A TEIA DE PENÉLOPE Shellah Avellar

Para Vovó Lila

Olhar sereno. Profundo. Silêncios ensurdecedores.

Gavetas de retalhos coloridos. Terços imantados nas ranhuras do seu tempo.

Vovó Lila era um oásis no meio das tormentas.

Sim. Sua vida era o entretecer. Era o que acontecia entre alinhavos e desalinhos.

Infância intrigante. Morou numa fazenda que tinha escravos( o que me causa bastante desconforto). Sua mãe, a única filha mulher entre homens. Seu pai, um capataz. Sua mãe foi deserdada por preferir um trabalhador rural e não os pretendentes indicados pelos pais.

Mudaram para um sítio.

Daí, já vinha o conflito, que iria chulear sua história.

De agulhas e linhas em punho vai costurando sua vida, um rosário de lágrimas.

Mocinha, se apaixona pela primeira vez. Mas, segundo ela, o tal moço foi-se embora para nunca mais voltar, deixando seu coração desalentado e algumas ilusões desbotadas.

O destino lhe reserva uma segunda chance. Moço bem apessoado, lá das bandas de Niterói, capital do Rio de Janeiro na época, entra em cena e reacende seu coração desesperançado.

Cai em suas graças e fica à mercê de sua mente afiada e de seu humor ácido. A boa e velha parceria Taurus e Virgo se consolida.

Mas, oh…o equívoco. O tempo lhe mostrou uma outra face deste taurino às avessas, que ao invés de prover, jogava sua vida fora nas cartas e no álcool.

E a insegurança material era a bola da vez. Vivendo de favor, de casa em casa. O que lhe deixou marcas indeléveis e em suas filhas.

Inverteram-se os papéis. A mulher sensível e disciplinada se vira do avesso e forra sua vida com o aprendizado do ofício de costurar e bordar.

Afinal, já existem duas filhas para sustentar. É preciso se fortalecer e resistir às intempéries.

Dona Lila vai à luta. Costura dia e noite e noite e dia. Borda e tricoteia. De tudo faz arte e chega a dar aulas de bordado na multinacional Singer do Brasil.

O resultado é a herança de colchas, toalhas e lençóis de linho bordados à mão e à máquina. Primoroso trabalho que hoje lhe daria um bom troco. Pelo que vejo nas lojas de roupas de cama e mesa , de alto luxo por aí nos shoppings da vida.

Eline Sağlık , como diriam os turcos: -Saúde para suas mãos diligentes e precisas.

Tudo o que fazia era com esmero. Desde a arrumação da casa até a lavagem das roupas e impecáveis passadas a ferro. Sua comida era deliciosa. O aroma dos temperos engoliam a atmosfera da casa e nos fazia salivar.

E suas confecções de indumentárias certamente causariam algum estupor e excitação à Chanel e Dior. Até os meus dezoito anos, eu desenhava e ela confeccionava minhas roupas.

E, repetia, com orgulho:-Uma boa costureira se conhece pelo avesso e pelo acabamento “.

Tudo com a precisão de um reloginho suíço. Creio que desbancava as formiguinhas. Tenho minhas dúvidas se não há um monumento erigido à Dona Lila nos formigueiros profundos deste planeta .

Sinto, até hoje, falta do cheirinho gostoso de sua broa de fubá, que ficava pronta às 15h em ponto. Era só correr para a cozinha que lá estava a majestosa broa, no centro da mesa, junto de um bule de café fumegante.

Eu dispensava o café. Hábito de consumo, que só fui adquirir em São Paulo, muitos anos depois. Eu pegava uma faquinha e tirava somente a casca da broa, porque nunca gostei de maçaroca, nem miolo de pão e nem de pastas. Ela ficava fula da vida e saía correndo atrás de mim e gritava:- “A ratinha já passou por aqui”. E, isto, era todo santo dia e outro também.

Quando meu pai se casou com sua filha mais velha, sua primeira providência foi comprar a casa onde meus avós maternos moravam de aluguel, para sanar de vez a preocupação de minha vó e minha mãe, de ter um teto para chamar de seu.

E, este gesto lhe rendeu uma gratidão milenar e o título honorário de filho forever and ever.

Sempre soube que meu avô materno era adicto de jogos de azar e dependente de álcool. Entretanto, nunca o vi alterado porque minha avó Lila tinha dado um basta naquela vida de esbórnia, para o bem de todas e felicidade geral da nação, colocando remédio em sua comida, para frear o vício que alimentava outros vícios.

Quando meu pai morreu, num acidente de automóvel, meu avô, olhos em chamas, apareceu, embriagado, lá em casa. Eu abri a porta. Ele se ajoelhou e me pediu perdão, dizendo que ele deveria ter morrido e não meu pai. E que tinha perdido um filho. Caiu em prantos e eu com ele. Nos abraçamos e só consegui sentir paz por aquele sentimento tão contundente, misto de admiração e dor.

Anos mais tarde, quando meu avô foi acometido por um câncer avassalador no baço , minha avó Lila cuidou dele com tamanha dedicação e carinho, como se fosse um bebê. O bebê que não cresceu. Que ela cuidou até o fim, como mãe, irmã e companheira.

Lembro-me bem, quando ele, esquelético e já bem fragilizado, sentado no sofá, e minha avó de pé. Ele abraçou sua cintura e descansou a cabeça em sua barriga, e num gesto extremado de arrependimento, agradeceu a ela por tudo e os espinhos foram dando lugar às rosas despetaladas por toda uma existência.

Quando, finalmente, ele partiu, sentada a seu lado no sofá da sala, presenciei seu choro contido e liberado aos solavancos da dor de toda uma jornada de renúncia à sua própria felicidade em prol dos seus.

Ela liberava um suspiro profundo a cada expirada como se o peso fosse demasiado pesado para descarregar de vez.

Anos depois, quando decidi me separar de meu marido, após um ano de relacionamento, e dar um basta num casamento com afeto, mas, prematuro e imaturo, fui me aconselhar com ela. Eu disse: – Não quero continuar. Creio que cometi um equívoco. Gosto dele, mas não quero fazê-lo sofrer. Creio que nos distanciarmos agora será melhor para os dois.

Ela disse: -Faça isto minha filha. Antes que seja tarde demais. Eu não pude fazê-lo. Faça por mim e por você.”

Algum tempo mais tarde, já em São Paulo, quando pari minha filha, e resolvi criá-la sozinha, ela estava lá, de braços abertos para recebê-la.

Pude apreciar finalmente sua alegria.

Seus olhos brilhavam. Era a continuidade. A vida em seu esplendor.

Ela pôde ser, simplesmente avó, na sua mais completa tradução.

Testemunhei seus paparicos e sua volta à infância. As duas, ela e minha filha, brincavam e brigavam pela posse de brinquedos. Uma me fazia queixas da outra.

 E, isto, era cômico e lindo.

Ainda guardo a lembrança de você, vovó, na sua poltrona favorita, com minha filha bebê em seu colo e as duas dormindo o sono dos anjos.

Anos mais tarde, fui acolher minha tia, sua filha mais nova e minha madrinha, sem filhos, que teve um diagnóstico implacável de câncer no pâncreas, fígado e rins. Os médicos lhe deram 3 meses de vida. Fui para os Estados Unidos. Os médicos se enganaram. Ela sobreviveu ainda um ano e meio, após este diagnóstico.

Quinze dias depois que cheguei lá, minha vó Lila, faleceu na Santa Casa de Barra do Piraí, no estado do Rio de janeiro..

Não pude estar com ela. Não havia tempo hábil para chegar para o velório e sepultamento.

Morreu sem saber que a filha mais nova tinha câncer e estava com os dias contados. Não sabia conscientemente.

Mas, resolveu ir-se embora para recebê-la, lá num espaço sem tempo e nem lugar, onde os sonhos se tornam realidade.

Ela não se cansava de repetir em várias outras ocasiões , que eu “puxei a ela, nas artes.”

E eu sou grata, vovó, por você achar que estou à altura de seu talento e de seu DNA.

Espero jamais decepcioná-la, estrela que abdicou de seu brilho. Passarinha que optou pela gaiola. Força obscura de seu elemento terra que explodiu em frutos para dar de comer às filhas. Húmus que vomitou flores para enfeitar a opacidade de seu entorno.

E, eu sei, que em alguma nuvem cor de rosa, você está sentada confortavelmente, tecendo a teia de Penélope, aguardando o retorno de seu Ulisses, para que a profecia dos contos de fadas se concretize e você possa desfrutar da felicidade que tanto merece.

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Penélope – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

VOLVER A LOS 64 Shellah Avellar

Volver a los diecisiete después de vivir un siglo

Es como descifrar signos sin ser sabio competente

Volver a ser de repente tan frágil como un segundo

Volver a sentir profundo como un niño frente a Dios

Eso es lo que siento yo en este instante fecundo

Violeta Parra, “Volver a los 17”

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Subindo o tom doloroso até o sublime, minha fala tem um quê de garota, quando se trata do golpe militar de 1964, que está completando agora 57 anos.

Brusca epifania que me aperta a garganta.

Na época eu tinha nove anos de idade. Não sabia do que se tratava. Somente que, de repente, minha casa virou um pandemônio. Ora militares do Exército, ora da Polícia Militar chegavam sem avisar e sem pedir licença e jogavam tudo pelos ares e nos reviravam pelo avesso.

Numa destas vezes, eu brincava no quintal, sol a pino, e uma sombra por detrás me fez voltar a cabeça. E me deparei com uma metralhadora bem diante do meu nariz. Enquanto isso, outros invadiam minha casa.

A imagem de minha mãe desfalecendo e se “urinando” na porta de entrada.

Meu avô trancando as portas e janelas de sua casa, que ficava no mesmo quintal.

Os livros tão amados por meu pai e por mim sendo jogados numa fogueira, sob meus protestos e prantos.

Durante alguns muitos anos, eu ainda desmaiava quando via um carro de polícia ou caminhão verde de manobras do Exército.

Não se falava no assunto. Bullying na escola, quando colegas me importunavam pedindo informações: “Por onde anda o seu pai???”. Naturalmente orientadas pelos pais deles para que eu revelasse o paradeiro do meu e pudessem eles mesmos denunciá-lo à repressão, ou por simples mórbida curiosidade.

Naturalmente não sabia o que era ser esquerda no país.

As incoerências me avassalam hoje, tanto quanto antigamente. Via meu pai ser recriminado e eu também, por tabela, por ser a filha do comunista.

Recebi certa vez uma carta de meu pai por intermédio de um cadete, em que me explicava que estava preso por pensar diferente dos homens do poder e não porque havia cometido algum crime, do tipo roubar ou matar.

Na verdade ainda nem sabia que meu pai estava preso, tamanha era a confusão em que nossas vidas haviam se transformado.

Silêncios. Cochichos. Mistérios. Medo.

E solidão. Muita solidão.

A ARTE IMITA A VIDA?

Em 1997, assisti ao filme O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira. E dei muita risada. Coisa curiosa ver atores e atrizes, cuja característica principal era o humor (por causa das atuações em divertidas séries televisivas), em papéis de drama extremo. Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, Pedro Cardoso e Cláudia Abreu, atores que respeito muito e admiro, fazendo os revolucionários e sequestradores. Não me comovia. Não me atravessava, naquele momento.

