VOLVER A LOS 64 Shellah Avellar

Volver a los diecisiete después de vivir un siglo

Es como descifrar signos sin ser sabio competente

Volver a ser de repente tan frágil como un segundo

Volver a sentir profundo como un niño frente a Dios

Eso es lo que siento yo en este instante fecundo

Violeta Parra, “Volver a los 17”

@photo Evandro Teixeira- Rio, 31 março de 1964

2014

Subindo o tom doloroso até o sublime, minha fala tem um quê de garota, quando se trata do golpe militar de 1964, que está completando agora 50 anos.

Brusca epifania que me aperta a garganta.

Na época eu tinha nove anos de idade. Não sabia do que se tratava. Somente que, de repente, minha casa virou um pandemônio. Ora militares do Exército, ora da Polícia Militar chegavam sem avisar e sem pedir licença e jogavam tudo pelos ares e nos reviravam pelo avesso.

Numa destas vezes, eu brincava no quintal, sol a pino, e uma sombra por detrás me fez voltar a cabeça. E me deparei com uma metralhadora bem diante do meu nariz. Enquanto isso, outros invadiam minha casa.

A imagem de minha mãe desfalecendo na porta de entrada.

Meu avô trancando as portas e janelas de sua casa, que ficava no mesmo quintal.

Os livros tão amados por meu pai e por mim sendo jogados numa fogueira, sob meus protestos e prantos.

Durante alguns muitos anos, eu ainda desmaiava quando via um carro de polícia ou caminhão verde de manobras do Exército.

Não se falava no assunto. Bullying na escola, quando colegas me importunavam pedindo informações: “Por onde anda o seu pai???”. Naturalmente orientadas pelos pais deles para que eu revelasse o paradeiro do meu e pudessem eles mesmos denunciá-lo à repressão, ou por simples mórbida curiosidade.

Naturalmente não sabia o que era ser esquerda no país.

As incoerências me avassalam hoje, tanto quanto antigamente. Via meu pai ser recriminado e eu também, por tabela, por ser a filha do comunista.

Recebi certa vez uma carta dele, por intermédio de um cadete, em que me explicava que estava preso por pensar diferente dos homens do poder e não porque havia cometido algum crime, do tipo roubar ou matar.

Na verdade, ainda nem sabia que ele estava preso, tamanha era a confusão em que nossas vidas haviam se transformado.

Silêncios. Cochichos. Mistérios. Medo.

E solidão. Muita solidão.

A ARTE IMITA A VIDA?

Em 1997, assisti ao filme O que é isso, companheiro? Dirigido por Bruno Barreto. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira. E dei muita risada. Coisa curiosa ver atores e atrizes, cuja característica principal era o humor (por causa das atuações em divertidas séries televisivas), em papéis de drama extremo. Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, Pedro Cardoso e Cláudia Abreu, atores que respeito muito e admiro, fazendo os revolucionários e sequestradores. Não me comovia. Não me atravessava, naquele momento.

O Que É Isso Companheiro? | Filme Completo (youtube.com)

Entretanto, num dia qualquer de 2003, aqui em São Paulo, fui assistir Kamchatka, sem ler sinopse, tampouco resenhas. Pelo título, achei que deveria ser algum filme com cenário oriental. Totalmente desavisada e com minha filha, que deveria ter uns nove aninhos, me sentei, com pipocas em punho. À medida que o filme foi acontecendo, pela visão de um menino de nove anos, cujos pais eram militantes na ditadura da Argentina (1976-1983), fui me vendo, não na história em si, fui me identificando com o olhar de quem vivenciou aqui no Brasil aquela solidão. A falta de informação e o medo. As cenas se sucediam e uma, em especial, em que o menino corria atrás do carro dos pais, me remeteu a um dia, quando chegava da escola e vi um jipe do Exército levando mais uma vez o meu pai. E eu correndo gritando atrás do jipe na esperança de tentar deter mais uma vez o sumiço dele. O desespero do menino e aquela sensação de perda e de abandono me aterraram e despenquei num choro convulso e catártico dentro do Cine Lumière, no Itaim Bibi. Luzes se acenderam. Havia umas quinze pessoas. Fui até o toalete e lá continuei num pranto convulso que jorrava desapontamento, cicatrizes indeléveis de um tempo ladrão de alegria e sequestrador de ilusões. Era o disparador de tantas mágoas contidas. De tanto desconhecimento. De tanta dor. Ainda assim voltei para ver o filme e continuei soluçando durante a projeção.

Minha filha, em sua ingenuidade, sacou: “Você tá assim porque se lembrou do vovô?”. Isso, sem nem sequer tê-lo conhecido, porque ele morrera num “acidente” de carro em 1971. E ela nasceu em 1993.

Kamchatka, Película Argentina con Ricardo Darín (youtube.com)

O NÃO PERTENCIMENTO

Mas, e daí? Cresci achando que meu pai morreu num acidente trágico. Hoje, cinquenta anos após sua morte, alguns insistem na hipótese de não ter sido acidente. E me vejo às voltas com a Comissão da Verdade, procurando “agulha no palheiro”.

Mais um baque num corpo emocional que acredita ter superado essa questão, que, entretanto, volta sempre a incomodar. Reverencio a revolucionária que em mim habita, defendo-a e encaro a disciplina que ela exige para se realizar. Volto à juventude que clamava por um mundo ainda possível naquele realismo utópico, de “resistência”.

Vejo tantas e tantas reportagens, artigos, pontos de vista sobre estes 50 anos do golpe. Entretanto, tem gente da minha geração que passou por ela e não sabe que ela existiu.

Mais uma vez, este sentido de “não pertencimento” me acomete. Não se ouviam os gritos. Não se presenciavam os horrores. Tudo era minuciosamente camuflado dos sentidos dos homens comuns. Só rufavam os tambores para os “de esquerda”. Para os que se achavam inteirados de tudo e lutavam pela Liberdade. Liberdade, esta, questionável aos olhos da elite conservadora e do sectarismo da Igreja. Não me reconhecia e não me reconheço ainda nestes moldes de hipocrisia.

Hipocrisia, esta chaga que sangra e se arraiga cada vez mais nos modelos do establishment.

BASTA!

Sei lá se escrevo bem. Sei lá se estou sendo fiel aos mártires deste holocausto brasileiro, pelo valor universal que eles merecem por uma luta à altura de sua história.

Fiz protestos. Shows em universidades. Peças de teatro e festivais de música. Muito antes de ser uma universitária. Queria que ouvissem o grito da minha dor. Era uma graça que me concedia para me suprir da minha própria perda.

Continuo hoje tentando ser solidária a meus sentimentos e a minha verdade grita: “Chega!”.

Basta de se esconder debaixo da capa burguesa que corrompe tudo que toca. Destas amostras de barro que nos formatam, endurecem e paralisam em nome de uma vida melhor. Das etiquetas e do status que determinam nosso padrão de vida, como “bem ou malsucedido” pelas posses, pelos cargos, pelos títulos e pelas aparências.

Não me detenho mais em nome de nenhuma doutrina, partido, associação, seita ou facção. Sigo em meu próprio nome. Na verdade, vou (me) esculpindo, dia após dia, ao encarar e transmutar minhas crenças provisórias.

Me interessa “tentar”, ao menos, ser coerente com o que penso e digo. Para não dar distorção e me transformar num ser humano amorfo, cuja legenda está fora de sincronismo. Dou lugar àquela criança impetuosa.

Não sou de direita. E me recuso a ser muro. Pendo, sim, para a esquerda. Porque é na esquerda que reconheço, através dos séculos de história de exploração do homem pelo homem, que vem gritar contra as injustiças sociais, contra os preconceitos, contra as discriminações de qualquer tipo, gênero, raça, fé e poder econômico.

Não me filiei a nenhum partido nem a nenhuma facção política, a fim de continuar livre para ir e vir. As associações e instituições refletem os preconceitos e estereótipos de seus dirigentes. E cada uma, a seu modo, tenta nos incutir seu modus vivendi, estendendo seus tentáculos para nos transformar em seres robóticos, acomodados numa forminha de gelo, a seu bel-prazer.

À LA GAUCHE

Volvendo à esquerda, quando ela cumpre seu papel revolucionário de ir contra a corrente, do abuso de poder e das ideias. Sejam elas quais forem. Principalmente se ela está a favor dos fracos e oprimidos, dando a eles condição de sair de sua triste condição e ensinando-os a lutar pelos seus direitos, qualificá-los pessoal, profissional e socialmente, mas sem desconhecer seus deveres. Assim como há pobres soberbos, há ricos humildes. O homem imprime seu valor com ações e frutos. O subversivo é quem subverte o que oprime. Jesus era subversivo aos olhos do governo de Roma. Não havia outra solução a não ser eliminá-lo, por um motivo qualquer, como continuam fazendo com quem incomoda o poder vigente. Há casos em nossa própria história, como Tiradentes e mesmo o contraditório Calabar, que decidiu trocar de lado, a favor talvez de um proto-povo brasileiro. E tantos outros por aí afora.

Protesto contra a ditadura, 1968, Rio de Janeiro

DESANIVERSÁRIO

Nos 50 anos de (des)aniversário do golpe de 64, só me lembro de que perdi meu pai tantas e tantas vezes. Ora pelo desconhecimento de onde ele estava. Ora pela própria militância. Ora pela Polícia Militar. Ora pelo Exército. E, finalmente, pela própria morte, em 1971.

E me desculpem os que se consideram “de direita”. Os que se consideram os certos e bem direcionados na vida. Os formadores de opinião. E mesmo alguns acadêmicos e intelectualizados da elite da esquerda. Muitos destes nem sequer sabem o que é militância.

Só me lembro do seu olhar, na hora de irmos embora, quando íamos visitá-lo, quando finalmente soubemos onde ele estava.

E do dia em que finalmente voltou para casa e seus amigos lhe perguntaram qual o sabor da Liberdade. Ele respondeu que ainda era cedo para descrever. Com seus braços amarelos de nicotina até o cotovelo, olheiras fundas, manchas roxas e afundamentos por todo o corpo esquelético. E uma tristeza milenar, que identifico nos olhos de Che Guevara, de Mandela, de Gandhi. Tais como os olhos de Jesus em suas tantas representações pictóricas. Imagens que vêm, vez por outra, atormentar meus eternos questionamentos.

Idealismo? Endeusamento? Sei lá…

Meu pai era um pobre militante anônimo para as estrelas da luta armada em todo o país. Como centenas de outros hoje desaparecidos, sem paradeiro, sem história. Apenas um fantasma que nos assombra. Em nome de um passado sem glórias.

Mas, para mim, era, e é, um herói que me ensinou, pelo exemplo, que todos os homens são iguais, e também a não se curvar diante da ilusão de poder, seja ele qual for.

Imperfeito. Assumia suas incoerências. E ouvia com atenção minhas admoestações de menina e moça. Me dando ares de importância. Apoiava minha forma de realizar e me deixava livre para errar e acertar por minha própria conta. Parece que sabia que iria logo embora e procurou passar, desde cedo, livros e ensinamentos, em que me calco até hoje.

Simples. Direto. Uma oralidade ímpar. Carismático e amado por todos, ou quase. Naturalmente não pelos que se consideravam os baluartes da história dos supostos não pensantes. Ele, para estes, era a ovelha negra, a ser extirpada da sociedade. Mas o seu amor incondicional pelo ser humano me encantava e me comove até hoje. Guardo de 64, e dos anos de ditadura, marcas que dificilmente o tempo apagará. Assim como alfinetes esquecidos por algum alfaiate distraído. Mas não faço a apologia da necrofagia. Entretanto, apesar das infâmias praticadas em nome da lei e da ordem, nenhuma especulação escapará da trágica realidade da história.

Mas o amor que aprendi com este amigo, irmão, companheiro e só por acaso meu pai me acompanha, e me faz não desistir cada vez que encontro muralhas de incompreensão. E, resistindo à hipocrisia, me rendo à Liberdade.

Oh! Liberdade! Liberdade! Que ela abra suas asas sobre nós.

E volvo a los nueve, doce, diecisiete, dieciocho, tantas vezes quantas forem necessárias, para louvar o presente de ter tido Almair Mendes Avellar como meu pai, meu país, nesta “encadernação”.

