ANESTESIA Shellah Avellar

Fui convidada pelo  querido amigo Germano Gonçalvez, a participar, juntamente com o Poeta Laercio Silva, do  SARAU URBANISTA CONCRETO para MORADORES DA RUA, na zona norte de São Paulo, numa ação dos Agentes Sociais Matheus e Wagner.

Aceitei imediatamente, não só por respeito ao amigo, mas, principalmente pelo público com que iríamos interagir.

Num tempo em que o abominável espírito natalino se apossa do ser humano, levando-o a ser caridoso e solidário, ao menos por um dia.

Um paliativo para que se auto console e lhe dê ares de homem de bem e saciar sua consciência de que “fez sua parte”.

A inquietação já tomava conta de mim misturada com um sentimento inexplicável e uma cobrança interna para não sucumbir à comiseração.

Fui para lá com o coração aberto, como em tudo que me proponho a fazer, mas, atenta à violência silenciosa que alguns seres humanos se impõem para machucar a si mesmos.

Cada um carrega uma história de dor e mágoas. E, alguns de nós, simplesmente desistem.

Cada um com sua anestesia de “estimação”. E, uns se demoram mais neste estado de alienação da dor.  

Prefiro não citar as substâncias. Mas, sim, refletir sobre o ser fantástico e exuberante que habita a essência de cada um, e, que, de alguma forma, se emaranhou em emoções desencontradas e ali, se deixou ficar.

Num tempo em que a comida é prioritária, levamos um sentido de urgência da poesia e de sons para alimentar a cesta básica da alma.

Sentimo-nos irmanados com o carinho de todos, e, devagarinho, fomos nos aproximando, nos sentindo à vontade, e logo, estávamos rindo, cantando e nos abraçando.

Apesar de alguns olhos ostentar fogos pálidos, vi brilhos de afetos incomensuráveis.

Golpes de talento irromperam nos batuques precisos, nos bamboleios de algumas meninas e na declamação acalorada e contundente  de versos de Fernando Pessoa através de um deles.

Sei o nome de todos. Não vou citá-los. Para preservar o anonimato a que se submeteram.

Mas, levo comigo para sempre a esperança de que não contribuímos para deixar a energia adormecida. E, que o sol, estrangulado nos barracos improvisados que chamam de lar, invada cada coração que por lá deixei e promova a reedição de cada personalidade que ali habita, transmutando a todos em sua melhor versão.

Ressoa em mim cada batuque, os versos de Pessoa e o abraço da moça que sussurrou em meu ouvido: “Não se esqueça de mim!”

E, tento, no caminho de volta pra casa, retomar minhas próprias dores e tingi-las de iridescências sobre as massas de minhas sombras.

E a certeza de que somos todos iguais neste escândalo chamado “vida”.

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