O que é que é isto, Companheiro? filme de Bruno Barreto

Entretanto, num dia qualquer de 2003, aqui em São Paulo, fui ver Kamchatka, sem ler sinopse, tampouco resenhas. Pelo título achei que deveria ser algum filme passado em um cenário oriental. Totalmente desavisada e com minha filha, que deveria ter uns nove aninhos, me sentei, com pipocas em punho. À medida que o filme foi acontecendo, pela visão de um menino de nove anos, cujos pais eram militantes na ditadura da Argentina (1976-1983), fui me vendo, não na história em si, fui me identificando com o olhar de quem vivenciou aqui no Brasil aquela solidão. A falta de informação e o medo. As cenas se sucediam e uma, em especial, em que o menino corria atrás do carro dos pais, me remeteu a um dia, quando chegava da escola e vi um jipe do Exército levando mais uma vez o meu pai. E eu correndo gritando atrás do jipe na esperança de tentar deter mais uma vez o sumiço dele. O desespero do menino e aquela sensação de perda e de abandono me aterraram e despenquei num choro convulso e catártico dentro do Cine Lumière, no Itaim Bibi. Luzes se acenderam. Havia umas quinze pessoas. Fui até o toalete e lá continuei num pranto convulso que jorrava desapontamento, cicatrizes indeléveis de um tempo ladrão de alegria e sequestrador de ilusões. Era o disparador de tantas mágoas contidas. De tanto desconhecimento. De tanta dor. Ainda assim voltei para ver o filme e continuei soluçando durante toda a segunda projeção.

Minha filha, em sua ingenuidade, sacou: “Você tá assim porque se lembrou do vovô?”. Isso, sem nem sequer tê-lo conhecido, porque ele morrera num “acidente” de carro em 1971. E ela nasceu em 1993.

Kamchatka, de Marcelo Pineyro (Argentina, 2002)

O NÃO PERTENCIMENTO

Mas, e daí? Cresci achando que meu pai morreu num acidente trágico. Hoje, cinquenta anos após sua morte, alguns insistem na hipótese de não ter sido acidente. E me vejo às voltas com a Comissão da Verdade, procurando agulha em palheiro.

Mais um baque num corpo emocional que acredita ter superado essa questão, que, entretanto, volta sempre a incomodar. Reverencio a revolucionária que em mim habita, defendo-a e encaro a disciplina que ela exige para se realizar. Volto à juventude que clamava por um mundo ainda possível naquele realismo utópico, de “resistência”.

Vejo tantas e tantas reportagens, artigos, pontos de vista sobre estes 50 anos do golpe. Entretanto, tem gente da minha geração que passou por ela e não sabe que ela existiu.

Mais uma vez, este sentido de “não pertencimento” me acomete. Não se ouviam os gritos. Não se presenciavam os horrores. Tudo era minuciosamente camuflado dos sentidos dos homens comuns. Só rufavam os tambores para os “de esquerda”. Para os que se achavam inteirados de tudo e lutavam pela Liberdade. Liberdade, esta, questionável aos olhos da elite conservadora e do sectarismo da Igreja. Não me reconhecia e não me reconheço ainda nestes moldes de hipocrisia.

Hipocrisia, esta chaga que sangra e se arraiga cada vez mais nos modelos do establishment.

BASTA!

Sei lá se escrevo bem. Sei lá se estou sendo fiel aos mártires deste holocausto brasileiro, pelo valor universal que eles merecem por uma luta à altura de sua história.

Fiz protestos. Shows em universidades. Peças de teatro e festivais de música. Muito antes de ser uma universitária. Queria que ouvissem o grito da minha dor. Era uma graça que me concedia para me suprir da minha própria perda.

Continuo hoje tentando ser solidária a meus sentimentos e a minha verdade grita: “Chega!”.

Basta de se esconder debaixo da capa burguesa que corrompe tudo que toca. Destas amostras de barro que nos formatam, endurecem e paralisam em nome de uma vida melhor. Das etiquetas e do status que determinam nosso padrão de vida, como “bem ou malsucedido” pelas posses, pelos cargos, pelos títulos e pelas aparências.

Não me detenho mais em nome de nenhuma doutrina, partido, associação, seita ou facção. Sigo em meu próprio nome. Na verdade vou (me) esculpindo, dia após dia, ao encarar e transmutar minhas crenças provisórias.

Me interessa “tentar”, ao menos, ser coerente com o que penso e digo. Para não dar distorção e me transformar num ser humano amorfo, cuja legenda está fora de sincronismo. Dou lugar àquela criança impetuosa.

Não sou de direita. E me recuso a ser muro. Pendo, sim, para a esquerda. Porque é a esquerda que reconheço, através dos séculos de história de exploração do homem pelo homem, que vem gritar contra as injustiças sociais, contra os preconceitos, contra as discriminações de qualquer tipo, gênero, raça, fé e poder econômico.

Não me filiei a nenhum partido nem a nenhuma facção política, a fim de continuar livre para ir e vir. As associações e instituições refletem os preconceitos e estereótipos de seus dirigentes. E cada uma, a seu modo, tenta nos incutir seu modus vivendi, estendendo seus tentáculos para nos transformar em seres robóticos, acomodados numa forminha de gelo, a seu bel-prazer.

À LA GAUCHE

Volvendo à esquerda, quando ela cumpre seu papel revolucionário de ir contra a corrente, do abuso de poder e das ideias. Sejam elas quais forem. Principalmente se ela está a favor dos fracos e oprimidos, dando a eles condição de sair de sua triste condição e ensinando-os a lutar pelos seus direitos, qualificá-los pessoal, profissional e socialmente, mas sem desconhecer seus deveres.

Assim como há pobres soberbos, há ricos humildes. O homem imprime seu valor com ações e frutos. O subversivo é quem subverte o que oprime. Jesus era subversivo aos olhos do governo de Roma. Não havia outra solução a não ser eliminá-lo, por um motivo qualquer, como continuam fazendo com quem incomoda o poder vigente. Há casos em nossa própria história, como Tiradentes e mesmo o contraditório Calabar, que decidiu trocar de lado, a favor talvez de um protopovo brasileiro. E tantos outros por aí afora.

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Protesto contra a ditadura, 1968, Rio de Janeiro

DESANIVERSÁRIO

Nestes 57 anos de desaniversário do golpe de 64, só me lembro de que perdi meu pai tantas e tantas vezes. Ora pelo desconhecimento de onde ele estava. Ora pela própria militância. Ora pela Polícia Militar. Ora pelo Exército. E, finalmente, pela própria morte, em 1971.

E me desculpem os que se consideram “de direita”. Os que se consideram os certos e bem direcionados na vida. Os formadores de opinião. E mesmo alguns acadêmicos e intelectualizados da elite da esquerda. Muitos destes nem sequer sabem o que é militância.

Só me lembro do seu olhar, na hora de irmos embora, quando íamos visitá-lo, quando finalmente soubemos onde ele estava.

E do dia em que finalmente voltou para casa e seus amigos lhe perguntaram qual o sabor da Liberdade. Ele respondeu que ainda era cedo para descrever. Com seus braços amarelos de nicotina até o cotovelo, olheiras fundas, manchas roxas e afundamentos por todo o corpo esquelético. E uma tristeza milenar, que identifico nos olhos de Che Guevara, de Mandela, de Gandhi. Tais como os olhos de Jesus em suas tantas representações pictóricas. Imagens que vêm, vez por outra, atormentar meus eternos questionamentos.

Idealismo? Endeusamento? Sei lá… Meu pai era um pobre militante anônimo para as estrelas da luta armada em todo o país. Como centenas de outros hoje desaparecidos, sem paradeiro, sem história. Apenas um fantasma que nos assombra. Em nome de um passado sem glórias.

Mas, para mim, era, e é, um herói que me ensinou, pelo exemplo, que todos os homens são iguais, e também a não se curvar diante da ilusão de poder, seja ele qual for.

Imperfeito. Assumia suas incoerências. E ouvia com atenção minhas admoestações de menina e moça. Me dando ares de importância. Apoiava minha forma de realizar e me deixava livre para errar e acertar por minha própria conta. Parece que sabia que iria logo embora e procurou passar, desde cedo, livros e ensinamentos, em que me calco até hoje.

Simples. Direto. Uma oralidade ímpar. Carismático e amado por todos, ou quase. Naturalmente não pelos que se consideravam os baluartes da história dos supostos não pensantes. Ele, para estes, era a ovelha negra, a ser extirpada da sociedade. Mas o seu amor incondicional pelo ser humano me encantava e me comove até hoje. Guardo de 64, e dos anos de ditadura, marcas que dificilmente o tempo apagará. Assim como alfinetes esquecidos por algum alfaiate distraído. Mas não faço a apologia da necrofagia. Entretanto, apesar das infâmias praticadas em nome da lei e da ordem, nenhuma especulação escapará da trágica realidade da história.

Mas o amor que aprendi com este amigo, irmão, companheiro e só por acaso meu pai me acompanha, e me faz não desistir cada vez que encontro muralhas de incompreensão. E, resistindo à hipocrisia, me rendo à Liberdade.

Oh! Liberdade! Liberdade!

Que ela abra suas asas sobre nós.

E volvo a los nueve, doce, diecisiete, dieciocho, tantas vezes quantas forem necessárias, para louvar o presente de ter tido Almair Mendes Avellar como meu pai, meu país nesta “encadernação”.

Nota da autora:

Escrevi esta matéria em 2014.No Desaniversário de 50 anos do Golpe Militar de 1964.Este texto, despertou a atenção de vários jornalistas .Fui entrevistada pelo Jornalista Peu Robles para o site MEMÓRIAS DA DITADURA. ( Memórias da ditadura – Instituto Vladimir Herzog ) que percebeu minha agitação e me recomendou para a Clínica do Testemunho do Instituto de Projetos Terapêuticos -projeto de um grupo de Psicanalistas e Psicólogos que acolhiam em rodas de conversa e desabafos os ex- presos políticos , exilados e seus filhos e netos. Este projeto durou 2 anos e lá fui recebida com calor humano por todas e todos e pude falar com tranquilidade sobre o assunto depois de quase 45 anos de silenciamento.

Depois participei do projeto Margens Clínicas entre outros.

Posto aqui o registro da Oficina Retalhos de Memória da designer Camila Sipahi, que fazia parte de nosso grupo ,onde bordamos sobre fotos nossas e de nossos queridos e queridas redefinindo as memórias e reconstruindo os cacos da devastação que a Ditadura Militar deixou em nossos corpos, corações e mentes.

“Na Clínica do Testemunho, através dos Projetos Terapêuticos e memórias de dores revividas como resquícios da Ditadura Militar, alinhavamo-nos uns aos outros. Aprofundamos a busca por relações mais profundas, entremeadas por emoções recortadas e bordadas no processo.

MEMORIAL DA RESISTÊNCIA SP

Este Estandarte está exposto no MEMORIAL DOS DIREITOS HUMANOS em Belo Horizonte,MG

#aMemóriaSIM #aVerdadeSIM #aJustiçaSIM

HOJE

Estamos em 2021.A pandemia do Covid 19 e suas mutações ,dispara como um raio sob o descontrole de um governo eleito pelo povo, pós novo golpe em 2016.

Aos berros de uma evocação à família e à igreja, destituíram a primeira mulher eleita presidenta do Brasil.

E,hoje, com mais de 300 mil brasileiros mortos pelo Covid, e outros tantos milhares internados em estado grave,e outros à espera de insumos, medicamentos, tratamentos ,leitos e vacinas, o nosso desgovernante tenta desesperadamente se manter no poder, desestabilizando as instituições , a economia, a educação ,as ciências e as artes.

Uma arrogância cega que deixa um rastro de dor e miséria, e, ainda assim, encontra ressonância em seus vassalos, com os quais, articula constantemente perfídias contra o povo brasileiro.

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CAÇADORA DE MIM Shellah Avellar

Me agito na cadeira.Ouço passos.O suor me inunda.Taquicardia.Respiração ofegante.Vou desfalecendo.

É ele! E vem se aproximando rapidamente. O monstro da Lagoa: o Pânico!

Será mais um ataque?Uma síndrome?Um medo de viver?

De viver? Ou de morrer em vida, sem motivo,sem perspectiva e sem esperança?