Nota da autora

Escrevi esta matéria em 2014. No (Des)aniversário de 50 anos do Golpe Militar de 1964. Este texto, despertou a atenção de vários jornalistas, e também da Comissão da Verdade. Fui entrevistada pelo Jornalista Pedro Robles para o site MEMÓRIAS DA DITADURA. ( Memórias da ditadura – Instituto Vladimir Herzog ) que percebeu minha agitação e me recomendou para a Clínica do Testemunho do Instituto de Projetos Terapêuticos -projeto de um grupo de Psicanalistas e Psicólogos que acolhiam em rodas de conversa e desabafos os ex-presos políticos, exilados e seus filhos e netos. Este projeto durou 2 anos e lá fui recebida com calor humano por todas e todos e pude falar com tranquilidade sobre o assunto depois de quase 45 anos de silenciamento. Fui orientada por meus companheiros das Clínicas do Testemunho a solicitar ao Arquivo Nacional, informações sobre meu pai. Descobri, em arquivos do jornal Última Hora, e outros periódicos, tais como, a Luta Democrática, Correio da Manhã, O Fluminense, Novos Rumos e Tribuna da Imprensa, que ele tinha sido o criador e presidia por dois mandatos a União dos Trabalhadores de Barra do Piraí, RJ .Liderou a Criação do Pacto Intersindical do Vale do Paraíba, em apoio ao Marechal Lott, enquanto ministro da Guerra, e posterior candidato ao governo federal e era cicerone de  Luiz Carlos Prestes pelo estado, dentre outras atividades. Todos os candidatos à presidência o procuravam, para articular apoio no estado do Rio de Janeiro.

Vale lembrar, que na época, Barra do Piraí era o “maior entroncamento ferroviário da AméricaLatina”, dando acessoao Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, portanto, local estratégico, no mapa do emaranhado político.

Almair Mendes de Avellar, foi vítima de um acidente automobilístico, na estrada de Valença-Barra do Piraí, RJ em 03 de fevereiro de 1971, depois de participar de uma reunião com outros militantes, onde, conforme consta no arquivo nacional,  havia um “infiltrado”. Resta a dúvida e o questionamento. E a possível impunidade. Dentre tantas outras pelo Brasil afora.

Quanto a mim, pós Clínica do Testemunho, participei do projeto Margens Clínicas e Cursos de Justiça Restaurativa, e segui, e sigo, participando de Rodas de Conversa e debates com outros afetados pela Ditadura Militar de 1964.

Posto aqui o registro da Oficina Retalhos de Memória da designer Camila Sipahi, que fazia parte de nosso grupo, onde bordamos sobre fotos nossas e de nossos queridos e queridas, redefinindo as memórias e reconstruindo os cacos da devastação que a Ditadura Militar deixou em nossos corpos, corações e mentes. Retalhos da Memória (youtube.com)

“Nas Clínicas do Testemunho, através dos Projetos Terapêuticos e memórias de dores revividas como resquícios da Ditadura Militar, alinhavamo-nos uns aos outros. Aprofundamos a busca por relações mais profundas, entremeadas por emoções recortadas e bordadas no processo. ”

Este Estandarte está exposto no MEMORIAL DOS DIREITOS HUMANOS em Belo Horizonte, MG

2016

Aos berros de uma evocação à família e à igreja, destituíram a primeira mulher eleita presidenta do Brasil.

O impeachment de Dilma Roussef foi um processo de afastamento da presidente da República Federativa do Brasil, iniciado em 2015 pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo CunhaDilma foi acusada de crime de responsabilidade fiscal, por contratar operações de crédito com instituição financeira controlada pela União e editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso NacionalO impeachment foi concluído em 31 de agosto de 2016, com a condenação de Dilma pelo Senado Federal, por 61 votos a 20.

Finalmente, por unanimidade, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, sediado em Brasília, manteve 21 agosto de 2023, a decisão que arquivou uma ação de improbidade contra a ex-presidente Dilma Rousseff sobre o caso das “pedaladas fiscais”.

Dilma Rousseff foi oficializada no comando do Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como BRICS, em Shanghai, China.

2020

A pandemia do Covid 19, e suas mutações, disparou como um raio sob o descontrole de um governo eleito pelo povo, em 2018 (pasmem) pós-novo golpe em 2016.

2021

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do ministro Edson Fachin que, ao declarar a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), anulou as ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não se enquadrarem no contexto da operação Lava Jato.

2022

Com mais de 702 mil brasileiros mortos pelo Covid, e outros tantos milhares internados em estado grave, e muitos, à espera de insumos, medicamentos, tratamentos, leitos e vacinas, o (des)governante tentou desesperadamente se manter no poder, desestabilizando as instituições , a economia, a educação ,as ciências e as artes.

Uma arrogância cega que deixou um rastro de dor e miséria, e, ainda assim, hoje, encontra ressonância em seus vassalos, com os quais, articula constantemente perfídias contra o povo brasileiro.

2023

Após uma apertada disputa, Luiz Inácio Lula da Silva retorna à presidência, e, obstina-se em colecionar obras em prol do restauro da democracia, para manter sua promessa em grande estilo.

Governo Lula 2023: saiba as principais medidas até agora (correiosabia.com.br)

08 de janeiro de 2023

O Congresso Nacional, O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto são invadidos, em Brasília, com depredação do patrimônio público, tingindo de cinza, ainda que momentaneamente, a vitória de Novos Tempos para os brasileiros.

HOJE, 08 de janeiro de 2024

A Presidência convoca a nação, para que se manifeste a favor da DEMOCRACIA, em desagravo aos atos terroristas de 2023.

Embora eu considere legítimo o Ato e seus objetivos, e espero, sinceramente, que cumpra a intenção do Governo de marcar a resistência à barbárie, quero registar aqui, meu descontentamento em relação à promessa, em janeiro e reforçada em março deste ano, de Reativação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Ditadura Militar de 1964.

Promessa esta, que ainda não foi cumprida, em nome de um pragmatismo político, que flerta com a procrastinação milenar que se arrasta há quase 60 anos, desrespeitando os militantes, idealistas e jovens universitários, que se imolaram por um Brasil mais justo, deixando um rastro de sangue e dores que respingou em suas famílias, ascendentes e descendentes, com sequelas profundas, algumas irreparáveis.

Hoje, integro o coletivo Filhos & Netos de Ex-Presos Políticos, Mortos, Exilados e Desaparecidos, Coalizão Nacional MVJRD, Comissão de Justiça e Paz de SP, Instituto Alípio Freire, (entre outros), e testemunho as cicatrizes, e chagas ainda abertas, de meus pares e compartilho a sensação de impotência, em fazer ouvir nossa voz.

Apoio qualquer manifestação a favor da Democracia, porém, expresso aqui meu repúdio à afronta do descaso para com estes militantes que engrossam fileiras de resistência, nas ruas, nas redes sociais, congressos, seminários e plenárias, para que se perpetue a reedição do jogo democrático, principalmente “valorizados” em tempos de eleições.

Muitos estão partindo, sem sequer ter tido a possibilidade de Justiça e Reparação, por seus méritos, em vida.

Os que restaram, e suas sementes, ainda que claudicantes, rechearam o Ato em Defesa da Democracia, esvaziado pelas férias ou, talvez mesmo por cansaço, em função dos arranjos que vêm sendo feitos, para manter “os mesmos” no poder, desde sempre. Abrigam em seu cerne os traidores e mantêm “eclipsados” os verdadeiros aliados, e, usam a massa ainda cega, a seu favor, para empanar o possível “desastre” de não serem fiéis e éticos a si mesmos e aos seus propósitos antes deflagrados como bandeiras de reeleições.

Torço e anseio, para que a “etiqueta política” não deixe passar mais uma vez a oportunidade de se redimir com estes personagens estoicos, dos anos nefastos da história do país, onde o horror grita até hoje por Verdade e Memória.

Deixo claro, que o fato de apoiarmos as manifestações de 08 de janeiro de 2024, não arrefecerá a nossa luta. E, esta afirmação inquieta, se fará presente e, intermitentemente, teceremos a malha que autenticará nossa oposição veemente ao esquecimento que está dando lugar ao “cerimonial”.

Shellah Avellar,  Uma eventualidade que permanece aberta. Sobrevivente e aprendiz. Escritora, Jornalista, Arquiteta. Graduada em Ciências Exatas e Pós-Graduada em Gestão de Processos Comunicacionais. Premiada nacional e internacionalmente, cria e executa Projetos Especiais de Comunicação, Cultura e Responsabilidade Social. O que a revela muito pouco.

Dalton TRUMBO, A Vida ou A Obra?  Shellah Avellar

Dalton Trumbo Bryan Cranston(ator)

Aos que me lêem que tentem descobrir o que acontece aqui e, quando o souberem , ousem perguntar a qualquer homem :Onde está a Justiça?

E, se necessário, exigi-la , porque ela a Justiça, jamais foi, solidária com aqueles que para manter o status ,assumem a dupla máscara do bufão e do lacaio, da delação e da traição.

Não há intenção aqui,de eleger alguma doutrina, seita, filosofia, ou ismos de quaisquer espécies como os detentores da mais absoluta verdade, porquanto todos cometem os erros dos seus líderes humanos.

Vamos nos ater aos fatos , posto que este filme é baseado numa história real.

O Macartismo (McCarthyism), foi cunhado para criticar as ações do senador norte-americano Joseph McCarthy, cuja intensa patrulha anticomunista, gerou perseguição política e desrespeito aos direitos civis, nos EUA do final dos anos 1940 até meados dos anos 50.

A suspeita de infiltração comunista no exército e na sociedade americana, resultou numa caça obsessiva a pessoas comunistas e/ou simpatizantes da esquerda.

James Dalton Trumbo, [1905/1975]roteirista e romancista, membro do Hollywood Ten, um grupo de profissionais da indústria cinematográfica que se recusou a testemunhar e denunciar os companheiros da mesma, perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito montada em 1947 pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos para averiguar a suposta infiltração na indústria de cinema.

Portanto é preso. O episódio dá origem ao filme TRUMBO: LISTA NEGRA, na qual estes profissionais estariam inclusos e ,em sendo assim, teriam sido impedidos de trabalhar.

Hedda Hopper [1890/1976],colunista influente de jornal de fofocas ,defende um discurso esquizofrênico e monocórdico para seus pares, em nome dos Direitos Americanos de um nacionalismo exacerbado contra um inimigo comum.Propositalmente , Jay Roach, diretor, (responsável pela bem- sucedida série Austin Powers) passeia a câmera pela platéia “uniforme e branca”.

Muito bem caracterizada por Helen Mirren , Hopper é o retrato da elite (americana ?) que ora pincela em tintas cordiais ora as carrega de ameaças, para tornar seu discurso digno de fé .

Entretanto os pontos altos do filme são dados pela cumplicidade e apoio familiar ,que, apesar dos conflitos gerados pela necessidade de sobrevivência, ainda dá o tom da coerência entre discurso e ação do personagem.

Após 11 meses de prisão retorna e continua escrevendo roteiros, com remuneração aquém de sua performance e, ainda assim é premiado e reconhecido ,e mesmo no anonimato é perseguido pelos seus ferrenhos opositores, que finalmente são obrigados

a se render à sua excelência ,tendo sua autoria reconhecida pela indústria que o havia abandonado temporariamente.

No discurso final,o olhar de Trumbo(ator Bryan Lee Cranston) varre um mar de rostos ,um por um ,com atenção, cuidado , respeito, remorso, e a compaixão pela situação imposta que os fizeram machucar-se uns aos outros.Um pensador infalível, vigiando seus iguais com um entusiasmo exausto e uma dignidade solitária .

Para quem tem olhos de ver e compartilhar do nó na garganta ,com o choro contido e amargurado da mulher Cleo Beth Fincher(Diane Lane)quando Trumbo finalmente reassume seu lugar no cenário cinematográfico.

E ,vibrar ,quando a sua resoluta filha Nikola Trumbo (Elle Fanning ) que segue seus passos , se alia ao Movimento pelos Direitos Civis dos negros, e o provoca para reassumir sua autoria e receber seus prêmios.(OSCAR por The Brave One (1956)e Roman Holiday(1953) entre outros.

Sugiro que assistam até o fim , quando da descida dos créditos e possam assistir ao depoimento emocionado do roteirista ao homenagear a filha a quem dedica o Oscar recebido.

O rumor que sobe de todos os cantos do Planeta, esta angústia que por séculos reúne rancores e ódios dispersos, pode entoar o canto de uma terrível colheita.

“Todo comunismo que fracassa chama seu fascismo. Mas todo fascismo que fracassa chama seu comunismo. A antítese assume facilmente o lugar do argumento.

