Woody Allen, sempre surpreendente , navega pelas águas sombrias e turbulentas que evocam os sujeitos sem-nome pincelados por Eugene O´Neil, William Shakespeare ,Tenesse Williams e Anton Tchecov.
Atravessa como uma lâmina rutilante os sentidos pela tragédia nossa de cada dia.
Esta catástrofe anunciada permeia o filme, todo o tempo, naquele estado de tensão e êxtase em que as paixões levadas às últimas consequências explodem em nós, espectadores e protagonistas da vida como ela é.
Não há momentos de relax. Os flagelos auto- impostos pelas personagens, fazem emergir as mesquinharias, seus contrastes e dissensões na luta pela sobrevivência.
Apenas o físico e o animal dão o tom maior.
Os semi-tons são orquestrados pela cenografia absolutamente magnífica, que reconstrói a península Coney Island (Brooklyn, NY,USA)decadente dos anos 50 e se funde com a indumentária em tons pastéis, numa paleta de amarelos, laranjas e vermelhos que contrastam com o turquesa do mar.O Mar se debruça como testemunha do abismo que ,ora nos refresca os pés,ora nos derruba com suas ondas imprevisíveis e arrebatadoras.
O design de luz (Vittorio Storaro) nos planos gerais, americanos e de detalhes , dialogam com as falas dos personagens em todos os momentos.
A trilha sonora e as músicas incidentais nos levam para dentro da trama e nos torna cúmplices. Nos pegamos cochichando a meia -voz, histórias de pescador e de alcova.
E, quando o vislumbre de uma afeição se incide como uma chama tímida de esperança, a realidade se espatifa e espalha cacos cortantes em nós.
Não há senões neste filme. É tudo cuidadosamente afinado para que não se perca nenhum detalhe.
Kate Winslet (Ginny) , é a Primadonna. Numa atuação primorosa amarra todas as situações dramáticas , desenterrando o imo das mais recônditas emoções. E, nas periferias limítrofes da psique, desafia as tempestades íntimas com uma naturalidade aterrorizante.
Juno Temple,(Caroline) é a face da inocência e da beleza embalando um perfume condenado pelas substâncias tóxicas do passado.
Jim Belushi (Humpt) mistura truculência e afetividade nos esconderijos da impotência.
Justin Timberlake, como o salva-vidas Mickey, metáfora e dialética esplendorosa, catalisa as expectativas do amor-romântico esfacelado pelas cicatrizes de almas femininas torturadas por um passado eminentemente presente.Tenta salvar a a si próprio,coletando aventuras para sua etnografia de pretenso autor em busca de histórias mirabolantes para fazer jus à sua megalomania de futuro dramaturgo e tange a si mesmo em ferro ardente.
O menino Jack Gore (Richie), com seus cabelos ruivos e sardinhas ,típica aparência dos apimentados, rola para a sarjeta lentamente, revelando desde cedo sua vocação para incendiário.
As chamas permeiam as cenas trazendo o fogo flamejante e implacável cujas línguas lambem os últimos vestígios de um final feliz.
As narrativas se misturam aos sonhos de seres desconhecedores de sua própria trajetória e de seu lugar na vida. Irrealidade que acomete a todos nós, vez por outra até que aprendamos, como os gregos, a cantar nossas amarguras.
Woody Allen , que encara denúncia de assédio pela própria filha Dylan Farrow,28 anos ,desperta em nós os mesmos sentimentos contrários de adoração e repúdio por suas personagens.
E, num retrato das fragilidades humanas, talvez tente se redimir de suas próprias, na sua obra de arte ,WONDER WHEEL ,talvez a mais impecável de todas de sua carreira como dramaturgo e diretor.
Que se faça justiça ao Homem e ao Gênio !
https://www.youtube.com/watch?v=I9f_IYnf2vE