O caixa tilinta os alarmes das contas a pagar que se acumulam pelas escrivaninhas e estantes a me lembrar da dura realidade.

Os inúmeros certificados , apostilas de cursos ,cartas de referências ,seminários,especializações se empilham empoeirados nas pastas coloridas, modernas e organizadas de meu home-office.

Projetos engavetados descansam irrequietos , à espera de ação imediata.

Os prêmios conquistados jazem esquecidos pelas prateleiras de uma vida de workaholic ,perfeccionista e dedicada.

Num impulso ,contrato os  serviços de agências de emprego.

Os head-hunters me confundem .Meu curriculum vitae é excelente.”Um nível de excelência ímpar “,dizem.

Mas,para os empregadores, é muita experiência.Precisamos de alguém mais novo.Que precisa aprender conosco,”sem vícios”.

Ou ,”sua experiência multifacetada é altamente interessante ,mas precisamos de alguém mais técnico.”

Os jovens entrevistadores se pegam  sonolentos  com o meu “português”,sem expressões idiomáticas ou sem “a nível de “.

Ou simplesmente não retornam mais, assim como “Conceição,se subiu,ninguém sabe..ninguém viu…”

O desabrochar do individualismo reafirma o perfil do novo trabalhador: autônomo, flexível, capaz, competitivo, criativo, agressivo, qualificado e empregável. Estas habilidades o qualificam para a demanda do mercado que procura a excelência e saúde perfeita. Estar “apto” significa responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e culpá-los pelo desemprego, aumento da pobreza urbana e miséria, e impondo aos mesmos , a origem do verdadeiro significado de trabalho = tripalium, sinônimo de tortura.

A retirada mensal vai diminuindo a cada ano. Creio estar apta para a faxina.A começar pela limpeza da minha própria vida:Amassar os diplomas .Balançar o bum –bum nas baladas de cada dia.. Tomar energéticos.Me embriagar com “ices”.Colocar silicones. Fazer aplicações  de botox.Fazer uma tatoo tribal.

Malhar diariamente com o mais novo tênis de impacto. Frequentar os bares e restaurantes da moda.Fazer escovas progressivas.Luzes californianas.Unhas  multicoloridas.Rodar poraí num carro importado.Portar relógios rolex e cheirar aromas de griffe .

Fazer psicoterapia de grupo assistindo a reality-shows para reaprender a viver em sociedade  e trabalhar em equipe.

E “estar me especializando” (ou me gerundizando)em gestão de qualquer coisa. Ser politicamente correta.Me familiarizar com os dialetos do mercado.Entrar na “vibe” e destilar  veneno nos corredores .Puxar tapetes .Engrossar a agenda,fazendo “contatos imediatos”.Pegar BVs de clientes incautos.Adotar um sorriso de plástico e hastear para sempre a bandeira da hipocrisia.

Amigos me cobram o ânimo de ontem. A vitalidade de ante-ontem.Os sonhos abortados.A crença positiva de que tudo vai mudar.

No entanto, um suave relaxamento se apodera de mim e uma voz lá de dentro me desafia: ”Já tá na hora de programar um novo fim e acionar um recomeço digno de sua capacidade e liderança.”

Há  consciências que precisam ser abertas e que clamam por minha mão firme e passos resolutos.

Caminho em direção à porta com a convicção de que o mundo precisa de mim. Arrogância? Pretensão? Sei lá!

Uma força surda me impulsiona pra frente. Me faz saltar da cadeira.Corro para um parque próximo à procura de ar puro para me oxigenar.

Não hesito.Sigo em frente  com a certeza  de que cabe a mim ,só a mim,me resgatar.

O grito de guerra que escapa de meu peito ,queima as marcas da insatisfação  e acende as fagulhas da fé interna.

Por que ir ?  Pra onde ir? Como ir? Quando  ir?

Meus passos me levam a uma clareira. Olho para um céu límpido ,e, quero o chão. Mas, me deixo penetrar pela profundidade do éter que me engole e me transporta para além de mim.

Os redemoinhos das brancas nuvens me envolvem .Me deixo cair na maciez daquele colchão de nimbos,que anunciam um tempo bom..

Sei que tudo isso é passageiro. Talvez uma maneira de me alienar, me anestesiar do amargo “aqui e agora”.Não importa.Vou em frente!

Salto sem para- quedas.E caio em pé,como os felinos em suas sete vidas.Creio já ter gasto algumas ,nas agruras da caminhada um tanto extenuante.

Ainda assim,claudicando,trôpega,sigo em frente.

Não sinto mais os meus pés.Levito.Vôo.

Alcanço de novo as alturas  com a consciência de que sou responsável pela abertura de minhas asas rumo ao “presente”.

A urgência liberta a minha força e desata minha esperança  intrincada em  nós de marinheiro,tecidos nas dores das investidas passadas.

Suspeito de mim mesma.Será um sonho?Vertigem?

Não importa.Vou em frente!

Caminho.Respiro.Penso.Reflito.

Entretanto meus pensamentos não se fixam em nada. As imagens em flashes absurdos se sobrepõem ,à minha revelia,desbravando os porões de meu inconsciente em busca de soluções desesperadas.

Lá no fundo do meu poço encontro energias para reagir.

E,num salto,me recomponho.Aceito a dor e abraçada a ela ,busco as respostas..Uma voz dentro de minha cabeça insiste:

O sucesso é ilusório.O caminho é a luz.A viagem é o resultado.

O silêncio é o grito de amor por mim mesma ,que redesperta o canto dos pássaros pelas manhãs incontestes da natureza que derrama cheiros e brilhos que me remetem aos risos da minha infância que jamais se perdem.

O fio de Ariadne,que cada um de nós tece, é um tapete de pétalas  que vão colorindo nossos jardins pessoais.

E,vou em frente, deixando cair as pérolas que facilitam a “passagem “ para os incrédulos.

As leis da grande luz que espera pacientemente que acionemos o interruptor interno para religar a usina da anima, do moto- contínuo que é a pulsação dinâmica dos átomos e das células da criação.

Sou pólen,poeira e luz.Me entrego a meu destino com a certeza de ser instrumento da paz em meu entorno e dentro de mim.

Caçadora de mim, tento uma vez mais.

O OVO PRIMORDIAL shellAHAvellar

Para Camilla Wottoon Villela e sua avó Tércia

Olhar profundo. Fala mansa e sensata. Pensamento bem articulado. Camilla com dois elles – estilo fashion no último – é pura arte na vitrine de sua própria aparência.

Mãos bem cuidadas. Esmalte laranja reforçam a vontade de se reacender perpetuamente ,nas memórias que evocam sua Vovó Tércia.

Ou Vó Téte, mulher guerreira, que rodava as saias longas e coloridas na roda de uma vida de exemplos de fortaleza e ação.

Quebrando as correntes da união conjugal, assumiu os rebentos da procriação.

Separou-se de Alan Wooton, cuja herança se limitou aos temperos ingleses misturados ao sabor da sua cozinha pernambucana, e ao som de Frank Sinatra.

rouge dos cajus e caquis povoavam a rotina vegetariana de Vó Téte, que à imagem dos índios ,adormecia quando escurecia e acordava quando o sol nascia.

O rádio anunciava seu despertar: – “VamoEmbora! VamoEmbora. Tá na hora!” Indício de que era  hora de abraçar o dia com todas as suas surpresas.

A ruptura do casamento, levou Vó Tércia para  o sítio em Lourenço da Serra, que povoa o imaginário de seus netos, até hoje com insights de alegria e gosto de fruta madura.

A convivência diária com os primos, transmutados em irmãos, pela condição de filha única de Camilla, traz o conforto  da companhia, a proteção e o amparo inexpugnável de uma fraternidade do próprio sangue.

Essas lembranças agasalhadas pelo manto de incorruptibilidade de Vovó Tércia, erigidas nos natais em família, assentam Camilla nos vínculos que permeiam a estrutura da mulher forte e decidida que vislumbro hoje.

A combinação “estilosa” de sua indumentária, com certeza é herança de vó Téte, que mergulhava os netos no sensível e agudo observar dos ciclos do tempo.

A militância política e engajada da avó em causas de respeito às mulheres e à Mata Atlântica, remontam ao Mito de Eva- o útero que gera com responsabilidade e acompnaha a continuidade, com perícia de Mestra, quase deusa para Camilla.

A foto em escadinha etária com os primos e a avó nos almoços dos 25 de dezembro, ao longo de sua história, ao sabor do strogonoff, batata palha e coca-cola, é o ponto vital de sua memória afetiva.

Como no princípio da Escada de Jacó, em sua busca pela iluminação, Camilla resgata nos recônditos da alma, o farol que ilumina sua estrada, rumo a sua própria superação.

A imagem de Vovó Tércia, é o ápice desta busca por si mesma, o ovo primordial.

ELLA Shellah Avellar

Ella era a única mulher ali naquela bizarra e nada gentil reunião.
Todos se levantaram e a deixaram só.
Suspirou aliviada. Era o início de uma vitória.
Há alguns bons anos tentara introduzir seu ponto de vista naquela comunidade.
Mas aqueles aldeões carregavam estereótipos e preconceitos alimentados através de séculos de patriarcado, em relação a qualquer figura feminina.
As expressões endurecidas. As cicatrizes do vento que sulcavam as faces dos lavradores eram iluminadas pela lua, que, intrusa, teimava em acender aqueles olhos desesperançados.
O cheiro da terra molhada impregnava o casebre. A fogueira, lá fora, ardia seus carvões estertorosos após a chuva.
Seu apelo por liberdade fora ouvido. Isto é o que importava.
Seus olhos disparavam, errantes, maravilhados. Ella viera para ser feliz, e assim já se
sentia.
A magia de poder se exercer como mulher integral em pleno século XVIII.
Soltar seus cabelos. Esvoaçar suas saias. Correr célere pelos campos, sem horário para voltar.
Ninguém a esperava. Nenhum marido retrógrado. Nem pai. Nem irmão.
Mas a certeza de que era dona de seu destino. De poder ir e vir, quando lhe aprouvesse. Conquistar o direito de ler seus livros em paz e exercer o ofício de escrever.
Convenceu-os de que, apesar de não chegar a ter sucesso deste jeito, falharia em qualquer outro.
Era a arte se impondo aos brutos da aldeia.
Todos pararam para ouvir seu manifesto de dor, em que versava:
“O trabalho árduo me oprime.
Mas liberta em mim a poesia.
Que insiste em brotar
De minhas mãos calosas,
E de meu coração de esterco.
Grito.
Semeio flores
Na aridez do mundo dos homens.”

Jane Austen

Texto em homenagem à escritora inglesa Jane Austen, que nasceu em 16 de dezembro de 1775. Austen é autora de romances clássicos da literatura mundial como Razão e SentimentoOrgulho e PreconceitoPersuasão e Emma. Austen faleceu em 18 de julho de 1817, aos 41 anos.

Conto publicado na Antologia PALAVRAS ABRAÇADAS, Volume 3, 2016 da Editora Scortecci.

Literatura – Blog do Menalton – Literatura: CONTOS CORRENTES

ELLA | Blog da Limiar (editoralimiar.blogspot.com)

PADECENDO NO PARAÍSO Shellah Avellar

Ilustração: Shellah Avellar (acrílico sobre tela)

Depois de exatamente 21 anos e 9 meses, ainda me pergunto: que sentimento é este, que, por vezes, libera a endorfina, noutras, nos leva à loucura?

Quem é esta persona plural que está ali e não se mostra, delineando tal aura inquietante?

Ubiquidade, Onisciência e Onipotência são seus atributos.

Carrega sobre os ombros as grandes decisões táticas e os planos temporais, em que cada episódio ou fase destes filhos de Deus são situados.