Quando a filha Nikola,ainda menina, pergunta a Dalton se ela é comunista e ele a questiona: “Se você levar para a escola um sanduiche que você gosta muito e um amigo estiver sem lanche. Você compartilha sem pestanejar e sem se arrepender? E ela responde que sim.”

Claro que não podemos deixar de ignorar os radicalismos e barbárie que cada facção política e/ou religiosa carrega em si.

Entretanto a grandeza deste filme-documento que tem sido ignorado pela mídia,é um hino aos amanhãs, que cantam em uníssono ,que não basta fotografar uma época para que nasça uma literatura majestosa.

A revolução liberta nas palavras seu potencial máximo.

Forja novas consciências , provoca a urgência da reflexão e tenta sacudir uma burguesia moribunda e grávida de um passado remoto.

O discurso carregado de metáforas elípticas está morto.

E este luto dá lugar ao renascimento.E o prodigioso talento de Dalton Trumbo eclode com um poder exorcizante e com o silêncio eloquente que descansa nas grandes obras ,apesar do cinismo e da cegueira.

Hoje, atuante e atual, este filme vem elucidar as injustiças que se cometem penalizando os “pensamentos” contrários ao sistema vigente.

Vida e obra do roteirista Dalton Trumbo, por Shellah Avellar – GG (jornalggn.com.br)

JARDIM DAS PAPOULAS Shellah Avellar

A UTOPIA

Nestes meus delírios utópicos de tentar me desprender de realidades submersas em pesadelos medievais, de massacres do homem pelo próprio homem, da corrupção que se infiltra por sordidez, sigo coxeando tentando estabelecer uma auto-disciplina que me remeta ao espírito de um sacrifício militante.

Tentando definir meu lugar no espaço aqui e agora.

Quem sou eu? Para onde vou?

Tentando abraçar uma causa sem causa?

Amainar minha consciência de que tenho feito a minha parte.

E, que parte é esta? É enganar a mim mesma de que estou no lado certo? Que lado é este?

Martela em mim o questionamento: Se existe lado já não é a paz. Já não é harmonia.

Se é partido, não é integral.

O que nos separa? O que nos une?

Por conta de uma questão crucial em minha trajetória nesta “encadernação”, me remeto aos Mortos e Desaparecidos pela Ditadura Militar de 1964 a 1988.

E às sequelas físicas, emocionais, sociais  e morais de seus protagonistas e de seus coadjuvantes, cujas chagas ainda sangram em solo brasileiro num grito surdo por Memória , Justiça , Verdade e Reparação.

Como coadjuvante deste romanceiro grotesco e de imoralidades trágicas, me permito sonhar com um Centro De Referência de Reparação Psíquica para Vítimas de Violência do Estado.

E, arquiteta que sou, de direito e de fato, projeto nas nuvens, uma ascensão sacramental para os esquecidos e invisíveis heróis de nosso holocausto brasileiro.

E, poder fazer desta loucura um espasmo repetido que se liberta das correntes bárbaras  da inação, me ordeno: Vá!

Relembro Rumi “Look where you step. You will avoid a false step and you will be saved from stumbling”

O UNIVERSO CONSPIRA

Num dos AUÊs da Praça Vladimir Herzog, sob a batuta do Jornalista Sérgio Gomes, onde uma vez por mês, nos perdemos nos abraços da imprensa bem-pensante e dos movimentos sociais, encontro, com o amigo, agora “Hermano”, Salmir Salman.

Comento com ele, en passant, sobre meu devaneio e ele me diz que irá acontecer o VI ENCONTRO BRASILEIRO DE SERVIÇOS DE CUIDADOS PALIATIVOS.

Teve a gentileza de me convidar e, mal sabia eu, que a metafísica me arrancaria do curso das coisas e me lançaria numa viagem mais fantástica que chocolates.

DESEMBARQUE

E, assim, desembarco no Centro de Convenções do IAMSPE, dia 21 de setembro às 8h da matina.

Dou de cara com Samir Salman e Emiliano Castro, na escada de acesso.Sorte minha.

Samir me presenteou com o passaporte e eu lhe entrego meu livro MULHER NA PALMA DA MÃO, que é o passaporte para o resgate do feminino. E não é disto que se trata o cuidado?

Passeio pelos espaços. Encontro a doce Gleicy, amada esposa de Samir, no toilette. Nos demos um abraço caloroso.

Vou tomar um café, passo os olhos nos banners e dois senhores com sorriso largo me estendem a mão.

Empatia imediata. Seus nomes? Adel (O Justo) e Adinam(O Mestre), irmãos de Samir. Que beleza!

Conversamos sobre Família Árabe, tradições orientais, poesia e ancestralidade, num átimo de segundo. Me apresentam O filho de Samir e o genro.

Família genuinamente árabe é assim. Todos prestigiam, colaboram e põem a mão na massa.

E, me pus a bailar entre os Salões.

Elifas Andreato me recebe e diz que estou no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas.

Me proíbe de pecar contra a Esperança. Lanço- lhe uma piscadinha e agradeço o sinal.

 A VIAGEM

E aí , adentro o auditório ávida por conhecimento.

Lá está a figura mignon, carismática e delicada de Ana Luiza Zaniboni Gomes, que com seu brilho peculiar, alinhava as pessoas, cada uma com seu expertise, dentro de seu nicho de atuação, de cada país convidado: As fantásticas  [ Paola Ruiz -Colômbia ,Liz Bryan – Reino Unido, e a entidade Rajagopal – Índia),e dos jovens e veteranos da Saúde, de todos os cantos do Brasil em Cuidados Paliativos.

Tudo o que vi foram sorrisos largos e olhos brilhantes.

Muita competência e entrega. Ainda faltam aplausos, que ecoarão para sempre em minha alma em festa.

Comprometimento. Seriedade. Vontade de acertar. Companheirismo. Alegria.

COMPAIXÃO

E, apesar de estar absolutamente impactada com todos os depoimentos, experiências compartilhadas e pessoas únicas, com a reverência com adornos de oblação, no momento, vou focar no meu grito primal: A ÍNDIA.

M.R. RAJAGOPAL  

Chairman, Pallium India, and Director, Trivandrum Institute of Palliative Sciences Trivandrum, Kerala, India

Home – Pallium India | Pallium India

O que já nos irmana é termos a mesma referência : MAHATMA GANDHI.

Converso mentalmente com Gandhi e agradeço por ter me levado até ali.

E, assim, mergulho no documentário HIPOCRÁTICO e nesta beleza imensa, que é RAJAGOPAL.

O jeitinho franzino, o sorriso límpido, transparência no olhar, simplicidade e a grandeza em sua mais completa tradução.

Me ajeito na cadeira. Relaxo.Confio.

E, me deixo levar pelas mãos amorosas deste Semeador  de Papoulas.

Apesar de sua exposição ter o fio condutor de frases e pensamentos de Gandhi, Aqui me atenho a um:

LIVE AS YOU´LL GONNA DIE TOMORROW.

LEARN AS YOU WANNA LIVE FOREVER.

Tudo o que foi falado e mostrado está no conteúdo riquíssimo do Encontro. Qualquer coisa que eu acrescente vai redundar. Portanto me atenho ao lirismo.

Encontro Brasileiro de Serviços de Cuidados Paliativos | EBSCP2023 | Encontro Brasileiro de Serviços de Cuidados Paliativos – 6ª Edição (congresse.me)

SAMIR SALMAN , O Jardineiro

Este menino que carrega a ancestralidade árabe, é o Superintendente do Instituto Premier.

No seu DNA está impressa a sabedoria dos Beduínos que se arriscam às tempestades dos desertos, mas, sabem onde está o Oásis.

Ele, silenciosamente, age, articula, promove, faz acontecer e no fim das contas, quem ganha, somos todos nós.

Firme em suas colocações, nos mostra que conhece o seu lugar e o ocupa.

E nos sinaliza com a fraternidade viril do médico que não se alimenta da putrefação do ser humano, e, sim, de resgatá-lo da agonia.

Aposta também na força da fantasia, deixando operar maravilhas na ordem pré estabelecida.

Traz com ele um séquito de mãos dadas a começar pela própria família, contaminando a todos.

E, claro, para isto se alia à Arte e ao talento de jovens despojados e heróicos tais como o músico Emiliano Castro, que ao alentar os pacientes, também envolve a equipe de saúde, temperando tudo com dignidade e movimento.

Me despeço deste Oásis, absolutamente plena. E acreditando numa humanidade possível.

E, é claro que é apenas um até logo.

Cabeça fervilhando de ideias e esperança para lá além das estrelas.

PAPOULAS

Com uma reflexão profunda sobre as Papoulas, seu significado  e efeitos.

Pertencem à família das Papaveraceas. Papaver somnipherum de onde se extrai o ópio.

Originária da Suméria, Egito e Mesopotâmia é  utlizada  há mais de 6000 anos.

Como a natureza é sábia, ela já nos apresenta alívio para nossas dores.

E , embora a India seja um produtor autorizado de papoulas, muito pouco sobra para o sofrido povo indiano.

Hipócrates, médico da Antiga Grécia, foi um dos primeiros a descrever os efeitos medicinais da Papoula para tratar diversas doenças.

Em Roma, o ópio extraído da Papoula era utilizado para tratar os gladiadores.

Com o advento da Expansão Marítima e as rotas comerciais, o ópio da Papoula acabou se tornando mais conhecido e comercializado.

No início do século XVI, o uso do ópio se difundiu pela Europa. Nesse período a Igreja Católica combateu o seu uso e começou a controlar os remédios à base de ópio.

Paracelso, o famoso médico e alquimista suíço, elaborou um concentrado de suco de Papoula, o Láudano, com propriedades de curar muitas doenças e rejuvenescer. Esse fato provocou a popularização do ópio no mundo ocidental.

Por volta de 1803, o cientista alemão Frederick Sertuener, constatou que os  princípios ativos da Papoula produziam efeitos diversos. Do ópio se obteve um cristal alcalóide de efeito muito intenso: a morfina, utilizada como componente em medicamentos alopáticos para casos de dores intensas e muito fortes.

O ópio é extraído a partir do látex contido nas cápsulas que não atingiram a maturação. Ao se fazer cortes na cápsula da papoula, ainda verde, se obtém um suco leitoso que é o ópio, que contém cerca de 25 alcalóides, o mais importante deles é a morfina, presente em até 20% no ópio.

O nome científico da planta “somniferum” relaciona-se a sono. A origem do nome “morfina”, está relacionada ao deus da mitologia grega Morfeu, o deus dos sonhos. E essas relações são bem significativas pois o ópio e a morfina atuam como depressores do sistema nervoso central.

O ópio contém outras substâncias, como a codeína e, também, se obtém a heroína, uma substância semissintética, resultante de uma alteração química na fórmula da morfina. Todos os alcalóides do ópio são narcóticos e produzem dependência.

A Organização Mundial de Saúde considera os opiáceos, à base de morfina, medicamentos necessários por serem eficazes para o alívio das dores muito fortes.

A LENDA DAS PAPOULAS

Para os antigos gregos, a Papoula era o símbolo do esquecimento e do sono.

Na mitologia grega, a Papoula estava associada a Hipnos, o deus do sono, pai de Morpheu. Considerado na Mitologia Grega, o deus dos sonhos, Morfeu é representado segurando Papoulas em sua mão.

Nix, deusa das Trevas, filha do Caos, em sua representação aparece coroada de Papoulas e envolta num grande manto negro e estrelado. De acordo com a Mitologia Grega, ela  vive no Tártaro, entre o Sono e a Morte, seus dois filhos.

Os sumérios consideravam a Papoula símbolo de Alegria.

A Papoula, para os antigos romanos, era símbolo da deusa das plantas, Ceres, cuja imagem é representada segurando estas flores.

Na Idade Média, a Papoula era associada ao sacrifício de Jesus, aparecendo em muitos afrescos retratando a Paixão de Cristo.

As Papoulas se tornaram símbolo dos soldados mortos, na Primeira Guerra Mundial, pois, nos mesmos campos que eles morreram, floresceram estas flores.

Em um dia de junho, Perséfone, a bela filha de Zeus e deusa da Terra, colhia flores, quando foi sequestrada por Plutão, deus do submundo, que queria torná-la sua noiva.

A mãe de Perséfone, chamada Deméter, ao descobrir que sua filha passaria o resto de sua vida no submundo, correu para pedir ajuda à Júpiter, mas ele não fez nada. Deméter, sentindo muita dor e revolta, decidiu não se importar mais com a Terra.

