MOÇA NA PRAÇA shellAHAvellar

Uma pequena ilha de grama verde. Algumas parcas árvores. Umas sedentas. Outras mais resistentes.
Galhos vigorosos proporcionam algum oxigênio para pulmõezinhos mais necessitados de atenção e zelo.
A moça sentada no banco da Praça perdida no meio do burburinho do centro da Cidade, desperta minha atenção.
A moça aparenta ter uns dezoito anos. Cabelos castanhos levemente ondulados lhe caem pelos ombros, perceptivelmente curvados e exibindo uma certa apreensão.
A bolsa escorrega pelas pernas estiradas. Veste o jeans característico de sua geração de rebeldia e auto-afirmação.
Uma camisetinha de malha de algodão azul celeste e tênis all-star, já um tanto surrado, exausto pelas caminhadas nas ruas e calçadas agrestes de São Paulo.
Assim como ela, paro para me refugiar da dura simetria do concreto. E do sórdido cálculo das notas.
Distraio-me um pouco traçando os contornos das árvores.Da catedral.Dos transeuntes.Da exuberância das paixões de alguns enamorados mais afoitos.
Volto à mocinha. Tento recriá-la e pintar um quadro em que ela figura como atriz principal.
Retratar a realidade pode ser tão doloroso, que é melhor abstraí-la nas formas e conteúdos suaves que amenizam suas trágicas nuances.
Por isso a saída para a alegria pode ser a capacidade de tingir o cinza com poesia .
Às vezes, um pequeno gesto de segurar a cabeça parece carregar todo o peso das preocupações do dia a dia.
Um dedo sobre os lábios parece trazer as respostas para tantas dúvidas.
Os braços cruzados e os olhos pregados no chão, pode nos conectar com o “fio -terra”.
Ou nos reduzir à nossa precária condição de “sobreviventes”.
Uma aparente resignação e um breve e profundo suspiro para nos safar de um pensamento tenebroso.
Mas, nada que não seja aliviado pela gota de água , da garrafinha de plantão, que escorrega goela abaixo refrescando e irrigando cada órgão ,músculos e sangue, e nos trazendo de novo a certeza do sopro da vida contínua dentro de nós.
Levanto. Abandono este pincel imaginário.Volto ao meu próprio palco.Aos meus horários.À minha pressa.Abandono a menina com seus botões .
E retomo minha fisiognomia revelada pelo contraste com o outro. Cada um com seu cenário agitado. Com suas câmeras, ações e reações.
Sorrio .Moleca ,ensaio alguns passos de dança.Retomo minha caminhada ,despindo a ficção e vestindo a rotina com trajes de gala.

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