Observadora glacial e precisa, se confunde com o sujeito amado. Ilumina e obscurece as condutas dos elementos nos instantes oportunos.

Lava, limpa e passa.

Embala. Agasalha. E alimenta.

Trabalha! Trabalha! Trabalha!

Atrapalha e se atrapalha.

Às vezes se ausenta, para se tornar presente.

Estouvada. Indispensável. Distraída.

Peca quase sempre pela intrusão, quando as expansões líricas dão lugar à formatação matemática da natureza humana.

Esculpe parâmetros morais, políticos, religiosos e metafísicos, dentro dos quais se movimentam os homens e mulheres do planeta.

Vai batendo eternamente este bolo exótico, combinando ingredientes, misturando receitas, reinventando a alquimia e estruturando o mundo das ideias e das crenças a partir dos quais se julga e realiza o bem e o mal.

Acerta e se equivoca. É vil e nobre. Comum e insólita. Conformista e rebelde.

Arranca suas raízes, a fórceps, “cesariando” ou naturalmente, do virtual para o real.

Faz a ambiguidade virar certeza. E a certeza se torna dúvida num átimo de segundo.

Que é esta entidade que baixa quando nos percebemos grávidas?

Estes nove meses nos põem em contato com uma “humanidade abstrata”, depurada do Homem propriamente dito?

Por que experimentamos sensações que de outro modo seriam absolutamente impossíveis?

Fariam até Descartes e Spinoza concordarem num único ponto: tudo que acontece no corpo produz-se igualmente na alma. Ou produz nela alguma coisa de irreal? Uma ideia? Um sentido?

Produz, sim! Esta semente. Esse ser semelhante a nós. E tão dessemelhante! Um cataclisma de átomos em vias de se projetar para fora, como um surto de esperança num futuro que ainda não existe.

Quem é que neste momento único toma forma, num cenário de solenidade e abstração?

Agonia e êxtase se misturam e gritam: Mãe!

(14) PADECENDO NO PARAÍSO : Triste | Facebook

O ESPELHO Shellah Avellar

– Quem é você? –

Ela para. Olha fixamente o espelho à sua frente.

Fria e inconteste, aquela voz ecoava em sua cabeça, chacoalhando-a impunemente em um tom devorador de lobo faminto.

Na velocidade de um raio, que sem deixar dúvidas, vai registrando cada ricto de dor passada, drama alheio de sua loucura, sulcada nas íngremes camadas de uma vida.

Desbrava as suas entranhas com a navalha afiada e impiedosa da realidade.

Não se esquece dos altos e baixos, nem do fog que acinzenta as cores que lhe foram sequestradas.

Das tempestades que lhe açoitaram as costas e lhe fizeram perder a postura empertigada.

Do suor que explodia, irrigando os poros e drenando o pânico.

Ela não pestaneja. Enfrenta o espelho.

Responde:

– “Não sou mais a artista. Sou a minha própria obra de arte. Sou o frêmito da minha embriaguez.”

Mas, o intrépido espelho, revela as angústias dos sonhos não realizados.

Questiona o pescoço, já não tão viçoso como outrora. A pele flácida do colo. Um tecido que o ferro do tempo não alisa. Testemunha dos anos desleixados nos cuidados consigo mesma. Um papel impossível de rasgar

Os sinais que riscam sua face. Rios secos de um canyon escarpado pelas perversidades dos seres.Humanos? E pelas suas pequenas e inconfessáveis mesquinharias.

As manchas, companheiras dos sóis abrasadores da areia que abrigava suas costas sedentas de calor.

O olhar perdido. E o desespero da espera por um final. Feliz?

Ele chega por trás. Fica imóvel observando este solilóquio. Cúmplice permanece calado. Observador privilegiado deste momento mágico.

Imperturbável, ela continua a velar atentamente por aquela que nunca foi, e pela que é.

Uma rajada de vento bate levemente a janela. A lua ,grávida ,se insinua. E o gato, Noir, salta no quarto.

Mas, nada. Ambos continuam impassíveis.

Noir, com suas duas esmeraldas cintilantes perscruta os dois. Bamboleia por entre suas pernas, como uma serpente que aprova a escuridão e as profundezas da tensão.

Depois, se acomoda e se enrosca gostosamente num sofá de veludo negro que parece engoli-lo.

Nada parece se mover neste espaço sem lugar.

Há num como no outro aquilo que não foi vivenciado. Como uma sombra obscura de uma vida roubada.

Entretanto há a pulsação invisível. Do trágico. Do avesso.

– “Tola. Há qualquer coisa que ficou por se expressar. E se perdeu nos labirintos da rotina”. O espelho sussurra.

Ele, porém, descansa a mão sobre seu ombro direito. Abre com a outra mão a porta do armário. E se fixa no espelho que reflete o dela.

Ambos ficam assim, por um tempo.

Seus olhos se encontram. Uma conversa muda.

O filme de suas vidas passando nos seus olhos.

Por um instante parecem sorrir sem ao menos entreabrir os lábios. No entanto, este segundo, arrefece o mundo de suas deformidades.

Esta cerimônia sela uma parceria.

Não há flores. Festa. Anel de Brilhante.

Apenas um mútuo acordo de caminhar juntos.

O mergulho no escuro de um futuro incerto. Como sempre foi até aqui. Durante anos. Quantos??? Não importa.

Aquela intensidade é uma força que colabora com o todo.

Ela deixa escorrer uma lágrima.

Ele a enlaça suavemente. Para que aquela emoção aguda no canto das pálpebras cumpra seu curso.

Seu peignoir de seda escorre suavemente até o chão. Percorre cada reentrância e seus relevos lentamente.

Leva com ele todas as máscaras que a aprisionavam com seus laços neuróticos.

Da terra que absorve seus terrores. Da água que lava as culpas. Do fogo que lambe suas decepções e ferve as paixões. Do metal que rasga o pesar das perdas. Do grito que liberta as mentiras escondidas. Que eliminam a ilusão de solidão, com a certeza de que tudo é risco e único. Que abrem as portas dos apegos e os deixa alçar voo.

Ele espera que este banho de seda a refresque de suas nefastas nuvens.

A lua invade a janela e derrama prata em seu dorso nu. Sopra a poeira dos erros e acertos, da dimensão fatídica e concreta dos caminhos de cada um.

Os pelos dela se arrepiam sob seus dedos.

Ela se vira e o abraça.

E, assim permanecem. Até que a morte os imante no sonho e os liberte do silêncio.

O espelho murmura: “A verdade só encontra semelhança em mim, seu próprio espelho. E só a loucura pode libertá-la. O louco sou eu. Você. E o cara aí do seu lado.”

Noir abre os olhos verdes brilhantes e logo os fecha preguiçosamente.

Ilustração:Shellah Avellar O Gato e a Lua

MORTE VIVA? Shellah Avellar

As minhas noites deixaram de ser noites para ser final dos tempos.


Em obscuridades, busco a mais tola superficialidade da vida mundana.


Entretanto, paradoxalmente, em monólogos de Narciso, inexpugnável em minha angústia, me lixo para os artifícios.


A solidão nos estupra.


O medo nos esbofeteia.

A melancolia nos acaricia.

Num átimo de segundo passo da reflexão ao desvario.

Vou do rigor racional ao fundo do coração.

Entretanto, cada uma destas perspectivas é fragmentária.

Persiste uma sombra querendo ser luz, por trás das palavras.

Um ápice silencioso que propague seus ecos.


A plena consciência do efêmero me grita um algo mais para além dos limites  dos sentidos.

O mundo inteiro, hoje, passa pelo crivo da eternidade.

Ironicamente ,um vírus devorador a ultrapassa e a subverte.

CENSURA OU DIREITOS DEMASIADAMENTE HUMANOS? shellAHAvellar

A batalha da Imprensa é desigual.

De um lado, um veículo que dispõe de um conglomerado, pode fornecer seus mecanismos para proteger seus interesses e o status quo.

De outro, a imprensa independente, constantemente sujeita a pressões e ameaças, tentando tornar público, o que de fato, “todo mundo já sabe”: os coquetéis de abuso de poder, fraudes, injustiças e violação dos direitos humanos em sua mais completa definição   e que a Organização das Nações Unidas (ONU) traduz como  garantias de proteção das pessoas contra ações ou falta de ações dos governos que possam colocar em risco a dignidade humana.

Direitos Humanos

A Primeira Declaração dos Direitos Humanos, é atribuída ao rei persa (antigo Irã) Ciro II ,O Grande ,depois de sua conquista da Babilônia em 539 AC.

Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos seus idiomas oficiais.
Gravado no Cilindro de Ciro, decretou-se que os povos exilados na Babilônia regressassem à suas terras de origem

O ‘Cilindro de Ciro’ é um cilindro de barro que está exposto no Museu Britânico , em Londres.





Em 1776, a Declaração de Direitos de Virgínia, Estados Unidos, escrita por George Mason (agricultor e político influente) a primeira da época moderna.

E ,logo em seguida, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) na França. Inspirada na declaração de 1776 e no espírito filosófico do século XVII, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 marca o fim do Antigo Regime e o início de uma nova era. Expressamente visada pela Constituição da Vª República.

diferença crucial entre a França e a Inglaterra é que os ingleses adotaram o parlamentarismo com a monarquia. Assim, o governo era representado pelos monarcas, mas o corpo de leis que regula o governo era estabelecido pelo Poder Legislativo. Já os franceses adotaram o sistema republicano, havendo tripartite dos poderes (proposta do filósofo iluminista francês Charles de Montesquieu), que visa  combater qualquer tipo de excesso de poder a partir da repartição igualitária dos âmbitos legislativo, executivo e judiciário.

A criação da Organização das Nações Unidas em 1945 também faz parte da história da evolução dos direitos humanos. É um fato importante porque um dos objetivos da ONU é garantir a dignidade de todos os povos e tentar diminuir as desigualdades mundiais.

Em 1948, a ONU aprovou a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e em 1966 foram criados mais dois documentos: o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:

Todos seres humanos são livres e iguais em direitos e dignidade.

Capacidade e liberdade para viver sem discriminação.

Direito à vida, liberdade e segurança.

Nenhuma pessoa deve ser escravizada.

Ninguém deve ser torturado ou receber tratamento cruel.

Direito de reconhecimento como pessoa.

Igualdade perante a lei.

Direito de acesso à justiça quando direitos forem violados.

Ninguém deve ser preso arbitrariamente.

Todas as pessoas têm direito a julgamento justo.

Direito à presunção de inocência até que a culpa seja provada

Proteção à vida privada e familiar.

Liberdade de movimentação e de deixar e voltar a qualquer país.

Direito de procurar asilo em outros países.

Direito de ter uma nacionalidade.

Direito ao casamento e à família.

Proteção da propriedade.

Liberdade de fé e prática religiosa.

Liberdade de expressão e de opinião.

Direito ao descanso e ao lazer.

Liberdade para participação em associações.

Acesso ao governo e ao serviço público do seu país.

Direito à segurança e proteção do Estado.

Direito ao trabalho e proteção ao desemprego.

Padrão de vida que garanta saúde e bem-estar à família.

Direito à educação, gratuita nos anos fundamentais.

Acesso às artes, cultura e ciências.

Direito de viver em uma sociedade justa e livre.

Cumprimento de deveres com a comunidade, de acordo com os princípios das Nações Unidas.

Proteção dos direitos determinados na Declaração.

Temos presenciado a Violação dos Direitos Humanos através das civilizações em governos desgovernados e líderes absolutistas e uma total desinformação sobre como reivindicar estes direitos pela classe trabalhadora e pela sociedade civil .O que culmina na opção  pela escolha de manutenção das desigualdades pelos podres poderes, de quaisquer lados e posições políticas de todos os naipes.