Naquele momento, Júpiter, percebeu a gravidade da situação, pois as criaturas da Terra iriam morrer, então, ele resolveu intervir e conversar com Plutão para convencê-lo a deixar Perséfone retornar à Terra, e passar metade do ano com seus pais e Plutão consentiu.

Cada vez que Perséfone retornava à Terra, as papoulas vermelhas floresciam.

E, assim finalizo a minha jornada, convicta de que visitei um magnífico Jardim de Pessoinhas-Papoulas.

Que trazem o alento, o alívio do toque , da atenção inesgotável.

A obra prima  de se tornar presente.

Não estão se  submetendo à história. A escrevem.

NAMASTÊ!

OCTOPUS GARDEN      Shellah Avellar

UTOPIA

In my utopian delusions of trying to detach myself from realities submerged in medieval nightmares, from massacres of man by man himself, from the corruption that creeps in through sordidness, I continue limping around trying to establish a self-discipline that reminds me of the spirit of a militant sacrifice.

Trying to define my place in the space here and now.

Who am I? Where am I going?

Trying to embrace a cause without a cause?

To soften my awareness that I have done my part.

And what part is this? Is it fooling myself that I’m on the right side? Which side is this?

The question hammers home at me: If there is a side, it is no longer peace. It is no longer harmony.

If it is a party, it is not integral.

What separates us? What unites us?

Because of a crucial issue in my trajectory in this “binding”, I refer to the Dead and Disappeared by the Military Dictatorship from 1964 to 1988.

And to the physical, emotional, social and moral sequelae of its protagonists and their supporting characters, whose wounds still bleed on Brazilian soil in a deaf cry for Memory, Justice, Truth and Reparation.

As an adjunct to this grotesque novelist of tragic immoralities, I allow myself to dream of a Reference Center for Psychic Reparation for Victims of State Violence.

And, architect that I am, in law and in fact, I project in the clouds, a sacramental ascension for the forgotten and invisible heroes of our Brazilian holocaust.

And to be able to turn this madness into a repeated spasm that frees itself from the barbaric chains of inaction, I command myself: Go!

I remind Rumi: “Look where you step. You will avoid a false step and you will be saved from stumbling”

THE UNIVERSE CONSPIRES

In one of the AWÊs of Vladimir Herzog Square, under the baton of the journalist Sérgio Gomes, where once a month, we get lost in the embraces of the well-thinking press and social movements, I meet with my friend, now “Hermano”, Salmir Salman.

I comment to him, en passant, about my reverie and he tells me that the VI BRAZILIAN MEETING OF PALLIATIVE CARE SERVICES will take place.

He was kind enough to invite me, and little did I know that metaphysics would pull me out of the course of things and launch me on a journey more fantastic than chocolates.

DISEMBARKATION

And so, I disembark at the IAMSPE Convention Center, on September 21 at 8 am.

I bump into Samir Salman and Emiliano Castro on the stairs. Lucky me.

Samir presented me with the passport and I gave him my book WOMAN IN THE PALM OF THE HAND, which is the passport for the rescue of the feminine. And isn’t that what care is all about?

Immediate empathy. Their names? Adel (The Righteous One) and Adinam (The Master), Samir’s brothers. What a beauty!

We talked about the Arab Family, oriental traditions, poetry and ancestry in the blink of a second. They introduce me to Samir’s son and son-in-law.

A genuinely Arab family is like that. Everyone honors, collaborates and gets their hands dirty.

And I started dancing between the halls.

Elifas Andreato welcomes me and says that I am in the right place at the right time and with the right people.

Forbid me to sin against Hope. I give him a wink and thank him for the sign.

THE JOURNEY

And there, into the auditorium eager for knowledge.

There is the mignon, charismatic and delicate figure of Ana Luiza Zaniboni Gomes, who with her peculiar brilliance, aligned people, each with their expertise, within their niche of activity, from each invited country: The fantastic [Paola Ruiz -Colombia, Liz Bryan – United Kingdom, and the “Entity” M.R.Rajagopal – India), and the young people and veterans of Health,  from all corners of Brazil in Palliative Care.

All I saw were wide smiles and bright eyes.

A lot of competence and dedication. There is still applause to be received, which will echo forever in my soul in celebration.

Commitment. Seriousness. Willingness to get it right. Companionship. Joy.

COMPASSION

And even though I’m absolutely impacted by all the testimonies, shared experiences and unique people, with the oblation adornment, for the moment, I’m going to focus on my primal cry: INDIA.

M.R. RAJAGOPAL  

Chairman, Pallium India, and Director, Trivandrum Institute of Palliative Sciences Trivandrum, Kerala, India

Home – Pallium India | Pallium India

What makes us brothers is that we have the same reference: Mahatma Gandhi.

I mentally talk to Gandhi and thank him for taking me there.

And so, I dive into the documentary HIPPOCRATIC and this immense beauty, which is RAJAGOPAL.

The slight way, the clear smile, transparency in the eyes, simplicity and greatness in its most complete translation.

I settle back in my chair. I relax. I trust.

And, I let myself be led by the loving hands of this Poppy Sower.

Although his exposition has the common thread of Gandhi’s phrases and thoughts, Here I stick to one:.

LIVE AS YOU´LL GONNA DIE TOMORROW.

LEARN AS YOU WANNA LIVE FOREVER.

All that has been spoken and shown is in the very rich content of the Meeting. Anything I add will redound. So I stick to lyricism.

SAMIR SALMAN , THE GARDENER

This boy, who carries Arab ancestry, is the Superintendent of the Premier Institute.

In its DNA is imprinted the wisdom of the Bedouins who risk the storms of the deserts, but they know where the Oasis is.

He silently acts, articulates, promotes, makes it happen and at the end of the day, who wins, is all of us.

Firm in his positions, he shows us that he knows his place and occupies it.

He brings with him an entourage hand in hand, starting with his own family, contaminating everyone.

And, of course, for this he joins the Art and talent of detached and heroic young people such as the musician Emiliano Castro, who by encouraging the patients, also involves the health team, seasoning everything with dignity and movement.

I say goodbye to this Oasis, absolutely full. And believing in a possible humanity.

And, of course, it’s just a goodbye.

Head buzzing with ideas and hope beyond the stars.

POPPIES

With a deep reflection on Poppies, their meaning and effects.

They belong to the Papaveraceae family. Papaver somnipherum from which opium is extracted.

Originating in Sumer, Egypt and Mesopotamia, it has been used for more than 6000 years.

As nature is wise, she already presents us with relief from our pains.

And while India is an authorized producer of poppies, there is very little left for the long-suffering Indian people.

Hippocrates, a physician from Ancient Greece, was one of the first to describe the medicinal effects of the poppy to treat various ailments.

In Rome, opium extracted from the poppy was used to treat gladiators.

Paracelsus, the famous Swiss physician and alchemist, made a concentrate of poppy juice, laudanum, with properties of curing many diseases and rejuvenating. This fact led to the popularization of opium in the Western world.

Around 1803, the German scientist Frederick Sertuener, found that the active principles of the poppy produced various effects. From opium was obtained an alkaloid crystal of very intense effect: morphine, used as a component in allopathic medicines for cases of intense and very strong pain.

Opium is extracted from the latex contained in capsules that have not reached maturity. By making cuts in the poppy capsule, still green, you get a milky juice that is opium, which contains about 25 alkaloids, the most important of which is morphine, present in up to 20% in opium.

The scientific name of the plant “somniferum” relates to sleep. The origin of the name “morphine” is related to the god of Greek mythology Morpheus, the god of dreams. And these relationships are quite significant because opium and morphine act as central nervous system depressants.

Opium contains other substances, such as codeine, and heroin, a semi-synthetic substance, is also obtained from a chemical change in the morphine formula. All opium alkaloids are narcotic and addictive.

The World Health Organization considers morphine-based opioids to be necessary drugs because they are effective in relieving severe pain.

THE LEGEND OF POPPIES

For the ancient Greeks, the Poppy was the symbol of forgetfulness and sleep.

In Greek mythology, the Poppy was associated with Hypnos, the god of sleep, father of Morpheus. Considered in Greek mythology, the god of dreams, Morpheus is depicted holding poppies in his hand.

Nix, goddess of Darkness, daughter of Chaos, appears crowned with Poppies and wrapped in a large black and starry cloak. According to Greek Mythology, she lives in Tartarus, between Sleep and Death, her two sons.

The Sumerians considered the Poppy a symbol of Joy.

The Poppy, for the ancient Romans, was a symbol of the goddess of plants, Ceres, whose image is depicted holding these flowers.

In the Middle Ages, the Poppy was associated with the sacrifice of Jesus, appearing in many frescoes depicting the Passion of Christ.

Poppies became a symbol of the soldiers killed in the First World War, because in the same fields where they died, these flowers bloomed.

One day in June, Persephone, the beautiful daughter of Zeus and goddess of the Earth, was picking flowers, when she was kidnapped by Pluto, god of the underworld, who wanted to make her his bride.

At that moment, Jupiter realized the gravity of the situation, as the creatures of Earth were going to die, so he decided to intervene and talk to Pluto to convince him to let Persephone return to Earth, and spend half the year with her parents and Pluto consented.

Each time Persephone returned to Earth, the red poppies bloomed.

And so I end my journey, convinced that I have visited a magnificent Garden of Little Poppy Pessoirs.

That bring the breath, the relief of touch, of inexhaustible attention.

The masterpiece of becoming present.

They are not submitting to history. Write it.

NAMASTE!

MULHER NA PALMA DA MÃO Shellah Avellar

Projeto Colóquio das Diferenças para Debater as Igualdades : Professor Jesus Freire

ESCOLA ESTADUAL PROF FLAVIO OSORIO NEGRINI

LUGAR DE MULHER É ONDE ELA ESTIVER

E,para encerrar a noite, após 2 palestras e Rodas de Conversa com Alunos e Mestres da Escola Estadual Flavio Negrini, me deparo com a Mulher policial às 23:45H exercendo seu ofício, sozinha ,cuidando da segurança das pessoas, na Vila Das Belezas.Que Beleza! #oAmorSIM

ZÉ CELSO MARTINEZ , O INCENDIÁRIO Shellah Avellar

Não. Eu não tenho foto nem selfie com o Zé Celso Martinez.

Não sou atriz, nem pertencia a seu círculo de amigos nem de profissionais de sua área de atuação.

E também não era assídua espectadora no Teatro Oficina, embora já tivesse assistido a algumas montagens por lá.

Vou me ater aos últimos anos da pandemia para cá.

Por conta da polarização política demoníaca que se instaurou no país, resolvi adotar uma hastag  #oAmorSIM , dado o ódio que povoava as redes sociais, as famílias, as relações de amizade e corporativas  e a mídia tradicional.

Apenas porque tentava me manter lúcida e íntegra, meio às inverdades e ausência de sensatez que assolaram o Brasil.

O que virou uma espécie de grito desesperado em busca de harmonia.

Postava e posto ainda, quando passo os olhos nas redes sociais e me sinto mobilizada sensorialmente por qualquer mensagem de qualquer pessoa, seja minha conhecida ou não.

Completamente descompromissada de engajamentos de qualquer espécie.

O Zé Celso, sempre respondia gentilmente às minhas postagens. Carinho que prezo. Elegância que inspira. Gentileza que arrebata. Respeito pela simplicidade da hastag, mas, principalmente, pela compreensão do alcance pragmático do sentido.

Por conta de seu encantamento, no dia 06 de julho de 2023, num nos vídeos que foram resgatados, em sua homenagem, por ocasião de sua anistia política, em que ele diz que olhou um de seus torturadores nos olhos e percebeu que o homem “ era gente que nem ele”.

Facebook

O cordão que se formou de seus discípulos, amigos e admiradores, no Teatro Oficina, seu Santuário, nos trouxe a afirmação absoluta  da vertigem orgástica que distingue este seu EU, que resiste à sua passagem fatal.

Uma intensidade maior que todo o resto, como se através daquele coro dionísico, você gritasse : – Sou Aquilo que fiz.

Sua biografia está impressa em fogo nos palcos do mundo que você forjou no seu Teatro Oficina, onde a arte permanece e promove a combustão contínua pela qual o amor mantém os seres colados  um ao outro.

Este amor, coito de larvas, revelou a sua verdade de ser pleno.

A sua experiência de amor, como uma fenda que se abre na garganta humana foi mais do que o estado de felicidade, mas, sim, um grito primal que cooptava com as trevas à guisa de cena iniciática.

