda de Osasco. Fez parte do coral da Cultura Inglesa. Já integrou a Banda Operária da Lapa, há alguns anos atrás. Mas, retornou há um ano. Apesar de ser a única musicista mulher da Banda, deixa claro que foi muito bem recebida. Segundo ela, são pessoas maravilhosas. E garante que se sente feliz com a mesma intensidade de quando tinha 20 anos.

Jose Maria Tamburu, sax tenor

Entrou na banda aos 18 anos, e a preside há 15 anos. Diz que todos os momentos têm sido memoráveis, mas, sente a ausência de seu pai, o trompetista João Tambor, que lá tocou por 30 anos. Se ressente da falta de apoio do poder público, para a manutenção das instalações, dos instrumentos, infraestrutura básica e apoio a novos projetos.

Maestro Nestor Avelino Pinheiro

Segundo o maestro a Juventude não tem interesse no estilo de música que as bandas tocam.

“Talvez se houvesse um projeto de Escolinha de Bandas, poderíamos tentar despertar o entusiasmo na molecada.”, sugere Nestor Avelino.

Trompetista, acabou virando maestro, a convite do pessoal da Banda. Nascido em Nazaré Paulista, seguia a banda e gravava as músicas durante as apresentações nas festas locais. Aos 50 anos de idade começou a aprender música.

Acabou entrando na Banda Operária da Lapa e está lá até hoje. Para ele, a banda por si só já é um acontecimento.

“É minha vida “, finaliza emocionado.

BANDA OPERÁRIA DA LAPA

No último dia 09 de julho-Dia da Luta Operária- a Banda não poderia estar ausente. Marcou presença no Sindicato dos Padeiros, sob a regência do orgulho da Luta dos Trabalhadores que constroem o Brasil desde sempre.

Shellah Avellar -Escritora, jornalista e Gestora de Processos Comunicacionais -Cria Desenvolve e Executa Projetos Especiais de Comunicação, Cultura e Responsabilidade Social. Uma eventualidade que permanece aberta. Sobrevivente e Aprendiz.

http://blog.sensorion.com.br             https://sensorion2.webnode.com

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