O primeiro artifício de todos estes males é a dissimulação. Desígnios e sentimentos a ocultar, formatam os mestres da aparência, travestindo seus olhares e ares, primando por colorir suas atitudes e envernizando sem moderação, as sombrias paixões que lhes corroem.

Perder-se da espontaneidade e se embrenhar nas fraudulentas fantasias do imediatismo para fazer sobreviver o sistema, não é tarefa fácil.

Pois o prazer do exercício do poder leva ao conforto da distração, e, consequentemente à omissão. A reflexão cansa e desencanta.

Um mundo não reflexivo é um mundo que se pretende suficiente e completo.

Ao contrário do viés psicológico de Locke e Condillac.

Locke e Condillac e a racionalidade humana

Nesta tentativa insana de entender a racionalidade humana, retomo o filósofo inglês John Locke, pai do liberalismo, Conhecido como o fundador do empirismo, além de defender a liberdade e a tolerância religiosa. Pregou a teoria da tábua rasa, segundo a qual a mente humana era como uma folha em branco, que se preenchia apenas com a experiência. Esta era uma crítica à doutrina das ideias inatas de Platão, segundo a qual princípios e noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente de experiência.

Um dos objetivos de Locke é a reafirmação da necessidade do Estado e do contrato social e outras bases. Locke acreditava que se tratando de Estado-natureza, os homens não vivem de forma bárbara ou primitiva. Para ele, há uma vida pacífica explicada pelo reconhecimento dos homens por serem livres e iguais.

E, de  acordo com Etienne de Condillac, ordenado padre no Seminário de Paris e Teólogo pela Sorbonne, autor de Tratado dos Sistemas e Tratado das Sensações, entre outras obras, pregava que “ afastando-se das ideias inatas a ciência só pode se estabelecer a partir da racionalidade, que requer entender e aplicar como o pensamento funciona, ou seja, sempre em uma estrutura”. Para isto, são necessários princípios que, numa escala piramidal, se organizem da seguinte forma: dos fatos gerais até os fatos constatados. 

Toda esta complexidade aparente é apenas uma tentativa de pontuar o comportamento de um ser humano que se propõe a intimidar, a reprimir e a violentar um outro ser humano por não reconhecê-lo como seu igual.

A incapacidade de superar as diferenças com harmonia e desprendimento de radicalismos que só resultam em conflitos desnecessários, discussões intermináveis e guerras sangrentas.

Do ser humano que expulsa a reflexão. Que pretende se governar, mas se deixa governar pela insensatez da alienação.

Thomas Hobbes e o ser humano predador

Segundo Hobbes, os seres humanos possuem uma tendência natural à violência: “O homem é o lobo do homem.”

Por conta de seu intelecto, os seres humanos dominam a natureza, mas encontram em outros seres humanos os seus grandes rivais, seus verdadeiros predadores naturais.

Os desejos dos indivíduos em estado de natureza gerariam disputas que poderiam levar à morte de uma das partes do conflito.

Pela necessidade de segurança e, principalmente, por receio de uma morte violenta, os indivíduos preferem abrir mão de seu direito à liberdade e igualdade dados pela natureza.

Rosseau  e a Origem e os Fundamentos da Desigualdade

Relembro Rousseau, quando diz que “tudo nos oferece mil pontos de apoio quase seguros para governar em sua origem os sentimentos pelos quais nos deixamos dominar.”

Rousseau escreveu, além de estudos políticos, romances e ensaios sobre educação, religião, música, ética, autobiografia e literatura.

Sua obra principal é Do Contrato Social, publicada em 1762.Ali, defende a ideia de que o ser humano nasce bom, porém a sociedade o conduz a degeneração. Afirma também que a sociedade funciona como um pacto social, onde os indivíduos, organizados em sociedade, concedem alguns direitos ao Estado em troca de proteção e organização. A filosofia política, que surgiu a partir dessa obra e dessas ideias, é conhecida como Contratualismo.

Suas observações sobre a natureza do ser humano e a sociedade, são extremamente críticas. Defendeu a aproximação entre justiça e liberdade. E era amplamente favorável, na sociedade, à soberania da vontade coletiva.

Por isso começou a ser perseguido na França, pois suas obras foram consideradas uma afronta aos costumes morais e religiosos.

Todas estas considerações e voltas pelos pensamentos de alguns luminares e muita reflexão, servem para não me revoltar com os meus semelhantes e tentar compreender através deles minha própria agressividade.

E perdoar minha revolta, quando me deparo com a injustiça em suas múltiplas vestimentas.

Vivemos em tempos nublados em que a humanidade se iguala ainda que por um momento, no confinamento, e numa abertura ilusória de que tudo voltou ao normal.

Aqui, na pátria amada, ignoramos os índices de óbitos que se multiplicam e, num completo desamor por nós mesmos e pelos outros, quebramos os protocolos mínimos de proteção em relação ao Covid 19.

As notícias se embolam pelos meios eletrônicos disponíveis, e nas redes sociais, dando o certo pelo incerto e as mentiras por verdades.

As Instituições, as governanças, os poderes e o povo hasteiam bandeiras de paz, manchadas de sangue e de corrupção.

O conflito está nas paradas de sucesso. O ódio é a celebridade instantânea.

O abismo das desigualdades está cada vez mais profundo.

A humanidade está mais iludida pelo que o mundo poderia ser do que enxergá-lo como está, para poder mudá-lo.

Nossa flora e nossa fauna estão em chamas.

Os artistas tentam se reinventar febrilmente para arrancar dentro de si uma obra fulgurante para se aplaudir internamente.

E cada ser humano, em suas profusas escolhas, tem que se rever diante dos desafios.

O nosso tempo é codificado por uma ampulheta enlouquecida.

As religiões se embalsamaram em dogmas de fé e não se permitem dar as mãos em prol da beneficência. É cada um por si e…Deus? por todos?

Os preconceitos se agigantaram.

A Justiça dorme em berço esplêndido.

E a liberdade de expressão, está deixando de ser um direito humano para ser troca de agressões gratuitas de consequências catastróficas.

Liberdade de Expressão

Censura:

Análise de trabalhos artísticos, informativos e com base em critérios morais ou políticos, para julgar a conveniência de sua liberação à exibição pública, publicação ou divulgação

Ação de controlar qualquer tipo de informação, geralmente através de repressão à imprensa.

Restrição, alteração ou proibição imposta às obras que são submetidas a um exame oficial, sendo este definido por preceitos morais, religiosos ou políticos.

Ação ou poder de recriminar, criticar ou repreender.

.

A Constituição Federal do Brasil, reafirma  em seu artigo 5o: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Quando se discorre sobre Direitos Humanos, é preciso primar por seu vital princípio que é a liberdade de expressão.

Os profissionais da Comunicação trabalham com perguntas e querem respostas. As palavras estão a serviço da informação clara e fiel ao fato. Obviamente, sempre haverá as distorções e interpretações dúbias. Entretanto demonizar as instituições e jogar todas no mesmo “balaio de gato “é de uma superficialidade absurda e de um comprometimento sério com a veracidade da notícia.

Diminuir e ofender os profissionais do Jornalismo é relativizar a selvageria.

Censurar matérias em pleno século XXI , é um mergulho na obscuridade.

E, assim, impotentes, assistimos à agonia da Democracia, que se encontra na UTI

em estado grave.

O Diabo SOU EU

Vulgarizar a tortura é jogar no time do lendário Lúcifer , cuja imagem e semelhança ao homem em suas expressões mais primitivas, foi pintado pelas religiões como algo exterior a nós.

No entanto, ao observar os descalabros da humanidade através dos séculos, o tal Diabo, coitado, deve estar passando por uma crise existencial sem precedentes, deitado num divã de algum psicanalista infernal.

As atrocidades, crimes, perversidades, pilhagem e tiranias do homem contra o homem são horripilantes até para o próprio Satã.

Os egípcios enterravam os seus parentes ainda vivos. Os cruzados retalhavam os infiéis. Os doges venezianos colocavam seus adversários em esquifes de ferro com tampas de espetos. Os católicos apunhalavam os protestantes. Lutero apoiou pessoalmente o massacre de cem mil camponeses alemães que haviam se revoltado contra a nobreza e o clero católico, inspirados pelas suas próprias idéias . Os romanos jogavam os cristãos aos leões. Genghis-Kan amontoava cabeças em pirâmide.  O massacre de milhares de chineses na Praça da Paz Celestial pelo Exército Popular da Libertação. O holocausto ucraniano imposto pelos russos. Os empalamentos dos párias na Índia. O Sinédrio Judaico que exigiu a execução de Jesus. Os milhões de judeus que foram asfixiados pelos nazistas.

E as torturas nos infectos porões das ditaduras, transformando os seres humanos em frangalhos, matando e esquartejando para apagar as memórias, cegar de vez a justiça e afogar a verdade.

E, por aí vai. E, até agora, o apartheid continua. A morte a cada vinte e três minutos de negros e homossexuais. Estupros e mortes a cada dezesseis minutos de meninas e meninos e o aviltamento generalizado contra as mulheres e idosos entre outras barbaridades.

Ainda assim, esta tentativa de calar para sempre os resquícios de liberdade, ainda encontra eco no imo de alguns desvairados.

Pobres Mortais

Encerro com o Mito de Prometheus, que sob as ordens de Zeus, seu pai, ficou acorrentado trinta mil anos, sendo picado, diariamente, no fígado por uma águia. Como era imortal, o órgão se regenerava constantemente até que Hercules o libertou, para que se tornasse mortal e pudesse morrer em paz.

Fica aqui a esperança de que conscientes de nossa mortalidade, não banalizemos a vida.

E, ao tentarmos esculpir este Hercules em nós mesmos, nossa lucidez encontre abrigo na solidariedade e na compaixão de uns pelos outros.

Tenho a convicção de que o ego e o discurso interditam a verdadeira comunicação. Persiste a ilusão de que esta, só se realiza nos confins do espasmo e da agonia dos tons extremos e falta de compostura.

Exercermos a liberdade de expressar nossos pontos de vista e debater os impasses dentro dos princípios de respeito mútuo é saudável e fértil. E é bom para o Mundo.

E também é bom para o Brasil.

A fraternidade é viril porque se exerce na troca de ideias. E, não, nos submetendo uns aos outros, e sermos forçados à baixeza de alguma causa falaciosa.

Talvez, então, esta revolução interna, nos alivie da “ressaca” do porre de sermos todas e todos “demasiadamente humanos”.

Viva a Imprensa Livre!

Gandhi persiste… shellAHAvellar

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Um mito? Apenas um homem? Um acontecimento? A vida singular transformada em maravilha ou a não adequação à vida singular? A obsessão lúcida? Vontade indomável? Um livro aberto? Silêncio inquietante?

Sim, ele era um homem franzino. Pequenino. Quase imperceptível.

Olhos brilhantes. Perscrutadores. Radiografava e escaneava todos os que dele se acercavam, buscando significados nos significantes e insignificantes mistérios da alma humana.

Satya, Verdade e Ahimsa, não violência, eram seus lemas. Seu pensamento, sua obra. Sua ação.

Jejuava pela paz. Jejuava pelo amor. Jejuava para unir. Jejuava para libertar seu povo da opressão britânica.

Mas este fato o torna santo?

Todas as minhas possessões no mundo reduzem-se a um prato da prisão, algumas roupas e a minha reputação, que qualquer um pode utilizar.”

Alguns o qualificam como um mensageiro de Deus, ainda que admitindo nunca ter recebido nenhuma revelação divina.

Ou apenas coerente?