Sua mistagogia é a comunhão do futuro.

O seu calor celebrou bodas inaudíveis, que misturava o inumano abjeto e inocente num solilóquio furioso nos confins do espasmo.

Incendiou a si mesmo, numa convulsão, ora fraternal, ora efervescente.

E, assim, chamuscados, tentaremos seguir adiante, nos perguntando se já fizemos amor bastante, nesta guerra de homens por solidariedade e paz.

Obrigada, Zé.

#oAmorSIM

O GRITO DO SILÊNCIO – REPARAÇÃO PSÍQUICA PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DE ESTADO Shellah Avellar

DIREITOS HUMANOS /COMUNICAÇÃO ORAL

No processo de Comunicação corporal, as células trocam energia e informação com o resto do organismo. Recebe nutrientes e expele algumas substâncias. E o corpo interage com o meio-ambiente. A comunicação integra dois sistemas básicos: o circulatório e o nervoso. Nada pode ficar parado ou retido, para manter a homeostase.

O linguista russo Roman Jakobson,apresenta  seis elementos constitutivos de comunicação:1) O emissor ,determina a função expressiva 2) O destinatário,a função conativa 3)A mensagem, função poética que engloba todas as figuras da retórica 4)O contexto, determina a função referencial.5) O contato,a função fática, que tende verificar se a escuta do destinatário efetivamente se estabeleceu. 6) O código, a função metalinguística, que incide sobrea linguagem tomada como objeto (por meio dele, emissor ou destinatário verificam se utilizam o mesmo léxico).

O linguista chega a estabelecer semelhanças estruturais entre estes dois sistemas de informação entre o código genético e o código linguístico entre as mensagens químicas, que, na arquitetura da célula, transmite as ordens da vida.

Tudo isto para justificar que, quando o silenciamento é imposto pela Violência de Estado, causa um colapso no corpo emocional, que a princípio é imperceptível, mas em algum momento a estrutura física e psíquica vai gritar por socorro.

Depois de 45 anos de silenciamento, por conta da ditadura militar de 1964 ,pude reabrir feridas da memória e compartilhar o trauma encravado em meu corpo. E falar abertamente. Pela primeira vez tive um sentido de pertencimento, ao integrar as Clinicas de Testemunho.

Gostaria de ver cada vez mais pessoas sendo beneficiadas por esta ferramenta de reparo psíquico, para que possam assumir seu protagonismo e se tornar sujeitos da ação, sem se sentir num eterno velório emocional”. Creio que o Ministério da Saúde em parceria com o Ministério de Direitos Humanos, possam inovar e promover um Centro de Referência de Reparação Psíquica, dentro do contexto de atendimentos do SUS -Sistema Único de Sáude, institucionalizando definitivamente esta prestação de serviços para as vítimas de violência do estado.”

Filhos e netos afetados pela Ditadura reivindicam políticas de enfrentamento a traumas transgeracionais – Saiba Mais

PALAVRAS -CHAVE

 HOMEOSTASE. SINTAGMA.REPARAÇÃO

Instituto Silvia Lane – IV Simpósio – 2023 (compromissosocial.org.br)

RESULTADO DA AVALIAÇÃO

O trabalho O GRITO DO SILÊNCIO. (REPARAÇÃO PSÍQUICA PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DE ESTADO.), de autoria de Shellah Avellar foi APROVADO na modalidade Comunicação Oral, para apresentação no evento IV Simpósio Nacional – Psicologia e Compromisso Social – 2023 que foi realizado de 01 a 03 de junho de 2023.

As apresentações de trabalhos foram realizadas na parte da tarde em Grupos de Trabalho. Os Grupos de Trabalho foram formados a partir dos trabalhos inscritos, agrupando temas que possam favorecer o debate. Os grupos permaneceram fixos durante os três dias de evento, de forma a acumular e aprofundar as discussões.

Cordialmente,  Comissão de avaliação dos trabalhos

*Foram submetidos 989 trabalhos e somente 250 trabalhos foram aprovados para apresentação no IV SIMPÓSIO NACIONAL DE COMPROMISSO SOCIAL, do Instituto Silvia Lane.

RESUMO

No processo de Comunicação corporal, as células trocam energia e informação com o resto do organismo. A comunicação integra dois sistemas básicos: o circulatório e o nervoso. Há um elo de subordinação entre ambos. Nada pode ficar parado ou retido, para manter a homeostase.

O linguista russo Roman Jacobson ,chega a estabelecer semelhanças estruturais entre estes dois sistemas de informação entre o código genético e o código linguístico entre as mensagens químicas, que, na arquitetura da célula, transmite as ordens da vida e a mensagem linguística.

Tudo isto para justificar que, quando o silenciamento é imposto pela Violência de Estado, causa um colapso no corpo emocional, que a princípio é imperceptível, mas em algum momento a estrutura física e psíquica vai gritar por socorro.

Depois de 45 anos de silenciamento, por conta da ditadura militar de 1964,pude reabrir feridas da memória e compartilhar o trauma encravado em meu corpo. E falar abertamente. Pela primeira vez tive um sentido de pertencimento, ao integrar as Clinicas de Testemunho.

Gostaria de ver cada vez mais pessoas sendo beneficiadas por esta ferramenta de reparo psíquico, para que possam assumir seu protagonismo e se tornar sujeitos da ação, sem se sentir num eterno velório emocional”. Creio que o Ministério da Saúde em parceria com o Ministério de Direitos Humanos, possam inovar e promover um Centro de Referência de Reparação Psíquica, dentro do contexto de atendimentos do SUS -Sistema Único de Sáude, institucionalizando definitivamente esta prestação de serviços para as vítimas de violência do estado.”

A DIALÉTICA DAS APARÊNCIAS Shellah Avellar

-BAM! 

Mirabella bateu a porta do bagageiro de seu golzinho mil de cor branca.

Quando se dirigiu para abrir a porta da frente, cinco homens se aproximaram.

Dos quatro, dois de corte de cabelo careca. Os outros dois, cabelos caindo aos ombros, em desleixo e relaxo. Os quatro, de buço e quase barba. O quinto, mais velho, baixinho e atarracado, só empesteava. Sacou um revólver e relinchou como uma mula num sobressalto.

-É um assalto! Me dê as chaves do carro e se afaste !

Ainda estupefata, Mirabella, com seus órgãos se movendo dentro do corpo, grudou nas chaves e suplicou: -Moço, por favor, preciso do carro para trabalhar. Deixe ao menos eu pegar a bolsa e meus livros e CDs que são meus instrumentos de trabalho.

Ele se aproximou, apontando a arma para sua testa e com uma voz de dentes de morder, vociferou, do fundo de suas sombras individuais, morrendo de medo, mais que ela: – Quer morrer, moça?

Os outros quatro a rodearam. Seus olhos punham palavras de medo.

Mirabella ensaiou gritar, em sua petulância ingênua. O rústico, com hálito de aguardente, estendeu a palma, recurvado, de olhos nas chaves que eram ferro em brasa nas mãos de Mirabella, que, sem escapatória, finalmente, as entregou, vacilante.

Os cinco entraram no carro e partiram, sumindo na noite, sabe-se lá para onde…

Mirabella, se sentiu sozinha como uma página em branco.

Prisioneira de um livro que ainda estava por nascer.

Olhou em volta. Para ver se alguém tinha visto ou ouvido o acontecido.

Latido de cães. Noite sem luar. Precisava voltar à realidade. Respirou profundamente.

Foi subindo a ladeira. Tentou se localizar. Olhou a placa. Rua dos Jornalistas. Sorriu. E nenhum deles por aqui para dar o furo do flagrante delito.

Viu uma portinha aberta com luz depois de passar por um muro alto. Lá estava um senhorzinho. Na parede, um relógio marcava 23h.Vislumbrou a mesa com um telefone. Perguntou se podia usar.  O velhinho, já de barba branca imposta, assentiu. Ela disse: – Fui assaltada. Levaram tudo. Preciso ligar para alguém.

Ele disse – Eu vi. Fiquei com medo de chamar a polícia e os rapazes fazerem mal pra moça. A moça tem que ligar pro 190.

Assim ela fez. Contou o acontecido. Mandaram ela fazer o BO (Boletim de Ocorrência) na delegacia mais próxima. A XX da Zona Sul. Assim fez. Saiu de lá por volta das 02 horas da manhã. Ligou para casa. E também para Ernestino, diretor-presidente da Empresa para qual trabalhava, onde exercia a função de Diretora de Projetos Especiais, para avisar que não iria trabalhar pela manhã, porque ia resolver coisa de segunda via de documentos e cartões dos bancos. Esse a instruiu também a ligar para o Detran avisando e dando os dados do carro. 

-Quem sabe, eles podem ter usado o carro para um assalto e depois abandonam em algum lugar, – ele disse.

Enfim. Noite agitada e tensa. Com os pés na aurora do dia. Sem sossego e ansiosa por repouso. Foi para casa.

Mirabella era moça guerreira. Se virava nos seus 39 anos. Tinha uma bebê de 8 meses, cuja criação assumira sozinha, e que a esperava dormindo a sono solto, tendo por companhia, uma babá assustada, por conta de seu atraso.

Tomou um banho demorado. Liberou a babá e assumiu seu lugar na cama, onde tentou relaxar, abraçada à sua bebê, sem pregar os olhos.

O filme do assalto rebobinava incessantemente em sua mente agitada.

No dia seguinte, tomando as devidas providências, retomou a sua rotina enlouquecida. Agora, sem carro, e sem possibilidade de comprar outro tão cedo,  pois não tinha seguro. Na verdade, sempre teve. Mas, não renovou por conta do orçamento apertado e das despesas nossas de cada dia.

Todos diziam que ela não iria rever o carro. 

– Os  Golzinhos da Volkswagen são muito visados para desmanche. E sabe-se lá por que, ela dizia que o carro iria reaparecer.

E, assim, vida seguiu.

Nove meses depois. O interfone do apartamento no Real Parque, tocou por volta de quase meia-noite. O porteiro falou que tinha uma pessoa que se dizia ser primo de Mirabella, e, insistia em falar com ela. Atendeu. O tal sujeito disse que uma parente dela estava agonizante em Suzano e que esperava que ela descesse e fosse com ele até lá.

Mirabella achou muito estranho porque não tinha nenhum parente em Suzano. Perguntou o nome e ele não respondeu. Pediu para passar o interfone para o porteiro.

Ela solicitou ao porteiro que descrevesse o cara. Ele disse que eram dois. E que estavam de carro. E era um fusca verde. Anotou a placa. E, por fim, o mandou embora.

Disse que o cara se enfureceu e gritou  que se a parente morresse a culpada ia ser ela.

Mirabella ligou para 190, contou o caso e confirmou que a chapa era fria.

Achou aquilo tudo insólito. Embora tivesse as bem-aventuranças dos bocejos, não conseguiu dormir.

No dia seguinte, no fim da tarde, recebeu um interfone de uma pessoa que se apresentou como policial da YY Delegacia de Distrito AA da Zona Leste . Disse que tinham localizado um carro. Um Gol, que tinha sido roubado. Descreveu o veículo e Mirabella confirmou que era o seu.

Disseram que ela deveria acompanhá-los para reconhecer o carro.

Ela disse que só poderia ir no dia seguinte. Eles insistiram. Ela negou. Perguntou se o carro não deveria estar na delegacia onde ela fez o BO. Eles disseram que não. Ela pediu o cartão do policial e disse que iria lá no dia seguinte. Alegou não ter com quem deixar a bebezinha.

E, subiu. Com a pulga atrás da orelha. Tudo parecia esquisito. Apesar de Mirabella estar super feliz de terem encontrado o carro.

Ligou para a Delegacia do Jabaquara. Eles não haviam sido informados de que o carro tinha sido encontrado.

Ligou para Ernestino, que por acaso era advogado, embora não exercesse a profissão. Perguntou se ele poderia acompanhá-la no dia seguinte. Porque, além de estar sem carro, não queria ir até lá sozinha.

Contou da visita inesperada da noite anterior e do papo esquisito de o tal parente estar agonizando. Da placa fria, etecetera e tal.

Ernestino  apareceu no horário marcado, trazendo um amigo de infância que era advogado criminalista. Ficou sabendo da história e se prontificou a ir junto.

Lá chegando, por volta das 15 horas, o exagero estava estabelecido. O sinistro sussurrava errático.

O que poderia ser um dia de júbilo se tornou um imperfeito aloprado.