Ele mesmo contradiz a coerência:

“Não estou absolutamente interessado em parecer coerente. No meu caminho em busca da verdade, tenho abandonado muitas ideias e tenho aprendido muitas coisas novas. Velho como sou de corpo, não tenho a consciência de ter cessado de crescer interiormente, ou que o meu crescimento vá estagnar com a dissolução da minha carne. O que me interessa é a minha atitude de prontidão em obedecer ao chamado da verdade, de momento a momento. Há princípios eternos que não admitem compromisso, e o homem deve estar disposto a sacrificar a sua vida para obedecer a esses princípios”.

O menino. O jovem. O chamado.

Mohandas Karamchand Gandhi nasceu no dia 2 de outubro de 1869, em Porbandar, na Índia Ocidental (hoje estado de Gujarat). Casou-se aos 14 anos com Kasturbai, da mesma idade, numa união acertada entre as famílias. O casal teve quatro filhos.

Grande conhecedor das escrituras hindus, aos 19 anos vai estudar Direito na Universidade de Londres, no Reino Unido. Regressa à Índia, Bombaim, como advogado. Depois emigra para a África do Sul, onde viviam 150 mil indianos.

Um divisor de águas em sua trajetória: um incidente ocorrido ao viajar de trem. Gandhi ia na primeira classe, quando solicitaram que se transferisse para a terceira classe, por ele não ser branco. Ao se recusar, foi jogado para fora . O episódio o incentivou a advogar contra as leis discriminatórias vigentes.

A ação de Gandhi consistia em desobedecer as leis inglesas sem se importar com sofrer as consequências do ato, de boicotar os produtos ingleses, de fazer greves de fome para que hindus e muçulmanos deixassem de lado as divergências religiosas e se unissem em favor da causa comum: a independência. Acabou por conquistar admiradores no mundo todo, inclusive na Inglaterra.

Entretanto, a Segunda Guerra Mundial (1939-45) teve o efeito de enfraquecer a Inglaterra, de modo que, ao fim do conflito mundial, não conseguiu mais manter o domínio sobre a Índia. Em 15 de agosto de 1947, a independência da Índia foi declarada. O país, porém, ainda enfrentava forte tensão entre os grupos religiosos rivais e se fragmentou em dois, a Índia propriamente dita e o Paquistão, sendo que este estava geograficamente dividido em Oriental e Ocidental, com um enclave indiano entre ambos.

Portanto, a violência religiosa e a disputa por terras prevaleciam. Em 1948, a ilha do Ceilão, a sudeste do subcontinente indiano, tornou-se um Estado independente, com o nome de Sri Lanka. Do mesmo modo, o Paquistão oriental formaria um novo país, Bangladesh, em 1971.

Hoje, na República da Índia, os conflitos entre hindus e muçulmanos são menores, embora persistam. Outros dois grupos religiosos também têm força no país, os budistas e os sikhs, uma seita hinduísta com características próprias. As relações com o Paquistão ainda são conflituosas, em especial no que se refere à província indiana da Caxemira, no norte do país.

Clarividência

Gandhi agia de modo tão peculiar que soava como absurdo. Parecia um líder nacionalista como outros tantos comuns na época dele, Sukarno na Indonésia, Bembela na Argélia, Nasser no Egito e outros. Porém, diferenciava-se na aplicação dos princípios da autonomia, da autopurificação e da não violência no processo de independência da Índia.

E a independência da Índia não é pouca coisa porque ela era a joia da coroa inglesa. De todas as colônias, era a colônia-chave. Retirada, quebraria o império inglês, como quebrou.

E ele, diante de uma luta tão crucial para o mundo todo, pois se estava mudando um sistema colonial imperialista, do qual a Inglaterra era o paradigma, defendeu que era possível ter um entendimento com o centro do império. E muitas vezes ele defendeu que a Índia e a Inglaterra continuassem ligadas numa comunidade, em que as nações tivessem os mesmos direitos e deveres. Chegou a defender, para desespero dos radicais da época, que era possível e bom para a Índia, para a Inglaterra e para o mundo um entendimento entre as partes, e que os dois pudessem continuar ligados, mas como pares, como iguais.

Infelizmente, o movimento de descolonização, tanto do lado dos oprimidos como dos opressores, não tomou essa posição em lugar nenhum e até hoje se vivem as consequências da independência usando o método tradicional da violência contra a violência. Depois, com o avanço da violência e da repressão dos ingleses, Gandhi aderiu à independência total. O entendimento talvez tivesse mudado a história recente, se tivesse acontecido, se a Inglaterra e as lideranças hindus, que estavam com ele, tivessem tido essa clarividência. Preferiram aquela separação, inclusive com a criação absurda do Paquistão, que foi um acontecimento traumático e desastroso para a independência, e motivo de desgosto para Gandhi e de certa forma o motivo da morte dele, uma vez acusado pelo nacionalista hindu que o assassinou de ser tolerante demais com os muçulmanos.

Veja aqui entrevista com Gandhi, à época da luta pela independência:

Vegetarianismo Político

Um aspecto que exprime as posições de Gandhi da não violência, da autonomia ou autoconfiança e da autopurificação é a opção pelo vegetarianismo. É uma tradição hindu muito forte, mas nem todo mundo na Índia é vegetariano. O fato é que o vegetarianismo de Gandhi é um elemento político. Quando se discute hoje o desenvolvimento sustentável, o fato de ser vegetariano ou, pelo menos, quase vegetariano, adotando a postura gradualista de Gandhi, pode ser importante. O vegetarianismo dele expressa muito bem suas posições básicas diante da vida, porque é uma forma de produzir melhor, destinar melhor as terras e a produção para satisfazer todo o mundo, no mundo inteiro. Já existem cálculos mostrando que isso seria possível se as terras fossem mais dedicadas à produção vegetariana do que à carnívora.

Gandhi nunca recebeu o Prêmio Nobel da Paz, apesar de ter sido indicado cinco vezes a ele, entre 1937 e 1948. Décadas depois, no entanto, o erro foi reconhecido pelo comitê organizador do Nobel. Albert Einstein disse sobre ele: “As gerações por vir terão dificuldade de acreditar que um homem como este realmente existiu e caminhou sobre a Terra”.

O Legado

Pensei muito antes de pesquisar e escrever tudo isso. Recortes de outras cabeças. Observação das notícias. A falta de alusões a Gandhi, 72 anos após seu assassinato, no dia 30 de janeiro de 1948.

Tantas manifestações pelo mundo globalizado. Por tantas causas sem causa. Outras afins. Um oceano de informações pululando em nossas mentes. Rolezinhos. Passeatas. Marchas com deus e o diabo. Incêndios. Tsunamis. Terremotos e inundações. O mundo em movimento. O planeta ardendo em chamas. Governos caindo de podre. Jovens buscando encontrar um lugar no futuro. Tanta violência. Em casa. Na rua. No trabalho. No lazer.

Fui até a Praça Túlio Fontoura, em frente ao parque do Ibirapuera, em São Paulo, pela manhã. Lá estava a estátua de Mahatma Gandhi. Algumas pétalas. Cruzo com um indiano de branco e lágrimas nos olhos.

Ele passa por mim… desolado… talvez tenha deixado as pétalas; eu, nem isso. Ao contrário dele, não chorei, só senti. Olhei bem para aquela estátua tão bem esculpida… e sorri.

Pensei na história daquele homem até aqui.

Caminhei lentamente até o parque procurando me embebedar das benesses do verde que se derramava para que pudesse ter alguns momentos de solitude neste inferno, que não é o de Roberto Carlos.

E pedi: só quero a sua paz…

De lá segui para o trabalho.

A surpresa

À noite, me reuni com algumas pessoas, talvez ingênuas como eu, no Centro Cultural da Índia, para assistir a uma mesa-redonda sobre a ocupação Gandhi no século XXI.

Após a breve contação de histórias de Tininha Calazans, uma fada, começa o bate-papo com quatro jovens: Pedro Kelson Batinga, coordenador dos projetos de cultura de paz da Palas Athena; Anielle Guedes, economista, presidente do Centro de Empreendedorismo da Universidade de São Paulo; Mariana Campanatti, publicitária e cofundadora do Movimento Imagina na Copa; e André Gravatá, coautor do livro “Volta ao mundo em 13 escolas” e integrante do coletivo Educ-Ação. Esses jovens me chamam a atenção principalmente pelo entusiasmo (que, segundo os gregos, significa ter o deus dentro de si). Talvez isso explique tudo, mas, às vezes, não enxergo esse entusiasmo em outros jovens, salvo quando é para olhar para seu próprio umbigo.

O mais interessante é que eles dizem se inspirar em Gandhi. Não só eles, mas também outros jovens da Índia e da Grécia que acessaram o portal do encontro.

Ora, ora, se assim é, nem tudo é caos nas fronteiras ardentes de Dante.

Se 66 anos após seu assassinato Gandhi estava mobilizando jovens acadêmicos e da periferia em várias partes do mundo e no Brasil, já terá valido a pena.

Johan Galtung, sociólogo norueguês criador da disciplina estudos de paz e conflitos, chama isso de transcendência. É uma inovação: inventar saídas em situações difíceis de conflitos, e o político, o partido político, a força política, a força social ter a capacidade de criar uma posição para onde possam migrar posições conflitantes e as duas posições possam crescer. Essa é uma questão fantástica, a própria essência, a mais alta função da política: transitar não como se fosse um negócio, a compra de um carro ou de uma casa, mas para a criação de uma posição nova.

Gandhi quer que as pessoas, as classes, os grupos, as aldeias, os países, não só a Índia, tenham autoconfiança e autonomia, dependam o menos possível de outras forças e possam viver. E para isso é necessária uma vida a mais simples possível, para não depender de bens que não se consegue produzir nem ter. Esse é o outro elemento-chave, junto com a não violência, a autonomia, a autoconfiança.

Apesar das cicatrizes das guerras. Apesar dos rancores dos conflitos. Apesar das tristezas das batalhas.

Olhar o entorno.

O convite. O sonho é agora.

Gandhi dizia ser bom sinal quando “olhamos melhor nossos próprios defeitos”. Assim nos tornamos melhores amigos de nós mesmos.

Ao tecermos nossa própria indumentária, renunciamos a ambicionar a dos outros.

Ao produzirmos nosso próprio sal, aprendemos a consumir conscientemente.

Aprimorando nossa dignidade e guardando-a como um grão precioso. Fazê-la crescer e prosperar sem nos violentarmos por causa de caprichos de qualquer podre poder.

Num encontro em que o cônsul não discursa, mas canta… e encanta… isso me diz ao coração que é possível ter esperança.

E vou-me embora.

Ao chegar em casa, lá pelas 22h45, coloco a chave no portão. Rua deserta. Um homem surge na esquina e grita para mim, num inglês tipicamente oriental.

Please, miss… Speak English?

Respondo, atônita:

Yes. From India?

Ele responde:

From Pakistan. Where is the supermarket? Need to buy soy milk for my child.

Eu indico:

Two more blocks and turn your right. Run, it´s closing!

Ele sai correndo…

Eu entro. E me permito sonhar com a paz mundial.

Mani Bhavan -residencia de Gandhi em Mumbai, onde morou por 17 anos e escreveu o SatyaGraha

No dia em que voltei para o Brasil. Mais uma vez encontro com Gandhi,no aeroporto, para me dizer:Até Logo! #oAmorSIM

O texto acima foi escrito no dia de desaniversário de 66 anos do Assassinato de Gandhi.

A visita à sua residência, em Mumbai ,foi feita em 2018

https://www.editoralimiar.com.br/post/gandhi-o-mito-e-2-de-outubro

Gandhi persiste…

shellAHAvellar

¿Un mito? ¿Sólo un hombre? ¿Un acontecimiento? ¿Una vida singular transformada en maravilla o un fracaso de adaptación a una vida singular? ¿Obsesión lúcida? ¿Voluntad indomable? ¿Un libro abierto? ¿Un silencio inquietante?

Sí, era un hombre pequeño. Casi imperceptible.