Juntamente com o Delegado e o escrivão que tinha se apresentado como policial ao visitar Mirabella no dia anterior e ter pedido que o acompanhasse, estava presente um homem alto e forte que disse se chamar Rubão.

O delegado perguntou ao tal do Rubão, que fazia juz ao aumentativo, se Mirabella era a pessoa que lhe havia vendido o  GOL.

Rubão confirmou. E disse que ela tinha ido à sua oficina de carros usados, com seu marido e vendido o carro para ele.

Para espanto de Mirabella e dos seus dois amigos.

Esta moça, embora doce de afeto, era tinhosa. E teve entremeios de risadas nervosas. Sua espontaneidade deu lugar à indignação inconteste, cuja verborragia naquele momento traduzia as tempestades de sua surpresa.

Mirabella era divorciada há vinte anos e não tinha marido.

E o pai de sua filha tinha ido  embora para a Alemanha ,dois meses depois da bebê ter nascido..

O advogado pediu para que Mirabela se acalmasse e ouvisse o tal do Rubão.

Mirabella, ofegante, assentiu, a contragosto.

Abriu-se inquérito.

Mirabella, de agredida, passou a ser considerada suspeita, de ter vendido seu próprio carro e ter simulado o assalto.

Como era moça distraída, deixava sempre   os documentos do carro no porta-luvas. Embora sempre alertada pelos amigos.

E lá tinha todos os seus dados. Sua bolsa tinha seus documentos e cartões.

Foi fácil localizá-la.

O Rubão, mostrou um recibo da venda assinada por ela. 

Tinha seu nome inteiro, mas a  assinatura não batia de jeito nenhum. Fizeram a assinatura por extenso,  e faltando um ele em Mirabella. 

E, se tinha uma coisa que Mirabella fazia questão era dos tais dois eles. Era seu diferencial nos cartões de visita. 

E sua assinatura era bem original e complexa, porque ela era muito sofisticada com estes detalhes.

Ainda assim, a suspeita era ela.

Mirabella teve que tirar fotos de frente e de lado.

E um interrogatório sem fim. Tudo sendo anotado pelo tal escrivão de nome Toninho.

Sua letra iria ter que passar por um grafotécnico especializado.

O delegado, incisivo:

-Descreva o assalto!

-O que a senhorita estava fazendo sozinha, por volta as 23 horas na Rua dos Jornalistas no Jabaquara?

-Fui convidada para dar uma palestra para quinhentas pessoas no Centro Cultural ali perto sobre Física Quântica e Espiritualidade. O ingresso era uma lata de leite em pó para crianças portadoras de câncer.

Esta era uma atividade paralela que Mirabella exercia por puro prazer.

Quando ela disse isto, o tal do Rubão começou a chorar e disse que também era uma pessoa caridosa e que ajudava muita gente, para espanto do advogado que lhe acompanhava.

E, desconfiada, Mirabella continuou:

-Algumas pessoas me ajudaram a carregar as latas para o carro e depois voltei para cumprimentar os presentes.

-Ao retornar para o carro fui abordada pelos 5 rapazes. 

Descreveu a cena como acima, no início desta história.

-Alguém viu o assalto?

-Ela disse : Eu achava que não. Porém ao subir a ladeira, vi um senhor, que era segurança de uma escola ali localizada. E, ele me confirmou que viu tudo, quando pedi para usar o telefone.

Neste momento, tanto o delegado, como o escrivão e também o Rubão se inquietaram.

-A senhorita sabe o nome dele?

-Não! Ela disse. Mas posso ir lá tentar localizá-lo.

-Também posso provar que dei a palestra porque a organização tem a lista dos participantes com nome, email e telefones.

A esta altura chegou o advogado do tal Rubão.

E ele perguntou à queima-roupa : – A  senhorita tem a apólice do seguro do carro?

-A companhia já foi acionada? Já lhe enviaram o novo automóvel?

Mirabella sorriu e disse -Não, senhor! O seguro estava vencido.

Neste momento, o advogado de Rubão, enrubesceu. Chamou ele de lado e disse que iria abandonar o caso.

O escrivão, se referiu ao Rubão – Rubinho, você tem que se conformar.

Mirabella achou enigmática aquela intimidade do escrivão com o Rubão que passou a ser tratado como Rubinho. Ela perguntou -Vocês são amigos?

Os dois ficaram sem graça.

Mirabella e seus amigos ficaram na delegacia até às 5 horas da manhã.

E foi um custo para liberarem a pobre coitada.

O processo durou três meses.

Ela foi atrás do segurança, que prontamente, compareceu à delegacia  e deu seu depoimento, verdadeiro e simples como ele.

O teste grafotécnico deu negativo, confirmando que sua assinatura não era compatível com a do tal recibo de compra e venda.

A Organização do Instituto Cultural fez uma carta de protesto com a assinatura de todos os presentes na palestra de Mirabella.

Mirabella recuperou seu carrinho, absolutamente intacto, para surpresa geral, total e irrestrita de todos e todas.

Mirabella e seus amigos foram comemorar com um jantar regado a vinho.

E o advogado, ainda, absolutamente impactado com aquela história estapafúrdia. Repetia incessantemente  – O tal Rubão (ou Rufião?) chorou copiosamente na minha frente. Que coisa inacreditável!

Mas, Mirabella se sentia incomodada.

Embora confiasse em sua intuição. Pois sabia todo o tempo que algo estava errado. Que algo estava fora de lugar. Que o araque pode ser perigoso embora a sensatez da inocência supere tudo.

Um vazio inexplicável. Revisava a história e pensava que viver é um encargo de muito desempenho.

Que o devaneio pode se manifestar e se esgotar quando a sua verdade parece comprometida.

Que a charlatanice está o tempo todo presente e que algumas consciências são tomadas por vertigens. De precipitar o pior de si mesmo e ser hostil pelo puro prazer de enganar a si mesmo e aos outros.

E, que, embora reconheçamos este risco. Não temos o privilégio de preveni-lo. Dentre a inumerável multidão dos semelhantes que nos cercam, podemos sofrer condenações imerecidas provindas de insensatos.

Que embora se considerasse transparente e cristalina, percebeu o malogro gratuito que por alguns meses anoiteceu seu mito pessoal.

Que nos lugares que atravessou com esta questão, em desespero de causa, a  palavra percorreu um sentido interno com a necessidade de legitimar o que é monstruoso. E que era urgente e necessário, retomar os caminhos de sonhar.

Voltou à sua vida, ainda um tanto acorrentada a este intempestivo acontecimento.

Como se faltasse um laço para finalizar o clarão efêmero daquele instante angustiante.

Quatro meses depois, ao ler o jornal, no café de uma livraria, Mirabella viu a seguinte notícia: “Quadrilha de roubo de carros foi desbaratada na zona leste de São Paulo.” Policiais, assaltantes e agências de carros usados estavam envolvidos.  Rubens da Silva, conhecido como Rubão, era o cabeça da operação.

Mirabella finalmente suspirou aliviada. 

Não havia ali qualquer sentimentalismo.

Não era apenas a defesa de uma suspeição que proclamava sua inocência.

A sociedade que lhe traiu retomou a sua lei natural e o ideal civil.

A justiça foi feita. Ainda que momentaneamente, a prerrogativa social reafirmou os direitos inalienáveis dos homens.

ALINHAVOS DE LIBERDADE Shellah Avellar

A Arpillera é uma técnica têxtil chilena que possui raízes numa antiga tradição popular iniciada por um grupo de bordadeiras de Isla Negra, localizada no litoral central chileno.As arpilleras originais eram montadas em suporte de aniagem, pano rústico proveniente de sacos de farinha ou batatas, geralmente fabricados em cânhamo ou linho grosso.

Normalmente junta-se retalhos de tecidos e fios para reproduzir cenas do cotidiano ou memórias de ontem , hoje e sempre, que são costuradas à juta em pontos livres.

Não é preciso dominar  técnicas de bordado ou costura. Basta viajar com a  agulha e as linhas com suavidade e criatividade.

 A cantora e folclorista Violeta Parra aprendeu esta arte e a mostrou para o mundo, e exibiu suas obras no Museu do Louvre, em Paris. Violeta dizia que a arpillera é “uma canção bordada”.

E, assim, por meio das arpilleras, as mulheres chilenas do campo e da cidade conseguiram registrar histórias e fazer denúncias dos terríveis tempos da ditadura de Augusto Pinochet nos anos 70.

Dia 11 de maio, estive na IV Feira Nacional da Reforma Agrária no Parque da Água Branca e participei da Oficina Arpilleras com o Coletivo Arpilleras da RSM -Rede de Saúde Mental do MST, que acontece desde 2020, para acolhimento dos(das) militantes do Movimento.

Além de ser acolhida com alegria e carinho pelas moças profissionais e meticulosas, pude experimentar ainda que por um tempo exíguo, a técnica e compreender a intenção das meninas da Arte de Bordar como Resistência.

Um estilo de arte que situa o acontecimento como esperança de vida e sua mobilidade em relação à ética da ação de resistir, herança de luta em dias sangrentos, em que a obra de arte se  transforma em seu próprio mito, de não adequação a um contexto histórico de privação de liberdades.

A IV Feira Nacional da Reforma Agrária, além de oferecer a  abundância de um “possível“ país sem fome, num congraçamento de mãos  produtivas e rostos esculpidos na força da terra,  artistas e artesãos, deixa um lastro de alinhavos livres e bordados que se traduzem no estoicismo da brava gente brasileira.

Que orgulho!

photos: Shellah Avellar

#oAmorSIM

photos :Iara Milreu Lavratti

Coletivo de Comunicação da Rede(RCVD)

Iara Milreu Lavratti / Marilia Fonseca / Gab Monteiro / Giulia Mafort

Coletivo De Saúde Mental da Rede (RCVD)

Paula Sasaki / Carolina Schon

arquivo MST

TESTEMUNHO E LITERATURA Shellah Avellar

Dia 25 de março de 2023 , de 16H às 18H ,na Casa Das Rosas, aconteceu um Encontro de Mulheres Feministas : Deborah Fasanelli ( Professora, psicopedagoga, gestora do município SP, ativista animalista, militante sindical pela Educação ) e Marcella Millano (psicóloga, militante LGBt e anti-manicomial, diretora do SINPSi SP), para discutir os modos de expressão literária sobre a questão histórica do eclipsamento feminino na cultura e no cotidiano, com mediação da jornalista Shellah Avellar, a partir das crônicas e matérias do livro de sua autoria  Mulher na Palma da Mão. Após o debate, teve o show Serenata das Insones, com o grupo Teatro Geográfico (Ayiosha, Barbara,Carol,Carolina,Caroline e Mariana) com direção de Tatiana Vinhais.

Mídia:

Bússola Cultural: semana destaca futebol, música e cinema | Exame

Casa das Rosas no Instagram: “Receberemos um bate-papo especial! ❤️ Testemunho e Literatura é um encontro de coletivos feministas para discutir os modos de expressão literária sobre a questão histórica do apagamento do feminino na cultura e no cotidiano, com mediação da jornalista Shellah Avellar, autora do livro Mulher na palma da mão. Durante o evento, será apresentado o show “Serenata das Insones”, com o grupo “As mulheres que não dormem”, com direção de Tatiana Vinhais. Anote na agenda ✨ 📆 Dia 25/3, às 16h 🌹 Jardim da Casa das Rosas #culturasp #casadasrosas”

Show com artistas latinas e Sarau de mulheres na Rede de Museus-Casas Literários de SP (abcdoabc.com.br)

https://www.casadasrosas.org.br/agenda/testemunho-e-literatura

HISTÓRIAS FANTÁSTICAS (miriammorganuns.blogspot.com)

Mês das mulheres nos museus-casas com show de artistas latinas e sarau. Confira a programação! – dica de teatro

AUÊ.BANDA.NÓS. Shellah Avellar

Povo- Silkscreen sobre chita(2.00x 1.45) Squeff

A lenda de Ariadne, filha de Minos, rei de Creta, conta que ela ajuda Teseu, a sair do labirinto do Minotauro, seguindo um novelo de lã, o “fio de Ariadne”.

Fio de Ariadne, nos permite seguir os vestígios das pistas no inesperado, ordenando a pesquisa, até que se atinja um resultado. O elemento chave para aplicar a linha de Ariadne a um problema é a criação e manutenção de um processo que permita regressar, ou seja, fazer um backtracking.

Backtracking é um algoritmo que representa um refinamento de busca em profundidade.

Agora, por mim denominado AUÊ DE CARNAVAL.

Que não me ouça, o matemático Derrick Henry Lehmer.

Como por aqui, a ordem é subverter, começamos assim:

O jornalista Sergio Gomes, articulador da porra toda, ao sugerir a pauta sobre este acontecimento histórico, e aparentemente “inocente”, me deu o fio e me jogou no labirinto de lembranças, informações e histórias de pessoas lindas. Uma emanação da vontade de estarmos juntos amenizando as dores que nos foram infligidas por celebrarmos liberdades.

Agora não me resta nenhuma solução a não ser “escrever sem moderação”.

Do NAÏF ao HIPER-REALISMO

Em 1 de setembro de 1977, o escritor e jornalista Lourenço Diaferia, publicou a crônica HERÓI. MORTO. NÓS. na Folha de São Paulo.

Folha Online – Folha 80 anos – Tempos Cruciais (uol.com.br)

Diaféria, até então, era considerado pacato, porque imprimia em seu texto universos inquietantes em furiosas brechas de sol, com sua linguagem simples e humor cativante. Um expressivo representante da literatura pós-moderna brasileira. Chegou a ser taxado de Naïf, por Boris Casoy, seu editor na época, que lhe atribuiu o apelido por seu estilo ingênuo.

Acontece que todo Naïf tem um dia de Hiper-realismo.

Ao tomar conhecimento de que o sargento, Silvio Delmar Holenbach, Militar do Serviço de Intendência do Exército, morreu, após salvar um garoto que havia caído em um poço de ariranhas no Jardim Zoológico de Brasília, desencadeou-se nele, um sentido de urgência. Destes, que faz borbulhar nos nervos, a poética da revolta. Onde, se tenta digerir os restos de valores mortos.

Não dava para desviar os olhos. E, o cronista, observador privilegiado da cena, com sua pena, à guisa de microscópio, apontou a virulência.

No olho do furacão dos anos de chumbo, vomitou sua indignação:

“E, todavia, eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao Duque de Caxias. O Duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal”.

Foi o estopim, para ativar a verve sanguinária da repressão e seus asseclas. Não vou citar os nomes, porque aqui só damos créditos aos heróis.

Foi preso em 15 de setembro e solto cinco dias depois. Mas, só conseguiu provar sua inocência em 1980.

Em desagravo, a folha de SP, publicou a coluna dele em branco e os amigos da agência Folha, Jorge Araújo, Sergio Gomes e José Vidal Pola Galé criaram um bloco/passeata NÓIS SOFRE MAS NÓIS GOZA, que desfilava em “ELE”( letra L de Lourenço e  de  Liberdade),no centro da cidade – do monumento ao Duque de Caxias, na praça Princesa Isabel, seguia pela Avenida Rio Branco e Avenida Ipiranga, até chegar ao Bar Redondo.

Havia uma certa apreensão no ar, por conta do assassinato do jornalista   Vladimir Herzog em 1975, o que repercutiu na Comunidade de Jornalistas e na família de Lourenço.

Entrevistamos Geiza Diaféria, esposa de Lourenço, 46 anos depois.

Qual foi o impacto emocional no Lourenço Diaferia, pós-prisão pela repressão em 1977?

Lourenço era uma pessoa com valores muito sólidos. A prisão foi um percalço, o que não o impediu de continuar a expressar sua visão da cidade e do país, mostrando as injustiças, as feridas do povo trabalhador e da cidade, talvez se utilizando mais do recurso do humor em algumas crônicas para que elas fossem mais “palatáveis” a determinados leitores.

Como repercutiu em você? E na família?

Senti uma profunda decepção por ver tamanha ignorância, com uma prisão totalmente sem fundamento, tendo que cuidar de 5 filhos na época, sendo 3 adolescentes e 2 crianças. Os filhos mais velhos já entendiam o que estava acontecendo e ficaram indignados. Os mais novos, embora não entendessem a situação, sentiam a ausência do pai, que era bem presente.

Mudou o comportamento dele como pessoa e como cidadão?

Lourenço continuou a mesma pessoa. A única coisa que ele falou foi “eles não entenderam o que escrevi… Pena!”

Como você definiria numa frase, este acontecimento?

Um momento triste da história em que a ignorância e a violência, sob a égide de ordem e progresso, um cidadão comum foi injustiçado, porque expressou um sentimento comum a muitos que não tinham voz.

Três palavras que traduzam o fato pra você como mulher dele:

Ignorância, insensibilidade e violência.

Ele relembrava a situação? Ou arquivou?

Não gostava muito de relembrar, mas, frente à repercussão do ocorrido, vez ou outra se via obrigado a responder e esclarecer situações relacionadas ao período.

Como se sente ao saber da festa, Auê de Carnaval, 20 de fevereiro, que remete ao acontecido em setembro de 1977?

É muito importante relembrar o que aconteceu no passado para que não se repita mais. E o Carnaval, como identidade do nosso povo, é a melhor forma de confrontar a ignorância.  Acabamos de ter uma pequena amostra de que ainda há muita ignorância nos rondando.

A origem da palavra AUÊ, por si só já é controversa:

Alvoroço. Confusão.Tumulto.

E, em língua africana ioruba, significa “Meu Amigo”.

Ora! Ora! Nada mais pertinente do que um Alvoroço de Amigos.

E, assim, na Praça Vladimir Herzog, durante um dos encontros em homenagem póstuma a Elifas Andreato, que dá nome ao Espaço Cultural a Céu Aberto, o jornalista e artista plástico Enio Squeff, sugeriu a realização de um AUÊ de CARNAVAL, resgatando o bloco NÓS SOFRE, MAS, NÓS GOZA em sua mais completa tradução.

Em seguida, o jornalista, publicitário e escritor Liber Matteucci, “de lá do lado, do lado, do outro lado, do lado, lado de lá ”, em terras de nossos “colonizadores” (ou invasores?),  sugeriu a contratação da Banda Operária da Lapa.

Foi marcada a data:20 de fevereiro, segunda, às 17H.

E, daí, do tempo espasmódico das rebeliões, emerge um estado latente de “comunhão”, travestido num clamor pela alegria. Sugestões, talvez, sussurradas aos seus ouvidos, pelos Magos da Subversão, que deixaram entreabertas, as portas de resistência inabalável.

E, então, como um epitáfio às avessas, honramos nossos companheiros de copo e de cruz, para sempre “presentes”.

E está institucionalizado o AUÊ DE CARNAVAL.

A Corporação Musical Operária da Lapa é uma comunidade musical amadora nascida no final do século XIX. Mistura-se à história de São Paulo, composta pela  classe operária: mecânicos, metalúrgicos, eletricistas, frentistas, bancários, militares e professores, que, ajudaram a tecer sua trajetória impregnada de simbolismos. Enriquecida com a imigração, principalmente italiana, e com a  construção das linhas e oficinas da São Paulo Railway Company.

É qualificada por seus músicos como sendo “a banda mais antiga de São Paulo”. O grupo possui sede própria tombada pela prefeitura de São Paulo, em terreno doado por Nicola Festa.

O que torna uma comunidade musical legítima, é sua capacidade em servir uma determinada localidade. Portanto, a Corporação Musical Operária da Lapa, se estabeleceu gradativamente em um espaço que oferece possibilidades de comunicação e sociabilidade entre seus integrantes e o público.

Segundo o jornalista William Finnegan, “o sentimento de pertencimento a um mundo distinto e integrado, herdeiro de uma tradição orgulhosa e independente, foi reforçado ainda mais pela continuação da longa tradição de bandas de música que desempenham uma função pública para a comunidade local”.

A primeira fase do grupo, um período dúbio, justamente pela carência de informações e a falta de registros, compreende sua fundação e se estende até a fixação do nome “Corporação Musical Operária da Lapa” em 1914.

Este período foi, para o grupo, uma fase marcada pelas intrincadas tentativas de se estabelecer como banda operária remunerada.

Seus primeiros nomes (Lyra da Lapa, Banda XV de Novembro e Banda dos Empregados da SPR), a grande influência italiana através de seus integrantes e singularmente o fato de estar entre as dezenas de bandas e grupos operários de São Paulo expressa que o conjunto foi um produto de seu tempo.

De acordo com a documentação recente da banda, depoimentos, algumas matérias de jornais, os livros de Hardman (2002, p. 371)17, Moraes (1995, p. 157)18 e Santos (1980, p. 81)19 e também de páginas da web, o aparecimento da CMOL é atribuído ao pianista e professor italiano Luigi Chiaffarelli (1856-1923).   *Dados extraídos da tese de Juliana Soares da Costa UNICAMP

No entanto, essa informação é indefinida.

Franco Cenni, casado com a neta de Luigi, relata que Chiaffarelli e  família vieram para o Brasil em 1880 a convite de um grupo de fazendeiros de Rio Claro, a fim de ministrar aulas de piano às filhas de fazendeiros do café. Contudo, Chiaffarelli permaneceu em Rio Claro por pouco tempo e regressou à capital em 1888.

Para esta questão, é necessário nos remetermos ao antropólogo Paul Connerton e sua noção de memória social:

Como as sociedades recordam?

Como é que a memória dos grupos é transmitida e conservada?

“As lembranças grupais se apoiam umas nas outras formando um sistema que subsiste enquanto puder sobreviver a memória grupal”, ressalta a psicóloga Ecléa Bosi.

Ao longo da observação participativa e do manuseio de documentos e reportagens, vimos a banda se reconhecendo como fundada em 1881. Como mencionado, é uma informação perpetuada pelo conjunto por toda sua existência, e ao redor disso criou-se uma narrativa – ou uma “mitologia” – tornando-se uma marca de orgulho para a banda, ter sido fundada por Luigi Chiaffarelli em 1881.

Neste caso, podemos sugerir que alguma performance de banda no bairro da Lapa, em 1881, formada por operários músicos com algum contato próximo a Chiaffarelli, mais tarde faria parte da Corporação, marcando assim a fundação do grupo.

Nossas experiências do presente dependem em grande medida do conhecimento que temos do passado e as nossas imagens desse passado servem normalmente para legitimar a ordem social presente. E, assim, são transmitidos e conservados.

Portanto, a memória social não necessita comprovação: ela é aquilo que as pessoas lembram e que continua a ter relevância no presente, perpetuando-se.

A memória é um espaço onde as esferas biológicas e socioculturais do ser humano se encontram e, ao serem integradas à vida em sociedade, adquirem significados.

A figura de Chiaffarelli e a data de 1881 indicam para os integrantes a importância da banda e trazem um capital simbólico para o grupo, além do sentimento de compromisso com a continuidade da banda.

Luigi Chiaffarelli

Talentoso Pianista, Maestro e Professor, admirado pelos seus alunos, criou em São Paulo uma escola de interpretação musical que persiste até hoje através de seus discípulos.

Passaram por suas mãos, Guiomar Novais, Antonieta Rudge, Maria Edul, Francisco Mignone e Guilhermina de Freitas, entre outros.

Sua filha, Elisa Hedwig Carolina Mankel Chiaffarelli (Liddy Chiaffarelli) casou-se com Paolo Agostino Cantu, com quem teve dois filhos, Elza e Bida.

Liddy, casada pela segunda vez com o Maestro Francisco Mignone, pertencia à sociedade paulistana e tinha sólida formação musical e revolucionou a prática de iniciação musical. Aliou-se a Mario de Andrade na semana de 22, e com seu marido, fazia apresentações em favelas no Rio, com recepção bastante entusiástica. Uma Escola Pública em Paty do Alferes, RJ, leva seu nome.

Seu bisneto, Roberto Cenni (filho de Elza Cantu Cenni e Francisco Cenni), desconhecia a existência da Banda Operária da Lapa. Mas, me enviou uma carta em homenagem ao bisavô, oriunda da Comunidade de Cercemaggiore, cidade natal de Luigi, datada de 06.08.2022, onde apontam o pai de Luigi, Olympio, como maestro de bandas e orquestras, em sua região, o que comprova seu DNA.

Ele declara sobre o bisavô:

Luigi Chiaffarelli veio ao Brasil patrocinado por famílias ricas de Rio Claro e desenvolveu uma importante escola pianística bastante conhecida. Porém este outro lado de promover bandas de operários é bem pouco divulgado. Creio que proporcionar o encontro de “pessoas simples” com a música num país essencialmente capitalista é uma bela atitude e orgulho-me de Luigi ter tido esta iniciativa.