De ojos brillantes y escrutadores. Radiografiaba y escaneaba a todos los que se le acercaban, buscando sentido en los misterios significativos e insignificantes del alma humana.

Satya, la Verdad y Ahimsa, la no violencia, eran sus lemas. Su pensamiento, su obra. Su acción.

Ayunó por la paz. Ayunó por amor. Ayunó para unir. Ayunó para liberar a su pueblo de la opresión británica.

Pero, ¿le convierte esto en un santo?

“Todas mis posesiones en el mundo se reducen a un plato de la prisión, algo de ropa y mi reputación, que cualquiera puede usar”.

Algunos lo describen como un mensajero de Dios, aunque él admite que nunca recibió ninguna revelación divina.

¿Simplemente coherencia?

Él mismo contradice la coherencia:

“No me interesa en absoluto parecer coherente. En mi viaje en busca de la verdad, he abandonado muchas ideas y he aprendido otras cosas nuevas. Por muy viejo que sea en cuerpo, no me doy cuenta de que he dejado de crecer interiormente, ni de que mi crecimiento se estancará con la disolución de mi carne. Lo que me interesa es mi actitud de disposición a obedecer la llamada de la verdad, en cada momento. Hay principios eternos que no admiten concesiones y el hombre debe estar dispuesto a sacrificar su vida para obedecerlos.”

El niño. El joven. La llamada.

Mohandas Karamchand Gandhi nació el 2 de octubre de 1869 en Porbandar, al oeste de la India (actual estado de Gujarat). Se casó a los 14 años con Kasturbai, que tenía la misma edad, en una unión acordada entre las familias. La pareja tuvo cuatro hijos.

Gran conocedor de las escrituras hindúes, a los 19 años se fue a estudiar Derecho a la Universidad de Londres, en el Reino Unido. Regresó a Bombay (India) como abogado. Después emigró a Sudáfrica, donde vivían 150.000 indios.

Un punto de inflexión en su carrera: un incidente mientras viajaba en tren. Gandhi viajaba en primera clase cuando le pidieron que pasara a tercera porque no era blanco. Al negarse, le echaron. El episodio le animó a abogar contra las leyes discriminatorias vigentes.

Las acciones de Gandhi consistieron en desobedecer las leyes británicas sin importarle las consecuencias, boicotear los productos británicos, hacer huelgas de hambre para que hindúes y musulmanes dejaran de lado sus diferencias religiosas y se unieran en favor de la causa común: la independencia. Acabó ganándose admiradores en todo el mundo, incluso en Inglaterra.

Sin embargo, la Segunda Guerra Mundial (1939-1945) tuvo el efecto de debilitar a Inglaterra, de modo que al final del conflicto mundial ya no pudo mantener su dominio sobre la India. El 15 de agosto de 1947 se declaró la independencia de la India. Sin embargo, el país seguía enfrentado fuertes tensiones entre grupos religiosos rivales y se fragmentó en dos, India propiamente dicha y Pakistán, este último dividido geográficamente en Este y Oeste, con un enclave indio en medio.

Predominaban, por tanto, la violencia religiosa y las disputas por las tierras. En 1948, la isla de Ceilán, en el sureste del subcontinente indio, se convirtió en un Estado independiente con el nombre de Sri Lanka. Del mismo modo, Pakistán Oriental formaría un nuevo país, Bangladesh, en 1971.

Hoy, en la República de la India, los conflictos entre hindúes y musulmanes son menores, aunque persisten. Otros dos grupos religiosos también tienen fuerza en el país, los budistas y los sijs, una secta hindú con características propias. Las relaciones con Pakistán siguen siendo conflictivas, sobre todo en lo que respecta a la provincia india de Cachemira, en el norte del país.

Clarividencia.

Gandhi actuaba de un modo tan peculiar que resultaba absurdo. Parecía un líder nacionalista como otros tantos comunes en su época: Sukarno en Indonesia, Bembela en Argelia, Nasser en Egipto y otros. Sin embargo, difería en la aplicación de los principios de autonomía, autodepuración y no violencia en el proceso de independencia de la India.

Y la independencia de la India no fue una hazaña menor porque era la joya de la corona inglesa. De todas las colonias, era la colonia clave. Apartada, rompería el imperio británico, como así ocurrió.

Y él, al frente de una lucha crucial en el mundo porque se estaba cambiando un sistema colonial imperialista, del que Inglaterra era el paradigma. Siempre defendió que era posible tener un entendimiento con el imperio. Y a menudo sostenía que la India e Inglaterra permanecerían vinculadas en una comunidad en la que las naciones tuvieran los mismos derechos y deberes. Incluso manifestaba, para consternación de los radicales de la época, que era posible y bueno para la India, para Inglaterra y para el mundo llegar a un entendimiento entre las partes y que ambas podían seguir vinculadas, pero como pares, como iguales.

Infelizmente, el movimiento de descolonización, tanto del lado de los oprimidos como de los opresores, no adoptó esta posición y hasta el día de hoy se viven las consecuencias de la independencia utilizando el método tradicional de la violencia contra la violencia. Después, ante el avance de la violencia y la represión por parte de los británicos, Gandhi se adhirió a la independencia total. Este entendimiento podría haber cambiado la historia reciente si se hubiera producido, si Inglaterra y los líderes hindúes que estaban con él hubieran tenido esta clarividencia.

Favorecieron la separación, incluida la absurda creación de Pakistán, que fue un acontecimiento traumático y desastroso para la independencia y una fuente de dolor para Gandhi y en cierto modo, el motivo de su muerte, ya que fue acusado por el nacionalista hindú que lo asesinó de ser demasiado tolerante con los musulmanes.

Véase aquí una entrevista con Gandhi en la época de la lucha por la independencia:

Vegetarianismo político.

Un aspecto que expresa las posturas de Gandhi respecto de la no violencia, de la autonomía o  autosuficiencia y de la autodepuración es su opción por el vegetarianismo. Es una tradición hindú muy arraigada, pero no todo el mundo en la India es vegetariano. El hecho es que el vegetarianismo de Gandhi es un elemento político. A la hora de debatir sobre desarrollo sostenible hoy en día, ser vegetariano o al menos casi vegetariano, adoptando la postura gradualista de Gandhi, puede ser importante. Su vegetarianismo expresa muy bien sus posiciones básicas sobre la vida, porque es una forma de producir mejor, de asignar mejor las tierras y la producción para satisfacer a todo el mundo, en el mundo entero. Ya hay cálculos que demuestran que esto sería posible si se dedicara más tierra a la producción vegetariana que a la carnívora.

Infelizmente, el movimiento de descolonización, tanto del lado de los oprimidos como de los opresores, no adoptó esta posición y hasta el día de hoy se viven las consecuencias de la independencia utilizando el método tradicional de la violencia contra la violencia. Después, ante el avance de la violencia y la represión por parte de los británicos, Gandhi se adhirió a la independencia total. Este entendimiento podría haber cambiado la historia reciente si se hubiera producido, si Inglaterra y los líderes hindúes que estaban con él hubieran tenido esta clarividencia.

Favorecieron la separación, incluida la absurda creación de Pakistán, que fue un acontecimiento traumático y desastroso para la independencia y una fuente de dolor para Gandhi y en cierto modo, el motivo de su muerte, ya que fue acusado por el nacionalista hindú que lo asesinó de ser demasiado tolerante con los musulmanes.

Véase aquí una entrevista con Gandhi en la época de la lucha por la independencia:

Vegetarianismo político

Un aspecto que expresa las posturas de Gandhi respecto de la no violencia, de la autonomía o  autosuficiencia y de la autodepuración es su opción por el vegetarianismo. Es una tradición hindú muy arraigada, pero no todo el mundo en la India es vegetariano. El hecho es que el vegetarianismo de Gandhi es un elemento político. A la hora de debatir sobre desarrollo sostenible hoy en día, ser vegetariano o al menos casi vegetariano, adoptando la postura gradualista de Gandhi, puede ser importante. Su vegetarianismo expresa muy bien sus posiciones básicas sobre la vida, porque es una forma de producir mejor, de asignar mejor las tierras y la producción para satisfacer a todo el mundo, en el mundo entero. Ya hay cálculos que demuestran que esto sería posible si se dedicara más tierra a la producción vegetariana que a la carnívora.

Gandhi nunca recibió el Premio Nobel de la Paz, a pesar de haber sido propuesto cinco veces entre 1937 y 1948. Sin embargo, décadas más tarde, el comité organizador del Nobel reconoció el error. Albert Einstein dijo de él: “A las generaciones venideras les costará creer que un hombre así existiera realmente y caminara sobre la Tierra”.

El legado.

Pensé mucho antes de investigar y escribir todo esto. Leí escritos de otras personas. Vi las noticias. Y observé la falta de alusiones a Gandhi, 72 años después de su asesinato el 30 de enero de 1948.

Tantas manifestaciones en el mundo globalizado. Por tantas causas sin una causa. O causas afines. Un océano de informaciones pululando en nuestras mentes. Concentraciones. Quedadas. Marchas con dios y con el diablo. Incendios. Tsunamis. Terremotos e inundaciones. El mundo en movimiento. El planeta ardiendo en llamas. Gobiernos que se desmoronan. Jóvenes tratando de encontrar un lugar en el futuro. Tanta violencia. En las casas. En las calles. En el trabajo. En el ocio.

Por la mañana fui a la Praça Túlio Fontoura, frente al Parque de Ibirapuera, en São Paulo. Allí estaba la estatua de Mahatma Gandhi. Vi unos cuantos pétalos. Me topé con un hombre indio vestido de blanco con lágrimas en los ojos.

Pasó a mi lado… abatido… quizá haya dejado atrás de sí, los pétalos; yo, ni eso. A diferencia de él, yo no lloré, sólo sentí. Eché un buen vistazo a aquella estatua bellamente esculpida… y sonreí.

Pensé en la historia de aquel hombre hasta hoy.

Caminé despacio hacia el parque, tratando de empaparme de las bondades del verdor que se extendía para poder tener unos momentos de soledad en este infierno, que no es de Roberto Carlos.

Y pedí: Sólo quiero tu paz…

A partir de ahí me puse a trabajar.

La sorpresa.

Por la noche, me reuní con algunas personas, quizás tan ingenuas como yo, en el Centro Cultural de la India para asistir a una mesa redonda sobre la ocupación de Gandhi en el siglo XXI.

Tras una breve narración de Tininha Calazans, un hada, comenzó una charla con cuatro jóvenes: Pedro Kelson Batinga, coordinador de los proyectos de cultura de paz de la Palas Athena; Anielle Guedes, economista y presidenta del Centro de Emprendimiento de la Universidad de São Paulo; Mariana Campanatti, publicista y cofundadora del Movimiento Imagina na Copa y André Gravatá, coautor del libro “La vuelta al mundo en 13 escuelas” y miembro del colectivo Educ-Ação. Estos jóvenes me llaman la atención sobre todo por el entusiasmo (que, según los griegos, significa tener el dios dentro de uno). Quizá eso lo explique todo, pero a veces no veo ese entusiasmo en otros jóvenes, salvo cuando se trata de mirarse el ombligo.

Lo más interesante es que ellos afirman inspirarse en Gandhi. No sólo ellos, sino también otros jóvenes de la India y Grecia que accedieron al portal del encuentro.

Vaya, si es así, no todo es caos en las ardientes fronteras de Dante.

Si 66 años después de su asesinato, Gandhi estaba movilizando a jóvenes universitarios y de la periferia en diversas partes del mundo y en Brasil, habrá valido la pena.

Johan Galtung, el sociólogo noruego creador de la disciplina de estudios sobre la paz y los conflictos, llama a esto trascendencia. Es una innovación: inventar salidas en situaciones difíciles de conflicto y que el político o el partido político, la fuerza política, la fuerza social tenga la capacidad de crear una posición en la que las posiciones en conflicto puedan migrar y las dos posiciones puedan crecer. Esta es una cuestión fantástica, la esencia misma, la función más elevada de la política: moverse no como si se tratara de un negocio, de la compra de un coche o de una casa, sino de crear una nueva posición.

Gandhi quiere que las personas, las clases, los grupos, los pueblos, los países, no sólo la India, tengan confianza en sí mismos y autonomía, que dependan lo menos posible de otras fuerzas y que puedan vivir. Y esto requiere una vida lo más simple posible, para no depender de bienes que no se pueden producir o tener. Este es el otro elemento clave, junto con la no violencia, la autonomía y la confianza en uno mismo.

A pesar de las cicatrices de las guerras. A pesar de la amargura de los conflictos. A pesar de la tristeza de las batallas.

Mira a tu alrededor.

La invitación. El sueño es ahora.

Gandhi decía que era una buena señal cuando “miramos de cerca nuestros propios defectos”. Así es como nos hacemos mejores amigos de nosotros mismos.

Al tejer nuestra propia ropa, renunciamos a ambicionar la de los demás.

Produciendo nuestra propia sal, aprendemos a consumir conscientemente.

Realzando nuestra dignidad y guardándola como un grano precioso. La hacemos crecer y prosperar sin violentarnos por los caprichos de ningún poder podrido.

En una reunión en la que el cónsul no da un discurso, sino que canta… y encanta… esto me dice en el corazón que es posible tener esperanza.

Me marcho y cuando llego a casa, sobre las 22.45, meto la llave en la puerta. La calle está desierta. Un hombre dobla la esquina y me grita en el típico inglés oriental.

  • Por favor, señorita… ¿Habla inglés?

Le respondo, asombrada:

  • Sí. ¿De la India?

Me responde:

  • De Pakistán. ¿Dónde está el supermercado? Necesito comprar leche de soja para mi hijo.

Le indico:

  • Dos manzanas más y gire a la derecha. ¡Corre, está cerrando!

Él sale corriendo…

Yo entro en casa. Y me permito soñar con la paz mundial.

El día que regresé a Brasil. Una vez más me encuentro con Gandhi en el aeropuerto para decirle: ¡Hasta luego! #oAmorSIM

El texto anterior fue escrito en el 66 aniversario del asesinato de Gandhi.

La visita a su residencia en Bombay tuvo lugar en 2018.

Gandhi persists in…

shellAHAvellar

A myth? Just a man? An event? A singular life transformed into wonder or a failure to adapt to a singular life? Lucid obsession? Indomitable will? An open book? A disturbing silence?

Yes, he was a small man. Almost imperceptible. Bright eyes and tellers. He X-rayed and scanned all who approached him, seeking meaning in the meaningless mysteries of the human soul.

Satya, Truth and Ahimsa, non-violence, were his slogans. His thought, his work. His action. He fasted for peace. He fasted for love. He fasted to unite. He fasted to free his people from British oppression. But does this make you a saint? “All my possessions in the world boil down to a prison plate, some clothes and my reputation, which anyone can wear”.

Some describe him as a messenger of God, though he admits that he never received any divine revelation. Just consistency? He himself contradicts consistency: “I am not at all interested in appearing coherent. In my journey in search of the truth, I have abandoned many ideas and learned other new things. However old I am in body, I do not realice that I have stopped growing inwardly, nor that my growth will stagnate with the dissolution of my flesh. What interests me is my willingness to obey the call of truth, at every moment. There are eternal principles that admit no concessions and man must be willing to sacrifice his life to obey them.”

The boy. The young man. The call.

Mohandas Karamchand Gandhi was born on 2 October 1869 in Porbandar, western India (present-day state of Gujarat). She married at the age of 14 Kasturbai, who was the same age, in a marriage arranged between the families. The couple had four children.

A great connoisseur of the Hindu scriptures, at the age of 19 he went to study law at the University of London in the United Kingdom. He returned to Mumbai (India) as a lawyer. He then emigrated to South Africa, where 150,000 Indians lived.

A turning point in his career: an incident while traveling by train. Gandhi was traveling in first class when he was asked to move to third because he was not white. When he refused, he was thrown out. The episode encouraged him to advocate against existing discriminatory laws.

Gandhi’s actions consisted of disobeying British laws regardless of the consequences, boycotting British produce, holding hunger strikes so that Hindus and Muslims would set aside their religious differences and unite in favor of the common cause: the independence. He ended up gaining admirers all over the world, even in England.

However, World War II (1939-1945) had the effect of weakening England, so that at the end of the world conflict it could no longer maintain its rule over India. On 15 August 1947, India was declared independent. However, the country continued to face strong tensions between rival religious groups and fragmented into two, India proper and Pakistan, the latter geographically divided into East and West, with an Indian enclave in between.

Religious violence and land disputes were therefore prevalent. In 1948, the island of Ceylon, in the southeast of the Indian subcontinent, became an independent state with the name of Sri Lanka. Similarly, East Pakistan would form a new country, Bangladesh, in 1971.

Today, in the Republic of India, conflicts between Hindus and Muslims are minor, although they persist. Two other religious groups also have strength in the country, the Buddhists and the Sikhs, a Hindu sect with its own characteristics. Relations with Pakistan remain contentious, particularly with regard to the northern Indian province of Kashmir.

Clairvoyance.

Gandhi was acting so peculiar that it was absurd. He looked like a nationalist leader like many others common at the time: Sukarno in Indonesia, Bembela in Algeria, Nasser in Egypt and others. However, it differed in the application of the principles of autonomy, self-determination and non-violence in India’s independence process.

And independence from India was no small feat because it was the jewel in the English crown. Of all the colonies, it was the key colony. Apart, it would break the British Empire, as it happened.

And he was leading a crucial struggle in the world, because he was changing an imperialist colonial system, of which England was the paradigm.

 He always argued that it was possible to have an understanding with the empire. And he often argued that India and England would remain linked in a community where nations had the same rights and duties. He even stated, to the dismay of the radicals of the time, that it was possible and good for India, for England and for the world to reach an understanding between the parties and that both could remain linked, but as peers, as equals.

Unfortunately, the decolonization movement, both on the side of the oppressed and the oppressors, did not adopt this position and to this day the consequences of independence are experienced using the traditional method of violence against violence. Then, faced with the advance of violence and repression by the British, Gandhi joined the total independence.

This understanding could have changed recent history if it had occurred, if England and the Hindu leaders who were with him had this clairvoyance.

They favored separation, including the absurd creation of Pakistan, which was a traumatic and disastrous event for independence and a source of pain for Gandhi and in a way, the reason for his death, since he was accused by the Hindu nationalist who murdered him of being too tolerant of Muslims.

See here an interview with Gandhi at the time of the struggle for independence:

Political vegetarianism.

One aspect that expresses Gandhi’s positions on non-violence, autonomy or self-sufficiency and self-purification is his choice for vegetarianism. It is a deep-rooted Hindu tradition, but not everyone in India is vegetarian. The fact is that Gandhi’s vegetarianism is a political element. When discussing sustainable development today, being vegetarian or at least almost vegetarian, adopting Gandhi’s gradualist stance, can be important.

Their vegetarianism expresses very well their basic positions on life, because it is a way of producing better, of better allocating land and production to satisfy everyone, all over the world. Calculations already show that this would be possible if more land was devoted to vegetarian production than to carnivores.

Gandhi never received the Nobel Peace Prize, despite being proposed five times between 1937 and 1948. However, decades later, the Nobel organizing committee recognized the error. Albert Einstein said of him: “It will be hard for future generations to believe that such a man actually existed and walked the Earth”.

The legacy.

 I thought long before I researched and wrote all this. I read other people’s writings. I saw the news. And I observed the lack of allusions to Gandhi, 72 years after his assassination on January 30, 1948.

So many manifestations in the globalized world. So many causes without a cause. Or related causes. An ocean of information swarming in our minds. Concentrations. Meetings. Marches with God and the devil. Fires. Tsunamis. Earthquakes and floods. The world moving. The planet burning. Governments crumbling. Young people trying to find a place in the future. So much violence. In houses. In the streets. In work. In leisure.

In the morning I went to Praça Túlio Fontoura, opposite the Ibirapuera Park in São Paulo. There was the statue of Mahatma Gandhi. I saw a few petals. I ran into an Indian man dressed in white with tears in his eyes. He passed by me… dejected… perhaps he had left behind him the petals; me neither.

Unlike him, I did not cry, I just felt. I took a good look at that beautifully sculpted statue… and smiled.

I thought about that man’s story until today.

I walked slowly towards the park, trying to soak myself in the goodness of the greenery that extended to have a few moments of solitude in this hell, which is not Roberto Carlos.

And I asked, I just want your peace…

From there I got to work.

The surprise.

In the evening, I met some people, perhaps as naive as myself, at the Cultural Centre of India to attend a round table on the occupation of Gandhi in the 21st century.

After a brief narration by Tininha Calazans, a fairy, began a talk with four young people: Pedro Kelson Batinga, coordinator of peace culture projects at Palas Athena; Anielle Guedes, economist and president of the University of São Paulo Entrepreneurship Center; Mariana Campanatti, publicist and co-founder of the Imagina na Copa Movement and André Gravatá, co-author of the book “Around the World in 13 Schools” and member of the Educ-Ação collective.

These young people call my attention above all by the enthusiasm (which, according to the Greeks, means having the god within you). Perhaps that explains everything, but sometimes I do not see that enthusiasm in other young people, except when it comes to looking at the navel. The most interesting thing is that they claim to be inspired by Gandhi. Not only they, but also other young people from India and Greece who accessed the portal of the meeting.

Well, if so, it’s not all chaos on Dante’s burning borders. If 66 years after his murder, Gandhi was mobilizing young university students and youth from the periphery in various parts of the world and in Brazil, it would have been worth it.

Johan Galtung, the Norwegian sociologist who created the discipline of studies on peace and conflict, calls this transcendence.

It is an innovation: to invent solutions in difficult situations of conflict and that the politician or the political party, the political force, the social force has the capacity to create a position in which positions in conflict can migrate and the two positions can grow. This is a fantastic question, the very essence, the highest function of politics: to move not as if it were a business, buying a car or a house, but to create a new position.

Gandhi wants people, classes, groups, peoples, countries, not just India, to have self-confidence and autonomy, to depend as little as possible on other forces and to be able to live. And this requires a life as simple as possible, so as not to depend on goods that cannot be produced or have. This is the other key element, along with non-violence, autonomy and self-confidence.

Despite the scars of wars. Despite the bitterness of conflicts. Despite the sadness of battles. Take a look around.

The invitation. The dream is now.

Gandhi said it was a good sign when we “look closely at our own defects”. That’s how we become best friends with ourselves. By weaving our own clothes, we renounce the ambition of others. By producing our own salt, we learn to consume consciously.

Enhancing our dignity and keeping it as a precious grain. We make it grow and prosper without being violent at the whims of any rotten power. At a meeting where the consul does not give a speech, but sings… and loves… this tells me in my heart that it is possible to have hope.

I leave and when I get home, around 22.45, I put the key in the door. The street is deserted. A man turns the corner and yells at me in typical Eastern English.

– Please, miss… Speak English?

I reply, amazed:

– Yes. From India?

He says to me:

 – From Pakistan. Where’s the supermarket? I need to buy soy milk for my son.

I suggest:

– Two more blocks and turn right. Run, it’s closing!

He runs off…

I enter home. And I allow myself to dream of world peace.

The day I returned to Brazil. I once again met Gandhi at the airport to say: Goodbye! #oAmorSIM

The above text was written on the 66th anniversary of Gandhi’s murder. The visit to his residence in Mumbai took place in 2018.