Franco Cenni, Elza Cantu Cenni(neta), Liddy Chiaffarelli (filha), Anna Maria ,Mario Cenni
e Roberto Cenni(bisnetos de Luigi Chiaffarelli) 1958

Acervo Folha SP registro de falecimento do Maestro Luigi Chiaffarelli há 100 ANOS

A formação atual da Banda Operária da Lapa


A Corporação Musical Operária da Lapa ainda se mantém ativa contando com diretoria, regente e estatuto próprios. Foi registrada formalmente como uma associação privada em 1972, e desde então é mantida graças ao caráter voluntário do trabalho de seus membros.
A banda era restrita apenas aos músicos homens, mas, no final dos anos 70, começaram a aceitar mulheres.

Ieda Viera de Figueiredo, trompetista.

É o único elemento feminino da Banda, neste momento.

Professora e agente de saúde. Já tocou na Banda de Osasco. Fez parte do coral da Cultura Inglesa. Já integrou a Banda Operária da Lapa, há alguns anos atrás. Mas, retornou há um ano. Apesar de ser a única musicista mulher da Banda, deixa claro que foi muito bem recebida. Segundo ela, são pessoas maravilhosas. E garante que se sente feliz com a mesma intensidade de quando tinha 20 anos.

Jose Maria Tamburu, sax tenor

Entrou na banda aos 18 anos, e a preside há 15 anos. Diz que todos os momentos têm sido memoráveis, mas, sente a ausência de seu pai, o trompetista João Tambor, que lá tocou por 30 anos. Se ressente da falta de apoio do poder público, para a manutenção das instalações, dos instrumentos, infraestrutura básica e apoio a novos projetos.

Maestro Nestor Avelino Pinheiro

Segundo o maestro a Juventude não tem interesse no estilo de música que as bandas tocam.

“Talvez se houvesse um projeto de Escolinha de Bandas, poderíamos tentar despertar o entusiasmo na molecada.”, sugere Nestor Avelino.

Trompetista, acabou virando maestro, a convite do pessoal da Banda. Nascido em Nazaré Paulista, seguia a banda e gravava as músicas durante as apresentações nas festas locais. Aos 50 anos de idade começou a aprender música.

Acabou entrando na Banda Operária da Lapa e está lá até hoje.

Para ele, a banda por si só já é um acontecimento.
“É minha vida “, finaliza emocionado.

BANDA OPERÁRIA DA LAPA

Aqui jaz a aproximação elíptica de seres ímpares que se amarram em nós, para se definirem como NÓS e libertar os pássaros da Alegria e da Camaradagem em NóS.

Vlado Diaféria Elifas

JORGE ARAÚJO

Fotojornalista autodidata, começa a fotografar em meados dos anos 60, trabalhando desde 1973 para o jornal Folha de S.P. É um dos grandes nomes do FotoJornalismo do Brasil, tendo documentado quatro Copas do Mundo (1978, 1982, 1986 e 1998), diversos outros eventos esportivos, como corridas de fórmula Indy e a Copa das Américas, bem como viagens e campanhas presidenciais e outros importantes eventos políticos.

Compositor do samba Nós Sofre mas Nós Goza, Jorge Araújo é um sorriso largo que inunda o mundo com suas lentes precisas para tirar dos fatos seu melhor momento. Mistura insolências e travessuras legitimamente conquistadas com afeto.

https://clipchamp.com/watch/f3f7I06c7M8

NÓIS SOFRE MAS NÓIS GOZA

A gente canta o sofrimento

Em verso ou prosa

Nós sofre, mas nós goza

Nós sofre, mas nós goza

Ai, que delícia

Tenho andado neste bloco-passeata

Pra lembrar Lourenço Diaféria

Nesta praça

E o que me resta

É o grito bem gritado

Meio troncho de saudade

É tudo o que me resta

Me espanca com o pandeiro

Me agride com a cuíca

A gente canta o sofrimento

Em verso e prosa

Nós sofre, mas, nós goza

Ah que delícia!

JOSÉ VIDAL POLA GALÉ

Mais conhecido como Pola Galé. Nasceu em Marília, no interior de São Paulo, no dia 6 de dezembro de 1952. Filho de espanhóis, tem memória de muitas histórias da Espanha, inclusive da Guerra Civil Espanhola, já que seu pai participou. Morou durante um semestre em Tauste, região em que seus pais nasceram. Mudou-se para Ribeirão Preto e foi lá que ele estudou e cresceu, foi pra São Paulo para fazer faculdade de jornalismo na USP e começou a trabalhar por lá. Trabalhou na redação da Gazeta Esportiva, na Folha de São Paulo, Editora Abril, TV Globo, Record e TV Cultura.de jornalismo da TV Cultura. Com mais de 30 anos de profissão e se tornou um dos nomes mais respeitados no telejornalismo brasileiro.

ÊNIO SQUEFF

Jornalista e artista plástico, teve a ideia de fazer acontecer na praça este Auê de Carnaval em homenagem ao Lourenço Diaféria.

Extremamente versátil, Squeff é um dos grandes nomes da Arte Brasileira, trabalhando com a renovação da tradição pictórica e abordando uma gama variada de temáticas, sobretudo aquelas consideradas relevantes para a cultura brasileira e, em especial, a paulistana. É reconhecido internacionalmente por suas ilustrações de obras literárias.

Em seu portfólio encontramos ilustrações, aquarelas, pinturas, xilogravuras, vitrais, painéis, entre outras linguagens.

Desafiou-se, confeccionando em exíguo tempo, 15 estandartes (1,45 x 2,00) m2 de pintura e impressão silk-screen sobre chita, sendo 12 móveis e 3 fixos.

O tecido chita, foi escolhido propositadamente por Scheff, não somente por seu baixo custo e fácil manuseio, mas, por ser um verdadeiro ícone da cultura popular brasileira.

LIBER MATTEUCCI

Jornalista, lecionou Redação na PUC-RJ. Publicitário no eixo Rio/SP e em Lisboa. Diretor de Criação da Agência da Casa da Rede Globo-RJ e Tele Monte Carlo em Roma. Escreveu textos de humor para revistas, roteiros de HQ e colaborou no Pasquim. Em 2011 publicou o romance “Sangue Bom” (finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2008), “O Espírito da Coisa” e mais três livros. Hoje, dedica-se inteiramente à carreira de escritor.

Apesar desta biografia recheada de feitos estrondosos, Liber é um homem simples, sensível, talentosíssimo e solidário, e aí reside sua força hercúlea em se reinventar. Uma obra de arte que tende a maravilhar as pessoas ainda que à distância.

Típico de uma pessoa que se provoca e busca outros caminhos, começou a aprender clarinete aos 50 anos. Tocou na Banda Amigos do Castelo Novo, em Portugal, de 2001 até 2011. E, ao voltar para o Brasil, se ofereceu para tocar na Banda Operária da Lapa e foi amplamente aceito. Por lá ficou por 3 anos.

Ele sugeriu a contratação da Banda para o AUÊ, e, para isto, ressuscitou em si o menino ávido por aprender e revelou o homem grato. Que beleza de pessoa.

Painel de azulejos presenteado pela sua mãe quando integrava a Banda Castelo Novo, Portugal.
Liber Matteucci é o quarto da esquerda para a direita.

OSWALDO LUIZ COLIBRI VITTA

Está na estrada do jornalismo há 45 anos. Já trabalhou nos principais jornais brasileiros: Diários, Folha de São Paulo, Estado e O Globo .E emissoras de TV: SBT, Record, Bandeirantes e Globo. Começou no rádio como produtor do Studio Free, em 1976. Foi repórter e chefe de reportagem na Rádio Globo e Record. Há quinze anos trabalha em projetos de comunicação dos trabalhadores. Foi apresentador do Jornal Brasil Atual . Em 2017, ganhou o prêmio APCA com o programa musical “A Hora do Rango”. Hoje dirige a Rádio Brasil Atual, 98,9 FM. 

Apesar do lastro curricular e promover revoluções artísticas por aí afora, Oswaldo se expressa através da alegria. Tudo nele é movimento. É ritmo.

Não por acaso seu apelido é Colibri, que ele assina como sua identidade maior.

Me falou com orgulho da fábula do Colibri, que descreve um grande incêndio na floresta e os animais fogem. Mas, o colibri, voava até o lago mais próximo e regressava com uma gota no bico. E, aos críticos, ele dizia estar feliz de fazer sua parte.

Colibri, faz, com profissionalismo e solidariedade, a curadoria dos artistas e músicos da Praça Vladimir Herzog  e do Centro Cultural a Céu Aberto, desde que Elifas Andreato nos deixou. Arregimenta talentos que se apresentam gratuitamente, porque apostam em sua seriedade e em seu compromisso com a qualidade.

E, arrisco aqui, que me perdoem os ateus, a exaltar a sua ternura, com outra lenda guarani: acreditam que o Mainimbú(Colibri) tem um dom especial de coletar o melhor dos que se foram e levá-los para o céu, em seus delicados bicos. Creio que Elifas Andreato e Vladimir Herzog estão gratos por isto.

Alguns eventos já realizados no Centro Cultural a Céu Aberto Elifas Andreato, que tem acontecido na Praça Vladimir Herzog. Confiram!

SAMIR SALMAN

Médico, administrador e idealizador do Hospital Premier – Grupo MAIS, que é o primeiro hospital privado do Brasil norteado pelos cuidados paliativos.
Gestor da São Paulo Internações Domiciliares, reconhecida hoje, como uma   das mais respeitáveis empresas do segmento de Home Care.

Dentro do Grupo MAIS, Modelo de Atenção Integral à Saúde participou na gestão de planos de saúde, equacionando recursos e controlando carteiras com ferramentas de monitoramento e medicina preventiva.
Ativista ferrenho  de  frentes que defendem políticas públicas ligadas ao envelhecimento e aos cuidados paliativos.

Todo AUÊ precisa de um porto seguro, para que os amigos possam ser cuidados condignamente, quando atingem a margem fronteiriça da vida.

Samir, “companheiro falante”,(em árabe), curiosamente “silencia”, mas, observa e se movimenta, para que os detalhes pragmáticos sejam providenciados e o AUÊ aconteça. Assim como o jurista e médico AVERROES, autor de A Destruição da Destruição (ou A Incoerência da Incoerência), Samir enxerga o paradoxo inerente às cabeças brilhantes dos anciãos e seus corações-meninos.

SERGIO GOMES

Jornalista .Em 1978, fundou a OBORÉ EDITORIAL. Desde 1994, é seu diretor titular. Lecionou na USP: Jornalismo Sindical, Comunitário e Popular de 1986 a 1992.E atuou na imprensa sindical. Atualmente, integra o Conselho Deliberativo do Instituto Vladimir Herzog e coordena o Projeto Repórter do Futuro. Acumula prêmios nacionais e internacionais como jornalista e defensor de Diretos Humanos. OBORÉ Projetos Especiais (obore.com)

Serjão, é muito mais que um tratado curricular. É um moto-contínuo. É a causa e o efeito. É o indivíduo e sua potencialidade criativa em juntar pessoas e colocá-las frente à sua própria grandiosidade. É nessa busca por unificação que nos comove em sua constante reverência pela amizade.

Sua experiência de vida que lhe levou ao limite da resistência física, em que o corpo foi levado à última armadilha que enreda o homem no desespero. O despojamento. O nada esperar. Onde a última esperança estava morta.

E teve o privilégio de sobreviver para reportar e continuar como protagonista de uma ressurreição vitoriosa com o olhar no futuro.

Um apelo amoroso que se refugia em seu corpo-muralha, impostura de uma ficção verdadeira.

Uma filosofia de sustentação de proezas guerreiras e políticas, enfrentando os demônios e seus embelezamentos patéticos de pseudodemocracia, com uma lucidez mítica.

A sua profecia é a ação aqui e agora.

Sergio Gomes é uma espécie de declaração solene que não foi publicada condignamente.

Chego ao final do labirinto, onde lhe entrego o fio de Ariadne. Depois de me permitir navegar por tempestades de lembranças em um mar de memórias atadas por laços inextricáveis.

Só sinto gratidão pela confiança em minha aventura e pela oportunidade de poder me lançar neste AUÊ, onde a amargura pela ausência de seres tão queridos e especiais deu lugar a esta epopeia abstrata, que resgata heróis do balão de ensaio da vida onde há risco e dor, mas, também, permite uma ode aos homens-carvalho.

E, assim termino a minha jornada mítica do herói, invertendo a marchinha de Chico.

Desta vez, a banda fica parada a nos ver passar, nos despedindo da dor,   cantando coisas de amor.

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